O Brasil iniciou o desenvolvimento do primeiro fitoterápico industrializado a partir da planta quebra-pedra (Phyllanthus niruri), com base em conhecimentos tradicionais de povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares, em uma iniciativa coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com órgãos nacionais e internacionais, com previsão de submissão regulatória em cerca de seis meses.
O projeto tem como objetivo transformar o uso tradicional da planta, historicamente associado ao cuidado de distúrbios urinários, em um medicamento fitoterápico padronizado, seguindo as exigências científicas e industriais necessárias para posterior avaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e eventual disponibilização no Sistema Único de Saúde (SUS). Diferentemente de processos convencionais de inovação, a iniciativa parte do reconhecimento do conhecimento tradicional associado como base tecnológica do desenvolvimento do produto, em conformidade com a legislação que regula o acesso ao patrimônio genético e a repartição de benefícios.
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Para viabilizar o projeto, foi firmado um acordo entre o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Fiocruz, por meio do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), responsável pelo desenvolvimento do fitoterápico. Em complemento, um Acordo de Cooperação Técnica foi assinado entre Farmanguinhos e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), com foco no estímulo à pesquisa e ao desenvolvimento de medicamentos derivados da biodiversidade brasileira voltados ao SUS.
Segundo a secretária nacional de Bioeconomia do MMA, Carina Pimenta, o acordo estabelece um modelo de inovação baseado no consentimento prévio e informado das comunidades detentoras do conhecimento e na repartição justa de benefícios. Ela afirma que, ao tratar o conhecimento tradicional associado como tecnologia, o processo cria condições para que medicamentos desenvolvidos em laboratórios públicos atendam às normas da Anvisa e cheguem ao SUS, abrindo caminho para novos produtos que integrem ciência, território e políticas públicas de saúde.
O conjunto de ações previstas envolve um investimento de R$ 2,4 milhões, destinados à adequação de maquinário, aquisição de equipamentos e insumos, contratação de serviços, visitas técnicas e realização de estudos laboratoriais. Os recursos são oriundos do projeto Fitoterápicos, implementado pelo PNUD com financiamento do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) e coordenação técnica do MMA.
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A vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Priscila Ferraz, informa que o objetivo institucional é ampliar o acesso da população a fitoterápicos com garantia de qualidade e segurança, ao mesmo tempo em que se promove o uso sustentável da biodiversidade e o fortalecimento da cadeia produtiva e da indústria nacional. Na mesma linha, a diretora de Farmanguinhos/Fiocruz, Silvia Santos, destaca que as parcerias firmadas contribuem para transformar pesquisas com plantas medicinais da biodiversidade brasileira em medicamentos disponíveis no SUS.
Responsável pelos estudos com a planta, a pesquisadora Maria Behrens, de Farmanguinhos/Fiocruz, explica que o produto em desenvolvimento não possui equivalente no mercado nacional, ao atuar em diferentes etapas da litíase urinária. Ela afirma que o processo industrial padronizado busca reduzir riscos associados a preparações caseiras sem controle, como troca de espécies, adulterações ou variação no teor de princípios ativos. Após a produção dos lotes-piloto, estão previstos estudos de estabilidade para a submissão à Anvisa, etapa que pode se estender por até dois anos antes do fornecimento ao SUS.
De acordo com o PNUD, além de ampliar o acesso da população a medicamentos fitoterápicos, o projeto fortalece a cadeia produtiva nacional ao incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico baseado na flora brasileira e nos saberes tradicionais, criando precedentes para acordos formais de repartição de benefícios entre instituições públicas, indústria farmacêutica e organizações representativas de povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares.