Ao sediar a 15ª Reunião Anual da Força-Tarefa dos Governadores para o Clima e Florestas (GCF Task Force) em maio de 2025, o Acre reafirma seu papel histórico no debate global sobre clima e floresta. Essa posição é resultado de um processo iniciado há mais de duas décadas, com marcos institucionais e políticos que colocaram o estado na vanguarda da governança socioambiental. Um dos protagonistas dessa trajetória é o ex-governador Binho Marques, que esteve à frente do chamado “terceiro Governo da Floresta” e foi responsável pela consolidação do Sistema de Incentivos a Serviços Ambientais (SISA), o primeiro do tipo no Brasil.
Na entrevista concedida ao Epop, nesse especial sobre GCF no Acre, Binho destaca que, apesar de não ter participado do encontro inaugural da GCF em 2008, liderado por Arnold Schwarzenegger, sua adesão veio na rodada seguinte, após confirmar o compromisso sério da Califórnia com a causa. “Na segunda rodada da Força-Tarefa, mais de 20 estados assinaram compromissos iniciais, mas só dois chegaram ao fim com um Memorando de Cooperação: o Acre e o estado de Chiapas, no México”, relembra. Segundo ele, a equipe acreana recebeu missões técnicas e estruturou um acordo bilateral com a Califórnia, que visava uma relação comercial de créditos de carbono.
“A gente dizia: ‘o que o mundo pensa, o Acre faz’” – Binho Marques
A adesão do Acre à GCF ocorreu em meio à consolidação do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e da articulação política regional. A atuação de Binho Marques, Eufran Amaral e Gilberto Siqueira à frente das secretarias de Meio Ambiente e Planejamento foi decisiva para a inserção do Acre na agenda climática internacional, num momento em que o tema ainda era marginal nos estados brasileiros. “Queríamos colocar o Acre na cena global das mudanças climáticas também como parte da solução. A gente dizia, com certa arrogância: ‘o que o mundo pensa, o Acre faz’”, recorda o ex-governador.
Foi nesse contexto que surgiu o SISA, sancionado em 2010. A lei estadual antecedeu em dez anos a regulamentação federal dos pagamentos por serviços ambientais. Seu desenho institucional foi construído com forte participação popular, por meio dos Planos de Desenvolvimento Comunitário (PDCs), elaborados pelas próprias comunidades. O SISA visava não apenas a conservação, mas também a melhoria das condições de vida de povos indígenas, extrativistas e pequenos produtores.
A entrevista de Binho também aborda a influência de Chico Mendes e da Aliança dos Povos da Floresta na formação política de sua geração. Para ele, a governança ambiental do Acre nasce dessa herança de resistência, que associava justiça social à proteção ambiental. “Os projetos que o Chico desenvolveu com a Mary Allegretti quando era presidente do Sindicato Rural de Xapuri foram protótipos de políticas públicas”, pontua.
O histórico do Acre como referência internacional foi reconhecido na 8ª Reunião da GCF, realizada em Rio Branco em 2014, já com Tião Viana como governador. À época, o Estado apresentou seu aparato legal e institucional para o desenvolvimento de uma economia de baixa emissão, baseada em iniciativas como o ZEE e o SISA.
Ao sediar novamente a reunião da GCF em 2025, o Acre retoma sua posição de vanguarda em um contexto global marcado por impasses entre transição ecológica, financiamento climático e justiça ambiental. A liderança construída por gestores como Binho Marques segue como referência para repensar a relação entre floresta e desenvolvimento.
A seguir, a entrevista completa com Binho Marques:
O senhor esteve no encontro de 2008 em Los Angeles, onde nasceu a GCF. Como foi aquele momento? Que memórias guarda da conversa com Arnold Schwarzenegger?
