Nesta semana, a TV Acre exibiu uma reportagem especial sobre a estrada que pretende ligar o município de Mâncio Lima, no Acre, à cidade de Pucallpa, no Peru, atravessando a Serra do Divisor. A matéria trouxe à tona novamente os principais pontos de um projeto que, ao mesmo tempo, desperta esperança e preocupação. A reportagem percorreu parte do trecho onde a estrada poderia ser construída e ouviu moradores, produtores, lideranças indígenas, representantes do governo e organizações da sociedade civil.
A proposta de construção da rodovia, com cerca de 110 quilômetros em território brasileiro e outros 100 no lado peruano, permanece suspensa por decisão da Justiça Federal desde junho de 2023. A ausência de estudos de viabilidade técnica, econômica, ambiental e social, exigidos por lei, impede o avanço do projeto, que ainda carece de consulta às populações indígenas e tradicionais da região.
“Estamos falando de coisas muito grandes”, alerta liderança indígena
Um dos pontos centrais da reportagem é o posicionamento do coordenador da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ), Francisco Piyãko. Para ele, o debate não deve se resumir a querer ou não a estrada, mas sim levar em consideração os impactos reais e o cumprimento da legislação que protege as populações e territórios tradicionais.
“Tem aqui várias reservas indígenas, terras indígenas, tem um parque nacional, uma região bastante importante para a vida da região do Acre. Aqui tem muitos valores que é preciso ser cuidado. E nós estamos falando não só de querer ou não, estamos falando muito na linha de que é primeiro levar em conta os protocolos legais para poder fazer qualquer empreendimento aqui nessa região”, afirmou Piyãko.
Ele reforçou a necessidade de estudos de viabilidade social, econômica e ambiental. “Senão a gente fica meio que trabalhando no escuro. Eu acho que o Estado tem que ter essa preocupação, porque estamos falando de coisas muito grandes”, completou.
Moradores e produtores veem a estrada como esperança
Por outro lado, produtores rurais e moradores da região dos ramais Feijão e Sosso, onde a estrada poderia passar, relatam dificuldades com o transporte da produção e o acesso a serviços básicos. Para eles, o asfaltamento traria alívio logístico e novas oportunidades de desenvolvimento econômico.
Produtores de café da Cooperativa Cooper Café defendem a rodovia como uma forma de baratear custos e ampliar os mercados. O presidente da cooperativa, Jonas Lima, explica que atualmente o calcário utilizado nas lavouras vem do Mato Grosso, a mais de 2 mil quilômetros. Com a estrada, poderia vir do Peru, a 240 quilômetros.
Obstáculos ambientais e indígenas
A área onde o traçado da estrada está previsto inclui 12 terras indígenas e 17% do percurso atravessa o Parque Nacional da Serra do Divisor. A região é considerada uma das mais biodiversas da Amazônia e há presença de povos indígenas isolados, segundo relatórios oficiais.
Para a ONG SOS Amazônia, que acompanha o tema desde o início, o projeto é apresentado de forma unilateral. Daniela Dias, representante da entidade, questiona a viabilidade e os riscos ambientais e sociais. “Passar pelo Parque Nacional das Terras do Divisor é uma região que já tem constatado indígenas isolados. A gente precisa de uma garantia de manutenção, de quanto isso vai custar aos cofres públicos, e de qual, de fato, é esse resultado tão positivo. Desenvolvimento, mas desenvolvimento para quem?”, questionou.
Governo busca retomar o projeto
Apesar da suspensão, o governo do Acre mantém conversas para tentar viabilizar a obra. O secretário de Indústria, Ciência e Tecnologia, Assurbanipal Mesquita, informou que foi criado um grupo de trabalho entre o Acre e o Ucayali, no Peru. O objetivo é apresentar a estrada como parte da rota de integração regional conhecida como Quadrante Rondon. Neste mês de abril, representantes do Ministério do Planejamento e autoridades peruanas devem vir ao Acre para debater o projeto.