A queda abrupta da produção de mel na comunidade de Anã, na reserva extrativista Tapajós-Arapiuns, no Pará, durante a estiagem entre 2023 e 2024, revelou um alerta para os efeitos das mudanças climáticas e para a vulnerabilidade das populações ribeirinhas da Amazônia. O mel produzido pelas abelhas-sem-ferrão é uma das principais fontes de renda local e um atrativo para o turismo. No período de seca, a produção caiu cerca de 50%, o que reduziu o fluxo de visitantes e comprometeu o sustento das famílias .
Aldair Godinho, meliponicultor da comunidade, relata que a estiagem prolongada impediu as abelhas de produzir mel. Ele afirma que a produção depende diretamente do clima e da capacidade das plantas de secretarem néctar. “Se eu não tiver mel, não posso fazer propaganda disso, não posso trazer meus turistas para conhecer. Então, preciso que tudo esteja funcionando”, disse . A cooperativa local precisou fornecer alimentos às famílias, e benefícios federais ajudaram os moradores a atravessar o período de seca .
O engenheiro-agrônomo Rogério Alves explica que temperatura, umidade e precipitação interferem na secreção de néctar pelas plantas e no comportamento das abelhas. “Com a temperatura alta, há também pouca umidade do solo e pouca água na planta. Então, para não perder água, ela não secreta néctar”, afirmou . As altas temperaturas também afetaram outras atividades produtivas da comunidade, como a piscicultura, que registrou perdas de peixes devido ao aquecimento da água .
A seca que atingiu a Amazônia foi resultado da combinação entre o fenômeno El Niño, o aquecimento anômalo do Atlântico Tropical Norte e o agravamento das mudanças climáticas. Segundo a pesquisadora Regina Rodrigues, da UFSC, o estudo World Weather Attribution apontou que as mudanças climáticas tornaram a falta de precipitação dez vezes mais intensa e prolongaram os efeitos da estiagem. “Se antes a seca do El Niño era moderada, agora é excepcional”, afirmou . Em alguns trechos da bacia amazônica, foram registrados até 20 meses com chuvas muito abaixo da média .
Mesmo com a recuperação parcial da produção neste ano, o cenário ainda exige atenção. Para o pesquisador do Inpa Renato Senna, os efeitos da seca atingem diretamente a vida das populações ribeirinhas. “Seca na região amazônica significa um caos absoluto para as populações ribeirinhas. Traz fome, sede, falta de acesso à educação, a medicamentos. É isolamento”, afirmou . Ele destaca que a manutenção da floresta em pé é um elemento de proteção, pois garante umidade no solo e reduz o risco de incêndios .
As abelhas exercem papel estratégico na preservação da Amazônia. Elas são responsáveis pela polinização de grande parte das espécies nativas. Estudo citado na reportagem mostra que abelhas nativas são responsáveis por 90% da polinização do açaí, atividade essencial para o equilíbrio do ecossistema e para a economia da região . Para os pesquisadores, manter a floresta preservada e fortalecer políticas públicas voltadas para adaptação climática são medidas necessárias para garantir a permanência das comunidades na região e a continuidade de suas atividades produtivas.
Aldair observa que, com a volta da chuva e a rebrota das flores, há expectativa de aumento da produção de mel. “Nós, meliponicultores, estamos com uma expectativa de que agora vamos ter bastante mel”, disse . A recuperação, no entanto, não elimina o alerta emitido pelos pesquisadores, que defendem ações de mitigação das mudanças climáticas, redução de emissões de carbono e planejamento para proteger comunidades vulneráveis durante períodos de estiagem prolongada .
Fonte: UOL