Muita gente acha que eu estive naquele primeiro encontro global de governadores com o Schwarzenegger em 2008, mas, para ser sincero, eu não fui. Na época achei que era um evento mais midiático do que efetivo. Fiquei desconfiado de que uma estrela de Hollywood, ainda por cima republicano, tivesse mesmo compromisso com o tema. Todos os governadores da Amazônia foram, menos eu, mesmo com os apelos dos meus secretários. Só participei do segundo encontro, quando percebi que as intenções do governador da Califórnia eram sérias de verdade.
Depois desse segundo encontro, recebi uma carta do Schwarzenegger dizendo que estava animado com o futuro da nossa articulação, que tinha gostado da nossa estada na Califórnia e que estávamos prontos para “mandar a bola pra frente”.
Esse momento coincidiu com uma fase muito especial do Acre. Estávamos no terceiro mandato do Governo da Floresta, e o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), criado ainda no governo do Jorge Viana, estava sendo consolidado na minha gestão. Era uma fase de muito protagonismo dos governos estaduais, principalmente na Amazônia. Com meus secretários Eufran Amaral (Meio Ambiente) e Gilberto Siqueira (Planejamento), a gente participou ativamente do Fórum de Governadores da Amazônia, propondo políticas com foco na justiça social e ambiental.
Foi nesse contexto que surgiu o GCF Task Force, essa rede mundial de governadores e líderes subnacionais que hoje tem mais de 40 membros. Quando percebi que o Schwarzenegger estava jogando sério, entrei de corpo e alma. Não era algo “ramisflay”, como diz meu amigo Itaan, ou seja, uma iniciativa do tipo “me engana que eu gosto”. Na segunda rodada da Força-Tarefa, mais de 20 estados assinaram compromissos iniciais, mas só dois chegaram ao fim com um Memorando de Cooperação: o Acre e o estado de Chipas, no México.
Minha equipe ralou muito para que isso acontecesse. Todos os nossos secretários se envolveram, recebemos missões técnicas e autoridades da Califórnia. De cara, eles reconheceram o papel do Acre no contexto global. No fim, conseguimos assinar um acordo bilateral para estruturar uma relação comercial de créditos de carbono. Tenho até hoje uma cópia desse documento, que foi assinado num auditório lotado de ambientalistas, governadores e organizações da sociedade civil. Schwarzenegger ainda me deu de presente a caneta que usamos na assinatura. Essa, infelizmente, eu perdi. Mas a alegria daquele momento, eu guardo com carinho.
O que motivou o Acre a se engajar tão fortemente na agenda climática e florestal, numa época em que o tema ainda era pouco debatido nos estados?
De fato, o tema era pouco debatido. Mas o Acre já era um dos epicentros dessa discussão muito antes dos Governos da Floresta. Foi o Chico Mendes, com sua inteligência e criatividade pragmática, que revolucionou a forma de pensar o ambientalismo. Ele mostrou que quem vivia a floresta podia ser parte da solução, não do problema.
“Eu, Jorge, Marina, Gil, Toinho, Aníbal e tantos outros que construíram o Governo da Floresta somos cria desse movimento” – Binho Marques
Na minha visão, o Chico foi um dos fundadores do socioambientalismo. Com ele, os povos tradicionais passaram a ser ouvidos. Ele, com o Ailton Krenak, criaram a Aliança dos Povos da Floresta e ajudaram a virar a chave do ambientalismo europeu alinhando a luta ambiental com a luta por justiça social.
O slogan “Governo da Floresta” foi uma proposta minha. O Jorge [Viana] tinha me nomeado secretário de Educação, mas me meti a marqueteiro, com anuência do Aníbal, que era o Secretário de Comunicação. Sugeri, mas achei que ele não iria topar. Mas o Jorge comprou a ideia na hora, mesmo com resistência inicial de boa parte da equipe. A logo, criação do compadre Toinho (na época secretário de Cultura), baseado num desenho infantil, deixou tudo mais leve e empático. Eu, Jorge, Marina, Gil, Toinho, Aníbal e tantos outros que construíram o Governo da Floresta somos cria desse movimento do Chico, das comunidades eclesiais de base do querido Dom Moacyr, do movimento estudantil e dos sindicatos que nos anos 1970 enfrentaram os jagunços e grileiros de terra e criaram os chamados empates.
