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MEIO AMBIENTE

Julie Messias defende territórios vivos e justiça climática no uso da terra durante o Txai Amazônia

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No painel Uso da terra com sabedoria como base para a gestão territorial de terras protegidas e mitigação às mudanças climáticas, realizado durante o Seminário Internacional Txai Amazônia, na sexta-feira, 27, a gestora ambiental Julie Messias fez uma intervenção marcada por dados, provocações e propostas concretas para transformar a bioeconomia amazônica em motor de justiça climática, inclusão e desenvolvimento.

Ex-secretária da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e atual diretora executiva da Aliança Brasil de Soluções Baseadas na Natureza, Julie trouxe à roda o conceito de “territórios vivos” como eixo estratégico de governança territorial na Amazônia. Para ela, um território só pode ser considerado vivo quando há relação equilibrada entre o ecossistema, a biodiversidade e os modos de vida das comunidades locais. “A floresta em pé depende das pessoas em pé, com seus direitos garantidos, com autonomia sobre seus territórios e com dignidade para viver do que produzem”, afirmou.

Saber tradicional como tecnologia e política climática

Julie iniciou sua fala retomando uma das perguntas do painel: como articular saber tradicional e inovação tecnológica para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Sua resposta foi direta: “nós já temos tecnologia ancestral nos nossos territórios”. Para ilustrar, contou a experiência de um projeto da FGV Europe na Nigéria, onde mulheres agricultoras cultivavam com base na posição da lua e em movimentos circulares do corpo, práticas que posteriormente embasaram o desenvolvimento de tecnologias adaptadas àquele contexto. “Isso é inovação baseada em saber tradicional. E isso acontece todos os dias na Amazônia”, disse.

Ela defendeu que políticas públicas e iniciativas privadas devem reconhecer o conhecimento tradicional não como obstáculo, mas como ponto de partida para a construção de soluções ambientais. “As comunidades amazônicas sabem onde plantar, quando colher, como preservar. Falta a nós, enquanto gestores e formuladores de políticas, entender que a tecnologia pode ser circular, intuitiva, comunitária”, pontuou.

Bioeconomia: entre conceito e prática

Julie foi crítica à apropriação indiscriminada do conceito de bioeconomia, que, segundo ela, ainda não foi devidamente alinhado entre os diferentes setores. “Se você perguntar para um indígena, para um empresário, para um produtor rural ou para um técnico de governo o que é bioeconomia, cada um vai responder de uma forma diferente. Isso não é um problema em si. O problema é quando usamos o mesmo nome para coisas que se opõem na prática”, alertou.

Ela defendeu uma bioeconomia conectada à cultura local, à justiça social e ao reconhecimento do valor territorial dos produtos da floresta. “Não adianta a gente falar de escala se não resolveu ainda a logística básica na Amazônia. Como garantir um preço justo para um produto que sai de uma comunidade sem estrada, sem energia, sem apoio técnico?”, questionou. Em vez de apenas pensar em exportar produtos “verdes”, Julie propôs que se pense em garantir que a riqueza gerada pela bioeconomia fique na própria região, fortalecendo cadeias produtivas locais e organizações comunitárias.

Financiamento climático e exclusão das comunidades

Outro ponto abordado por Julie foi o desafio de acesso a recursos por parte das associações e cooperativas da Amazônia. Segundo ela, mais de 80% dessas organizações estão inadimplentes, o que as impede de participar de editais de financiamento nacional e internacional. “Não adianta abrir linhas de crédito se os que mais precisam não conseguem acessá-las”, afirmou. Ela propôs que os programas de financiamento climático prevejam instrumentos de regularização e assistência técnica, criando pontes entre os fundos disponíveis e as realidades das comunidades tradicionais.

Julie também destacou o papel estratégico do financiamento climático no contexto internacional, citando iniciativas como o Fundo Verde do Clima e o programa Floresta+ do governo federal. Ela lembrou que, embora haja bilhões de dólares anunciados para restauração florestal e soluções baseadas na natureza, ainda falta estrutura técnica e institucional nos estados e municípios para executar esses recursos de forma efetiva. “Quem está no território precisa ser protagonista. Não se trata apenas de pagar por um serviço ambiental, mas de reconhecer um direito ancestral”, disse.

