O governo do Peru promulgou, em dezembro de 2025, a lei que autoriza a abertura da estrada UC-105, um corredor viário projetado para ligar Pucallpa a localidades da província de Atalaya até Puerto Breu, na fronteira com o Brasil, em Marechal Thaumaturgo, no Acre, em uma área marcada pela presença de narcotráfico, cultivos ilegais, mineração informal e territórios indígenas vulneráveis, com possíveis impactos diretos sobre a região de fronteira com o estado do Acre.
A norma foi sancionada pelo presidente peruano José Jerí, que assumiu o cargo após um período de instabilidade política no país e atualmente conduz a agenda do Executivo. Jerí tem atuado na consolidação de decisões aprovadas pelo Congresso e, neste caso, oficializou uma lei impulsionada pela bancada de Fuerza Popular, de orientação fujimorista, que defende a ampliação da infraestrutura viária na Amazônia peruana como estratégia de integração regional.
O projeto foi aprovado com rapidez no Plenário do Congresso peruano, dispensando segunda votação. O registro da sessão aponta 83 votos favoráveis, uma abstenção e nenhum voto contrário, com apoio de todas as bancadas presentes, apesar da ausência de 28 parlamentares por licença ou falta justificada. A iniciativa legislativa foi apresentada pela congressista Jenny López Morales, representante de Ucayali e então presidenta da Comissão Agrária, sem que fossem apresentados, de forma pública, estudos detalhados sobre os riscos associados à região atravessada pela estrada.
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O traçado da UC-105 percorre áreas da Amazônia peruana onde imagens de satélite e reportagens jornalísticas identificam a expansão acelerada do desmatamento associada a cultivos ilegais de coca, abertura de trilhas informais e operação de pistas clandestinas utilizadas pelo narcotráfico. Segundo levantamentos citados no documento, essas estruturas compõem um sistema articulado de economias ilícitas que tende a se fortalecer com a abertura de novas vias formais.
A preocupação extrapola o território peruano e alcança diretamente o Acre. A estrada prevista conecta-se a uma zona de fronteira já sensível, onde autoridades brasileiras e peruanas reconhecem a atuação de organizações criminosas transnacionais. Órgãos judiciais do Brasil confirmaram a presença do Comando Vermelho em áreas de fronteira entre Ucayali e o Acre, indicando que a região funciona como corredor para o tráfico de drogas, armas e outros ilícitos, com impactos sobre comunidades locais e sobre a dinâmica de segurança no lado brasileiro da fronteira.
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Comunidades indígenas do Peru e do Brasil afirmam que não foram consultadas adequadamente sobre a obra. Em resposta à aprovação da lei, povos originários dos dois países criaram a Comissão Transfronteiriça Juruá–Yurúa–Alto Tamaya, que reúne representantes de 28 territórios de 13 povos indígenas. O grupo alerta que a estrada atravessa áreas de uso tradicional, rios e florestas que sustentam modos de vida compartilhados entre comunidades que vivem em ambos os lados da fronteira amazônica. Um dos líderes indígenas ouvidos declarou que “somos indígenas e também somos peruanos. Não queremos ser maltratados, por isso se formou a Comissão Transfronteiriça, para fazer respeitar os direitos dos povos indígenas, para lembrar que as florestas não estão à venda e que o rio não é um negócio”.
Pesquisadores e monitores ambientais apontam que a experiência em outras áreas da Amazônia indica um padrão recorrente: a abertura de estradas formais em regiões com frágil presença do Estado costuma ser seguida pela expansão de atividades ilegais, como mineração informal, grilagem de terras e extração madeireira. No caso da UC-105, análises por satélite identificaram áreas de desmatamento recente e pistas clandestinas a poucos metros do traçado planejado, o que reforça os alertas sobre possíveis repercussões ambientais e sociais também para o Acre, dada a continuidade ecológica e territorial da região fronteiriça.
Fonte: Infobae, com informações de reportagens do Epicentro TV, Mongabay e dados do Congresso do Peru
Foto: Epicentro TV