O Supremo Tribunal Federal registra, na Segunda Turma, divergência no julgamento do Habeas Corpus 247.281, que discute a legalidade de atos investigatórios relacionados ao governador do Acre, Gladson Cameli. Até o momento, o placar parcial aponta três votos contrários ao entendimento do relator, ministro Edson Fachin, que votou pelo desprovimento do agravo regimental e pela manutenção das investigações, enquanto o ministro André Mendonça abriu divergência, sendo acompanhado pelos ministros Dias Toffoli e Nunes Marques, restando pendente o voto do ministro Gilmar Mendes.
O habeas corpus foi impetrado pela defesa do governador com o objetivo de anular provas produzidas durante investigações conduzidas inicialmente sob a supervisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. A principal tese sustenta que, a partir do momento em que surgiram indícios concretos de envolvimento do chefe do Executivo estadual, a investigação deveria ter sido imediatamente remetida ao Superior Tribunal de Justiça, em razão da prerrogativa de foro, o que não teria ocorrido. A defesa também alegou ilegalidade na requisição de Relatórios de Inteligência Financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, afirmando que os dados teriam sido utilizados para aprofundar a apuração de forma direcionada.
No voto condutor, o ministro Edson Fachin entendeu que não houve usurpação de competência nem nulidade nos atos investigatórios. Para o relator, a simples menção ao cargo de governador em interceptações telefônicas autorizadas, sem indícios suficientes naquele momento, não impunha o deslocamento imediato da competência para o STJ. O voto também afastou a tese de fishing expedition, ao considerar que os relatórios do COAF foram elaborados e compartilhados dentro das atribuições legais do órgão e utilizados de forma compatível com a jurisprudência do Supremo.
A divergência foi aberta pelo ministro André Mendonça, que apresentou voto-vista sustentando entendimento diverso. Segundo ele, a cronologia dos atos demonstra que a autoridade policial tinha ciência de que investigava o governador do Acre e, ainda assim, prosseguiu com diligências perante juízo que não detinha competência para o caso. O voto destaca que, após interceptações telefônicas em maio de 2020 mencionarem o cargo de governador em contexto relacionado a contratos públicos, foram requisitados relatórios financeiros envolvendo empresas do próprio governador, sua esposa e seu filho, o que caracterizaria aprofundamento investigativo direcionado.
Para Mendonça, esse conjunto de atos ultrapassa a fase de averiguação preliminar e configura investigação formal contra autoridade com prerrogativa de foro, sem a supervisão do tribunal constitucionalmente competente, o que comprometeria a validade das provas produzidas nesse período. O ministro ressalta que a prerrogativa de foro não impede investigações, mas exige que, identificados indícios objetivos, a condução do procedimento observe o órgão competente desde então.
Os ministros Dias Toffoli e Nunes Marques acompanharam a divergência, formando, até o momento, maioria parcial de três votos contra o entendimento do relator. Com isso, o julgamento apresenta o seguinte cenário: voto do relator Edson Fachin pelo desprovimento do agravo; votos de André Mendonça, Dias Toffoli e Nunes Marques pelo reconhecimento de irregularidades nos atos investigatórios anteriores à remessa do caso ao STJ; e ausência de manifestação, até o momento, do ministro Gilmar Mendes.
O julgamento segue em andamento e o voto remanescente poderá definir o resultado final do habeas corpus. A decisão terá impacto direto sobre a validade das provas utilizadas nas ações penais que tramitam no Superior Tribunal de Justiça e sobre a interpretação do Supremo a respeito dos limites entre averiguação preliminar e investigação formal quando envolvidas autoridades com prerrogativa de foro.
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