Líder Ashaninka destaca, em painel sobre extrativismo sustentável, que o equilíbrio climático e a preservação da floresta passam pelo reconhecimento dos povos que vivem em harmonia com ela.
Durante o painel Extrativismo Sustentável e os Impactos para a Economia da Amazônia, realizado no seminário internacional TXAI Amazônia, em Rio Branco (AC), o líder indígena Francisco Piyãko, do povo Ashaninka, fez uma das falas mais marcantes do evento. Ao abordar a relação entre floresta, território e modos de vida tradicionais, Piyãko defendeu que a sustentabilidade real não está nos mercados, mas no cotidiano das populações que vivem da e com a floresta.
“Para nós, Ashaninka, sustentabilidade está muito ligada a questões práticas. A floresta é o que garante a nossa vida. A gente não aprendeu isso em laboratório. Descobrimos com o tempo, vivendo nela, o espírito de cada planta, a função de cada coisa”, afirmou.
Piyãko explicou que sua comunidade, localizada no Rio Amônia, no Acre, é organizada com base na autonomia e no uso equilibrado dos recursos naturais. “A gente planta o nosso algodão, faz a nossa roupa, nossos instrumentos, a nossa comida. Se a indústria parar, a gente continua. Isso é soberania”, disse.
Durante sua participação no painel, o líder Ashaninka criticou os modelos de desenvolvimento impostos de fora para dentro, que enxergam a floresta como mercadoria. “Se a nossa floresta virar produto para o mercado, nós estamos ameaçados. A floresta tem valor porque é nossa casa, não porque dá lucro. E o lucro de alguns tem custado a vida de muitos.”
Ele também destacou a diferença entre explorar e cuidar. “Cuidar é diferente de explorar. A exploração vem com contrato, com plano de manejo que ninguém garante que será seguido. E o lucro, muitas vezes, nem conserta o dano que foi feito”, afirmou.
O momento mais simbólico de sua fala foi quando apontou a necessidade de o mundo rever sua relação com os povos tradicionais. “Se a gente tivesse um mundo respeitando esses modos de vida, nós estaríamos muito tranquilos. Mas o que vem de fora sempre tenta dividir, enfraquecer. E aí a floresta sofre, e a gente sofre junto.”
Ao final, Francisco Piyãko fez um convite aos pesquisadores e profissionais presentes: “Vão na nossa casa. Vejam como a gente vive. Aprendam com a floresta. O que parece de outro mundo é real. Está vivo, está lá, mas precisa ser respeitado.”
A fala sintetizou um dos principais pontos defendidos no seminário: a bioeconomia só será viável se for construída com base nos saberes e práticas dos povos que vivem e preservam a Amazônia.
Desafio climático e novo olhar para a política ambiental global
As palavras de Piyãko ganham ainda mais relevância diante do atual cenário climático. O último relatório de síntese do IPCC (2023) aponta que o aquecimento global causado por atividades humanas já atingiu 1,1 °C acima dos níveis pré-industriais. Caso não haja cortes imediatos e sustentados nas emissões de gases de efeito estufa, o planeta ultrapassará 1,5 °C ainda nesta década, comprometendo a estabilidade de ecossistemas tropicais como a Amazônia.
Além disso, mais de 3,3 bilhões de pessoas vivem em contextos altamente vulneráveis às mudanças do clima. A manutenção da floresta em pé é, portanto, não apenas uma questão ambiental, mas uma condição para a segurança global.
Nesse contexto, a fala de Piyãko aponta caminhos. O cuidado com a floresta, praticado há séculos por comunidades indígenas e extrativistas, é uma estratégia eficaz de enfrentamento da crise climática. “Não dá para continuar vendendo tudo para depois comprar comida. Isso é atraso”, disse ele durante o painel.
COP30: o Brasil e o chamado ao mundo
A próxima Conferência das Partes da ONU sobre o Clima, a COP30, será realizada em Belém, no Pará, em 2025. Para Francisco Piyãko, e para muitos participantes do TXAI Amazônia, o evento precisa ser mais do que um fórum de negociação climática. Deve ser um marco político e civilizatório.
O Brasil, ao sediar a conferência, tem a oportunidade de liderar um chamado global para a valorização dos modos de vida que já mantêm a floresta em pé — indígenas, extrativistas, ribeirinhos e quilombolas. Isso significa incluir essas populações no centro das decisões e reconhecer que os serviços ambientais que elas prestam são fundamentais para o futuro do planeta.
A fala de Piyãko resume esse caminho possível:
“Se o mundo respeitasse esses modos de vida, nós estaríamos muito tranquilos.”
Esse respeito precisa se transformar em ação política. A COP30 é o momento para isso. O Brasil precisa levar essa mensagem ao mundo — e o mundo precisa escutar.