Integridade, inclusão e transparência

Representando uma rede de empresas que operam com soluções baseadas na natureza, Julie defendeu que todo projeto de carbono, conservação ou restauração precisa seguir padrões elevados de integridade e ser desenvolvido com participação ativa das comunidades locais. “É preciso garantir que a floresta continue em pé com quem vive nela. E isso exige desde a escuta até a decisão compartilhada sobre o que fazer, como fazer e para quem fazer”, explicou.

Entre os critérios adotados pela Aliança Brasil, ela citou a necessidade de auditorias fundiárias, protocolos de consentimento livre, prévio e informado, e mecanismos de transparência para o uso dos recursos. “Não podemos repetir o que já foi feito com os grandes projetos de desenvolvimento na Amazônia, que trouxeram infraestrutura mas deixaram destruição. A bioeconomia precisa ser diferente”, concluiu.

A floresta não é conceito: é território

A fala de Julie Messias destacou uma visão de bioeconomia que integra mercados e justiça territorial. Para ela, os créditos de carbono e outros mecanismos financeiros são ferramentas importantes para a valorização da floresta em pé — e devem cumprir o seu papel ao colocar as populações amazônicas no centro. “Precisamos alinhar os mecanismos de remuneração, com a garantir crédito político para essas pessoas. Elas precisam ser reconhecidas como protagonistas da transformação que o mundo exige. Sem escuta, inclusão e respeito, a bioeconomia perde seu sentido e corre o risco de repetir os erros do passado”, afirmou.

Se há uma síntese possível de sua intervenção, é a insistência de que não há solução para o clima sem solução para o território. E o território, quando vivo, é também sujeito político, cultural e econômico. A floresta não é conceito — é chão, é gente, é história. E é ali que estão as respostas que o mundo insiste em procurar em outros lugares.

Foto: Sérgio Vale

MEIO AMBIENTE

Francisco Piyãko avalia 17 anos do Fundo Amazônia e projeta novos rumos

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O Fundo Amazônia, criado em 2008 e gerido pelo BNDES sob coordenação do Ministério do Meio Ambiente, completou 17 anos em 2025 consolidando-se como o maior programa de financiamento de políticas públicas e projetos socioambientais voltados à conservação da floresta e ao fortalecimento das populações tradicionais. Nesse marco, a participação de lideranças indígenas foi central, entre elas a de Francisco Piyãko, coordenador da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ) e liderança Ashaninka da comunidade Apiwtxa, em Marechal Thaumaturgo (AC).

Participação no evento “Raízes e Rumos”

Durante a celebração dos 17 anos, em Manaus, nos últimos dias 12 e 13, Piyãko destacou a relevância do Fundo Amazônia como instrumento estratégico de proteção territorial. “Nós povos indígenas, seja aqui no Juruá ou em qualquer lugar onde a gente esteja, lutamos para manter os nossos direitos já conquistados. Não estamos inventando nada. E a gente tem que estar sempre atento, porque dá pra ver que tem muitos trabalhando pra tirar esse direito”.

O dirigente da OPIRJ sublinhou que o encontro foi também um espaço de avaliação: “Foi feito um trabalho de alinhamento, em olhar para o futuro. A partir dessas experiências, a gente foi olhando onde tem que mudar, onde tem que melhorar para ajustar cada vez mais. Esse programa ganha muita confiança hoje, tanto nos territórios quanto na esfera nacional e internacional”.

A trajetória do Fundo Amazônia com a Apiwtxa e a OPIRJ

A comunidade Apiwtxa, referência na luta pelo território Ashaninka, foi protagonista no acesso direto ao Fundo Amazônia. Entre 2015 e 2018, coordenou o Projeto Alto Juruá, com investimento de R$ 6,5 milhões, voltado ao manejo agroflorestal, monitoramento territorial e fortalecimento comunitário. A avaliação independente realizada pela GIZ mostrou que, durante sua execução, a taxa de desmatamento nas áreas apoiadas caiu em 64,6%, resultado muito acima da média dos demais projetos financiados no período.

A partir dessa experiência, a OPIRJ estruturou o projeto Gestão Territorial, retomado em 2023 após a reativação do Fundo, com foco na proteção e gestão de 13 Terras Indígenas da região. Em 2023, a parceria foi ampliada com a assinatura de contrato de R$ 33,6 milhões entre BNDES e OPIRJ, na presença das ministras Marina Silva e Sônia Guajajara e da presidenta da Funai, Joenia Wapichana.

