A aprovação do Projeto de Lei (PL) 2.159/2021 pelo Senado, que reformula profundamente o sistema de licenciamento ambiental no Brasil, institucionaliza um modelo que, segundo a advogada do Instituto Socioambiental (ISA), Alice Dandara de Assis Correia, fragiliza a proteção ambiental e amplia os riscos socioambientais.
Para Alice Dandara, a criação da chamada Licença Ambiental Especial (LAE) representa um dos pontos mais críticos do texto. O dispositivo permite que “atividades ou empreendimentos estratégicos”, mesmo aqueles potencialmente causadores de significativa degradação ambiental, sejam licenciados de forma simplificada e com critérios estabelecidos exclusivamente por órgãos licenciadores, a partir de regulamentação posterior via decreto. Segundo a advogada, esse novo modelo “será vulnerável a pressões políticas e pode ter impactos negativos significativos, inclusive em relação às obras previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)”.
A especialista destaca que a transferência de competências e a ampliação das possibilidades de licenciamento por autodeclaração, previstas no projeto, reduzem o controle técnico e favorecem decisões baseadas em interesses políticos ou econômicos, enfraquecendo o papel das instituições ambientais na prevenção e mitigação de danos.
Outro ponto ressaltado por Alice Dandara é a violação de entendimentos firmados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A advogada explica que o STF já decidiu ser “incabível licenciamento simplificado e autolicenciamento para empreendimentos e atividades de médio porte, potencial poluidor e risco ambiental”, em função do princípio da prevenção e do dever constitucional de proteção ao meio ambiente. “Isso significa que não é possível que empreendimentos que causem esse grau de dano ambiental possam ter seu licenciamento feito sem a devida avaliação dos órgãos ambientais competentes”, enfatiza.
Com a generalização da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), o PL coloca a autodeclaração como regra para o licenciamento, inclusive para atividades de médio porte e risco, contrariando esse entendimento jurídico. Para a advogada do ISA, essa flexibilização compromete não apenas a efetividade da política ambiental, mas também a segurança jurídica, uma vez que tais dispositivos podem ser questionados no Supremo.
Alice Dandara também chama atenção para as consequências práticas da nova legislação, caso seja sancionada. Entre elas, destaca-se a possibilidade de que empreendimentos de grande impacto obtenham licenças sem a obrigação de cumprir condicionantes ambientais, como medidas de compensação e reparação de danos. Essa mudança transfere para a sociedade e para o poder público o ônus socioambiental de atividades potencialmente degradadoras, contrariando o princípio do poluidor-pagador.
Na avaliação da advogada, o projeto aprovado representa um retrocesso no marco regulatório ambiental brasileiro, abrindo espaço para a intensificação de conflitos socioambientais e elevando o risco de desastres, como os ocorridos em Mariana e Brumadinho, Minas Gerais. A ausência de análise prévia e rigorosa nos processos de licenciamento, segundo ela, compromete a prevenção de tragédias ambientais e expõe populações vulneráveis, especialmente em territórios indígenas e quilombolas, que podem ser diretamente afetados pela flexibilização das normas.
Por fim, Alice Dandara observa que o novo modelo propõe uma inversão da lógica do licenciamento ambiental: de um instrumento de prevenção e controle, passa a ser tratado como um obstáculo burocrático a ser superado em prol de interesses econômicos. Essa mudança, segundo a advogada, não apenas afronta os compromissos constitucionais do Brasil com a proteção do meio ambiente, mas também compromete a imagem internacional do país na agenda climática e ambiental.
O projeto segue agora para a Câmara dos Deputados, onde as alterações promovidas pelo Senado poderão ser mantidas ou rejeitadas.
Com informações do Instituto Socioambiental (ISA)