Os projetos que o Chico desenvolveu com a Mary Allegretti quando era presidente do Sindicato Rural de Xapuri foram protótipos de políticas públicas. Eles pensavam grande, pensavam em algo que no futuro se tornasse política pública. Quando assumimos o governo, demos apenas escala ao que já fazíamos com o Conselho Nacional dos Seringueiros, que o Chico veio a ser fundador e primeiro presidente em 1985.
No meu governo (o terceiro Governo da Floresta), reforçamos a ideia de que não era pra fazer para, mas com. Nosso lema era: “com todos e para todos”. Queríamos colocar o Acre na cena global das mudanças climáticas também como parte da solução. A gente dizia, com certa arrogância (eu admito): “o que o mundo pensa, o Acre faz”. Daí nasceram os alicerces do SISA, o primeiro sistema estadual de incentivos aos serviços ambientais do Brasil, sancionado em 2010 – a lei federal só veio dez anos depois.
Quais foram os principais desafios e aprendizados na criação de políticas pioneiras como o ZEE e o SISA?
O maior desafio sempre foi transformar as leis em ações concretas. Com muito esforço, estruturamos projetos com o Banco Mundial, com o BID, com o BNDES, entre outros, que articularam meio ambiente com educação e saúde de qualidade, e desenvolvimento econômico com base comunitária.
Até hoje fazem gozação comigo porque falei que no final do meu governo o Acre seria o melhor lugar para se viver. Não falei exatamente isso. Falei que o Acre seria em 2010 o melhor lugar para um pobre viver na Amazônia, porque teria a melhor oferta pública de educação, saúde e oportunidades de trabalho entre todos os estados da região. Se olhares os indicadores desta época, não só tivemos a maior redução de desmatamento, tivemos também o maior crescimento do PIB da nossa história, a melhor qualidade de saúde e educação pública da Amazônia. Os trabalhadores da saúde e da educação sabem muito bem disso. Na educação, por exemplo, quando assumimos o governo em 1999, éramos os piores do país. Em 2010 estávamos entre os dez melhores do Brasil.
A chave para todas as políticas públicas sempre foi a territorialização e o engajamento: planejar com as pessoas que põem a mão na massa e a partir dos territórios. O ZEE do Acre é um exemplo disso. Segue até hoje como referência, com mais de 20 anos de validade. Já o SISA, por seu caráter inovador, ajudou a captar recursos, conservar a floresta e melhorar a vida de quem mais contribui para isso.
Ambos só funcionaram porque foram construídos com participação popular. Criamos os PDCs – Planos de Desenvolvimento Comunitário feitos por quem vive a realidade. Como dizia Carlos Matus: “planeja quem faz”. A população sabe mais que o governante os caminhos para resolver os próprios problemas.
Qual mensagem o senhor deixaria para os atuais gestores públicos que atuam nessa agenda?
Olha, a experiência me diz, depois de ter trabalhado com gestão pública de 1993 até 2016, que para uma política pública dar certo, ela precisa ser muito simples. Mas ser simples em política pública não significa, de modo algum, ser simplória. O simples exige complexidade na elaboração. Precisa de refinamento. Infelizmente, o que mais vejo hoje são gestores sem repertório, que se apoiam no populismo, no clientelismo ou em intuições sem base de evidências científicas.
“Tivemos quatro governos que variaram da estagnação ao retrocesso” – Binho Marques
A elaboração precisa ser profunda, integrada. Como diz o Morin, simples é diferente de complicado. Ser simples é fazer bem feito, com todos os componentes conectados. E política pública climática precisa partir do território e das pessoas.
Só vamos conseguir mitigar os efeitos das mudanças climáticas com projetos estruturantes que unam produção, conservação e restauração. Para isso, políticas participativas e justas são essenciais.
Lamento que o Governo da Floresta tenha sido interrompido abruptamente depois da minha gestão. Tivemos quatro governos que variaram da estagnação ao retrocesso. Mas o Acre é valente. E o futuro a Deus pertence.