“Esse é um projeto básico para a gente começar e dar para fazer muito trabalho nessas comunidades indígenas. A gente tem o desafio e o compromisso de fazer esse projeto andar de acordo com seu espírito”, afirmou Piyãko, ao lado de lideranças indígenas e autoridades federais.

Impactos e desafios

O Fundo Amazônia, segundo Piyãko, transformou-se em um caminho para a ampliação de recursos destinados diretamente aos territórios, durante o evento dos 17 anos, ele pontuou a necessidade de avanços também: “Tem um desafio muito grande que a gente colocou: como acessar de maneira direta esses recursos. Às vezes o programa é muito bem elaborado, mas a ponta tem dificuldade de acessar. Estamos nesse processo”.

Ele destacou ainda que os critérios de acesso — como capacidade técnica e compromisso com a causa ambiental — são fundamentais: “Tem que ter capacidade técnica e compromisso com a causa ambiental, com as populações tradicionais. Isso às vezes incomoda alguns porque querem ter o recurso, mas não têm o compromisso”.

Perspectiva histórica e política

No balanço, Piyãko reconheceu o Fundo Amazônia como o maior programa de impacto direto na proteção territorial: “É o maior programa que a gente teve nesses últimos tempos, que traz resultado, que impactou direto nos territórios para proteção, para manter a floresta de pé, fortalecendo as comunidades e as organizações locais, equipando o Estado e investindo em ciência e tecnologia”.

A trajetória, porém, não foi linear: o programa foi paralisado entre 2019 e 2022, durante o governo Bolsonaro, o que comprometeu a continuidade de projetos em curso. A retomada a partir de 2023 recolocou em pauta iniciativas indígenas de gestão ambiental e fortalecimento comunitário.

Avanço no Juruá

Francisco Piyãko lembrou que a história da comunidade Apiwtxa abriu o caminho para o protagonismo indígena no Fundo Amazônia. “A experiência da Apiwtxa mostrou que nós tínhamos condições de acessar diretamente esses recursos e transformar em resultados concretos para o território. Ali começamos com o Alto Juruá e provamos que era possível”, destacou.

Ele explicou que esse percurso levou à criação de um novo projeto, com a OPIRJ, tendo assim uma articulação regional capaz de ampliar o alcance das ações. “Hoje, com a OPIRJ, conseguimos avançar para as 13 terras indígenas do Juruá. Essa ligação entre o que fizemos na Apiwtxa e o que estamos fazendo agora com a OPIRJ é muito grande, porque mostra que não é um projeto isolado, mas uma construção coletiva para o futuro do nosso povo”, afirmou.

Para Piyãko, a consolidação desse processo representa um marco para todo o Vale do Juruá. “O tamanho disso é que agora não é só uma comunidade, mas uma região inteira fortalecida. O Fundo Amazônia nos permitiu dar esse salto e mostrar que o Juruá pode ser referência de gestão territorial e de sustentabilidade para a Amazônia”, concluiu.

O Projeto Gestão Territorial, coordenado pela OPIRJ com apoio do Fundo Amazônia, beneficia cerca de 11 mil pessoas. A iniciativa está estruturada em quatro eixos: fortalecimento institucional das organizações indígenas, aquisição de equipamentos e infraestrutura, promoção de atividades produtivas sustentáveis e valorização cultural. Entre as ações em andamento estão a capacitação de lideranças, a criação de planos de gestão territorial e ambiental, e o apoio a associações e cooperativas indígenas para ampliar sua capacidade de representação e de diálogo com instituições públicas e privadas.

Na prática, o projeto vem implementando sistemas agroflorestais, investindo em segurança alimentar e na recuperação de áreas degradadas, além de organizar estratégias de monitoramento para proteger os territórios contra invasões e pressões externas. Também promove estudos e pesquisas sobre o patrimônio cultural material e imaterial dos povos indígenas do Juruá, fortalecendo identidades e tradições locais. Com esse conjunto de medidas, o Gestão Territorial busca consolidar um modelo de desenvolvimento que alia proteção ambiental, autonomia comunitária e geração de renda sem abrir mão da floresta.