FestCine Originários ilumina a Amazônia com histórias indígenas no Mariri Yawanawá 2025
Pelo segundo ano consecutivo, o FestCine Originários brilhou intensamente, acendendo sua tela mágica para tecer histórias vibrantes e emocionantes. Integrando a programação do Mariri Yawanawá, os filmes, que nasceram da cultura e das vivências indígenas, conectaram a todos com a alma da floresta e a sabedoria ancestral.
A Floresta Amazônica se iluminou com a magia do cinema na última semana. Após uma estreia de peso na COParente [8 a 10 de julho], o Festival de Cinema Indígena Itinerante – FestCine Originários – levou suas telas e histórias para o coração do Mariri Yawanawá 2025. De 12 a 16 de junho, a vibrante Aldeia Mutum, situada na Terra Indígena Yawanawá do Rio Gregório, em Tarauacá, Acre, se transformou em um grande palco para as narrativas dos povos originários.
Pelo segundo ano consecutivo, o FestCine Originários brilhou intensamente, acendendo sua tela mágica para tecer histórias vibrantes e emocionantes. Integrando a programação do Mariri Yawanawá, os filmes, que nasceram da cultura e das vivências indígenas, conectaram a todos com a alma da floresta e a sabedoria ancestral. Foi uma verdadeira celebração que transcendeu as telas e tocou cada coração presente.
No coração da Amazônia
“Estou muito feliz com a realização do FestCine Originários no Mariri Yawanawá pela segunda vez consecutiva. As sessões aconteceram na shovu da aldeia Mutum, do povo Yawanawá, e foram um sucesso absoluto! Foram exibidos filmes e o ponto alto foi a estreia do filme ‘Saiti Muniti’, dirigido por Nedina Yawanawá, que recebeu muitos aplausos. Além disso, fiquei profundamente feliz com os convites recebidos de outros povos para levar o FestCine até suas aldeias. Por fim, quero agradecer ao cacique geral do Mariri, Joaquim Tashka Yawanawá, pela parceria, pelo carinho e pelo acolhimento que ele e sua comunidade deram à equipe do FestCine”, afirmou o idealizador do festival, Moisés Alencastro.
Para Jackie Pinheiro, assessora de imprensa do FestCine Originários, a segunda edição do festival foi emocionante: “foi uma experiência indescritível testemunhar o fascínio dos participantes do Mariri Yawanawá pelos filmes que exibimos. Mas o que realmente tocou foi ver a comunidade inteira — adultos, crianças e idosos — vibrando com histórias que espelham suas próprias vidas. A energia era contagiante, especialmente durante momentos do filme ‘Saiti Muniti’, uma prova viva do poder do cinema. Tudo isso só foi possível pela parceria com o cacique Tashka Yawanawá e da Ascy (Associação Sociocultural Yawanawa), que compreendem a importância de um festival que honra e celebra as narrativas dos povos originários”, salientou.
“Saiti Muniti”: nasce uma estrela na floresta
Um dos momentos mais emocionantes do festival foi a aguardada estreia de “Saiti Muniti: Cantos e Encantos”. Um curta-metragem poderoso e tocante, dirigido pela inspiradora Nedina Yawanawá, uma das lideranças do povo Yawanawá do Acre e diretora da Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas do Acre (Sepi).
Na Aldeia Mutum, a atmosfera era de pura magia durante as exibições. Os moradores e turistas de diversas partes do mundo se reuniram, e cada cena do documentário foi recebida com suspiros, sorrisos e, por vezes, lágrimas. A emoção era palpável no ar, mostrando o quanto essas histórias são capazes de tocar e transformar.
“Nós trazemos uma história real de como uma jovem indígena consegue andar em dois mundos, duas visões: ela faz parte do povo Yawanawá e Ashaninka, e através da música, ela fortalece a sua identidade, cultura e tradição. E traz um pouco de como é a vida do jovem que vive a sua cultura, mas também dialoga com a sociedade não indígena”, explica Nedina.
Mais do que um festival de cinema, o FestCine Originários é uma ponte entre mundos, um convite irresistível para sentir, aprender e celebrar a riqueza inestimável dos povos originários.
Uma sessão inesquecível de histórias e culturas
Na última segunda-feira, 14 de junho, as telonas da shovu (casa de cerimonial) da Aldeia Mutum vibraram com uma seleção especial de filmes, que incluíram:
‘Bimi Shul Kaya’ (direção: Isaka Huni Kuin e Zezinho Yube)
‘Brasil é Terra Indígena’ (direção: Maya Dourado)
‘Awara Nane Putane: Uma História do Cipó’ (direção: Sérgio de Carvalho)
‘Sementes’ (direção: Isabelle Amsterdam)
‘Sukande Kasáká: Terra Doente’ (direção: Kamikia Kisedje e Fred Rahal)
‘Noke Koi – A Festa do Povo Verdadeiro’ (direção: Sérgio de Carvalho e Alexandre Barros)
‘Rami Rami Kirani’ (direção: Lira Mawapai Huni Kuin e Luciana Tira Huni Kuin)
‘Mundurukuyü: A Floresta das Mulheres Peixe’ (direção: Aldira Akay, Beca Munduruku e Rilcélia Akay)
E a aclamada estreia de ‘Saiti Muniti’ (direção: Nedina Yawanawá)
Apoio que faz a diferença
O festival só foi possível graças ao apoio do Governo Federal e da Prefeitura de Rio Branco, por meio do Ministério da Cultura e da Fundação Municipal de Cultura Garibaldi Brasil (FGB), com financiamento da Aldir Blanc (2024).
O objetivo é claro: ecoar as vozes e narrativas dos povos originários, tecendo um panorama abrangente da produção audiovisual que transcende fronteiras étnicas e culturais.
A edição 2025 do FestCine Originários também contou com o carinho e a parceria do deputado estadual do Acre, Edvaldo Magalhães, Chapeleira Sole Lua (@chapelaria_solelua), Associação Sociocultural Yawanawá (@ascyawanawa) e Saci Filmes (@sacifilmes).
Em agosto, o FestCine Originários chega à capital acreana, Rio Branco, com exibições de todas as películas selecionadas pela curadoria, composta por: Wewito Piyãko, Rose Farias e Sérgio de Carvalho. Toda a programação pode ser conferida por meio do @festcineoriginarios.
Texto destaca impactos do projeto de lei aprovado pela Câmara e repercussão entre lideranças indígenas, governo e comunidade científica.
A aprovação do Projeto de Lei 2.159/2021, que flexibiliza regras do licenciamento ambiental no Brasil, provocou reação imediata de lideranças indígenas, pesquisadores e integrantes do próprio governo federal. Para o líder Ashaninka e coordenador da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ), Francisco Piyãko, a medida representa um retrocesso institucional e ambiental que compromete o futuro do país.
“Esse projeto da devastação é mais um que vem sendo apresentado para desmontar os direitos conquistados. É como se o Congresso estivesse a serviço do crime organizado, trabalhando contra a lei. Isso destrói nosso futuro. A gente vê um Congresso que atua contra os tempos atuais, vivendo como se ainda estivéssemos em séculos passados”, afirmou Piyãko, em entrevista concedida nesta quinta-feira (17).
Aprovado pela Câmara na madrugada, o PL agora segue para sanção presidencial. Ele prevê novas modalidades de licenciamento, como a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) — um tipo de autodeclaração ambiental — e a Licença Ambiental Especial (LAE), que poderá ser aplicada inclusive a empreendimentos com grande impacto ambiental, desde que sejam considerados “estratégicos” por um órgão vinculado à Presidência da República.
O projeto retira da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) o poder de se manifestar sobre empreendimentos que afetem terras ainda não homologadas e torna não vinculante a manifestação de órgãos como o ICMBio e o Iphan. Para Piyãko, essa desresponsabilização institucional é sintomática: “Aqui no Acre, por exemplo, querem abrir estradas, ampliar pasto, trazer soja, destruir floresta, sem nenhum estudo técnico sobre os impactos. Isso é irresponsabilidade com o futuro.”