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Pesquisa da USP identifica microrganismos da Amazônia com uso agrícola e farmacêutico

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Um estudo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) identificou microrganismos de solos amazônicos com potencial para aplicação na agricultura e na indústria farmacêutica. A pesquisa foi realizada em parceria com a USP de São Carlos e a Simon Fraser University, do Canadá, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Contexto e objetivo

O trabalho foi desenvolvido pela bióloga Naydja Moralles Maimone, no Laboratório de Microbiologia Agrícola e Química de Produtos Naturais da Esalq-USP, sob orientação da professora Simone Lira. As amostras analisadas já estavam preservadas no Laboratório de Genética de Microrganismos e passaram por testes para identificar propriedades de interesse agronômico e medicinal.

Resultados da pesquisa

Duas linhagens de actinobactérias se destacaram. A Streptomyces sp. AM25 apresentou capacidade de promover o crescimento de plantas e inibir fungos que atacam culturas como soja, milho e tomate. A Streptantibioticus sp. AM24 produziu duas moléculas inéditas da classe das acidifilamidas, incluindo uma com modificação estrutural não registrada anteriormente em microrganismos.

A investigação utilizou técnicas de genômica e metabolômica para associar genes e compostos bioativos a funções específicas. O método permitiu mapear substâncias com potencial para o desenvolvimento de bioinsumos e de novos medicamentos.

Repercussão e próximos passos

Segundo os pesquisadores, a biodiversidade microbiana da Amazônia permanece pouco explorada e representa uma oportunidade estratégica para gerar soluções sustentáveis. A aplicação prática dos resultados depende de etapas de validação, parcerias com empresas e cumprimento da legislação sobre uso de recursos genéticos.

Importância do estudo

O levantamento reforça o papel da Amazônia como fonte de inovação científica e tecnológica, com impacto direto na segurança alimentar, na preservação ambiental e na descoberta de novos fármacos.

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Estudo aponta degradação acelerada na Amazônia e alerta para necessidade de frear pressões humanas

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Um levantamento conduzido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) indica que a floresta amazônica enfrenta um processo de degradação mais severo do que se estimava anteriormente. A pesquisa revisou quatro décadas de dados e aponta que o fenômeno, descrito como “efeito martelo” — resultante de pressões diretas como desmatamento, queimadas, exploração madeireira e fragmentação — já está em curso, mas pode ser revertido se houver redução imediata dessas ações.

Segundo o pesquisador Paulo Brando, da Universidade de Yale e associado ao Ipam, ao contrário do chamado “efeito dominó” climático — colapso abrupto e irreversível — o “efeito martelo” ainda permite recuperação, desde que as fontes de degradação sejam controladas.

O estudo foi divulgado em meio à sanção presidencial da nova lei de licenciamento ambiental, aprovada com 63 vetos. Apesar de dispositivos de proteção mantidos pelo governo, especialistas alertam que mudanças nas regras podem acelerar a liberação de grandes empreendimentos na Amazônia, aumentando a pressão sobre o bioma.

Dados do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima mostram que, entre agosto de 2024 e julho de 2025, a área sob alertas de desmatamento cresceu 4%, atingindo 4.495 km², com destaque para o avanço do uso do fogo, responsável por 15% da derrubada no período. O secretário-executivo da pasta, João Paulo Capobianco, atribui o aumento às secas extremas e ao uso deliberado de incêndios como método de abertura de áreas.

A pesquisa identifica o “Arco do Desmatamento”, no sudeste da Amazônia, como a área mais vulnerável, onde cerca de 70% das terras convertidas viraram pastagens de baixa produtividade. Brando destaca que a maior parte da derrubada é ilegal, relacionada à grilagem, exploração madeireira clandestina e avanço sobre áreas protegidas, com impactos climáticos e sociais significativos.

O estudo reforça que 80% das áreas agrícolas do país dependem das chuvas originadas em terras indígenas amazônicas, que irrigam 18 estados e o Distrito Federal. Para conter o avanço da degradação, são recomendadas medidas como compromissos de desmatamento zero em cadeias produtivas, incentivo a sistemas agroflorestais, pagamentos por serviços ambientais e eliminação de subsídios a atividades destrutivas.

Brando conclui que a redução do desmatamento deve ser prioridade nas políticas ambientais, por ser a medida mais eficaz para evitar o colapso da floresta.

Foto: Fernando Martinho / Repórter Brasil

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