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, declarou que o veto ao projeto “está posto” e afirmou que o governo federal avalia alternativas para barrar os retrocessos. “A proposta aprovada desmonta décadas de política ambiental e compromete acordos internacionais, exportações, o cumprimento das metas climáticas e ainda cria insegurança jurídica generalizada. É um dia de luto para o meio ambiente e para o Brasil”, declarou a ministra.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) também manifestou posição contrária ao projeto. Em nota, a entidade afirma que o PL representa “o mais grave retrocesso ao sistema de proteção ambiental do país”, fragiliza a fiscalização e ignora o risco de colapso de biomas como a Amazônia e o Cerrado. Segundo a SBPC, cerca de 32% das terras indígenas e 80% dos territórios quilombolas em processo de regularização poderão ser ignorados nos licenciamentos ambientais caso a lei seja sancionada.
O Instituto Socioambiental (ISA) classificou o PL como o maior retrocesso ambiental em mais de 40 anos e destacou que a nova legislação ameaça cerca de três mil áreas protegidas no Brasil, permitindo, por exemplo, que empreendimentos sejam licenciados sem estudos prévios de impacto ambiental e sem participação de comunidades afetadas.
Para Piyãko, a reação social precisa ser imediata. “A oportunidade de mudar isso é agora, nas próximas eleições. Não podemos aceitar um Congresso que legisla em nome de negócios que custam a vida dos nossos filhos e netos. É hora de separar quem defende a vida de quem lucra com a destruição”, afirmou.
O Observatório da Torre Alta da Amazônia (ATTO) registrou três eventos intensos de transporte de poeira do deserto do Saara para a floresta amazônica entre janeiro e março de 2025. As concentrações de partículas finas (PM2.5) chegaram a valores entre 15 e 20 μg/m³, níveis de quatro a cinco vezes maiores do que a média da estação chuvosa na região, que gira em torno de 4 μg/m³.
Os eventos ocorreram nos seguintes períodos: de 13 a 18 de janeiro, de 31 de janeiro a 3 de fevereiro, e de 26 de fevereiro a 3 de março. A detecção foi feita por instrumentos científicos instalados no topo da torre de 325 metros de altura, localizada em área remota da floresta, e equipada para monitorar a composição da atmosfera 24 horas por dia.
O ATTO é um projeto coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) em parceria com o Instituto Max Planck da Alemanha, sob responsabilidade do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O objetivo é estudar a interação entre a floresta amazônica e a atmosfera, desde o solo até altitudes elevadas.
Segundo Rafael Valiati, doutorando em física atmosférica pela Universidade de São Paulo (USP), esses episódios são comuns entre dezembro e março, período em que a Zona de Convergência Intertropical se posiciona mais ao sul, favorecendo o transporte transatlântico da poeira. “Essas partículas viajam mais de 5 mil km entre África e América do Sul, sendo transportadas entre 7 e 14 dias, a depender da velocidade dos ventos e das chuvas no percurso”, explicou.
De acordo com o coordenador brasileiro do projeto ATTO, Carlos Alberto Quesada, estudos já demonstram que a poeira do Saara pode contribuir para a fertilização do solo amazônico, especialmente pelo conteúdo de potássio e fósforo.
Além de seu papel na fertilidade do solo, o monitoramento dessas partículas também ajuda na compreensão dos efeitos dos aerossóis no ciclo da água e na formação de nuvens. O MCTI destaca que os dados coletados são essenciais para entender a resposta da floresta às mudanças climáticas e ao uso do solo.
A pesquisa segue em curso e está sendo usada para aprofundar o conhecimento sobre o impacto da poeira mineral no ecossistema amazônico. O monitoramento contínuo da atmosfera é considerado estratégico para o avanço da ciência no Brasil e para a formulação de políticas ambientais baseadas em evidências.