
O É pop conversou com Anderson Liguth cantor, compositor, pandeirista, radialista, psicólogo e uma das vozes mais consistentes da cultura afro-brasileira no Acre. Com uma trajetória marcada pela pesquisa musical, pela militância negra e pela atuação em projetos culturais como o Clube do Samba, Samba Popular Livre, Quilombo Livre e produções na Rádio Aldeia, Anderson fala sobre identidade, ancestralidade, comunicação, arte e o significado do Dia da Consciência Negra (20 de Novembro).
Ao longo da conversa, ele compartilha sua formação familiar, suas raízes espirituais, o início na música, sua vivência na comunicação, a construção coletiva de movimentos culturais e sua visão sobre o papel do samba como ferramenta de resistência no Brasil.
A seguir, confira a entrevista completa.
1. Pergunta 1 — Liguth, para começarmos, gostaria que você falasse sobre sua formação familiar. Como era o ambiente em que você cresceu e de que forma sua família influenciou sua relação com a arte, com a cultura e com a identidade negra?
RESPOSTA — Anderson Liguth: Eu nasci num lar muito amoroso, com uma formação de uma família nuclear completa: pai, mãe e irmãs. Eu sou o mais velho, vou completando 40 anos, no ano de 2026, e minhas irmãs, que são gêmeas, são quatro anos mais novas do que eu.
O ambiente sempre foi muito amoroso. Além da minha família nuclear, tive a alegria de viver e conviver com outros familiares que moravam no mesmo terreno: meus avós, os pais do meu pai, e minha família por parte de pai, minhas tias e meus tios. Então, o ambiente familiar sempre foi bastante cheio: primos, primas. Eu cresci dentro desse local, no bairro do Bosque, na Francisco Mangabeira, número 253, atrás do Bar do Papinha que, por sinal, é meu tio, irmão do meu pai. É um negócio de família que começou na década de 70 com meu avô, a Casa da Felicidade, um mercantil antigo que vendia de tudo: uma boca de venda, cachaça, picolé, rapadura etc.
A minha base, minha família por parte de pai, é uma família que vem do Nordeste. Meu avô veio do Nordeste. E, nesse contexto, a música vem naturalmente: meu pai sempre gostou de música, toca instrumento de percussão de samba e é compositor também, vem se descobrindo cada vez mais como compositor. Minha mãe também é super musical; eu me recordo, quando criança, dela cantando na cozinha sambas da Clara Nunes, de quem ela gosta muito. Meu pai também, com uma cartela musical profunda das raízes brasileiras: sambas de Martinho da Vila, João Nogueira e muitos outros.
Esse reduto musical me norteou para os primeiros passos. Meu pai me levava para as rodas de samba, e isso, desde pequeno, já me direcionou, foi amor à primeira vista. A partir disso começo minha caminhada musical dentro do cenário acriano.
2. Sua trajetória é marcada por uma forte ligação com a espiritualidade e com valores ancestrais. Como a religião, ou as tradições espirituais presentes na sua família, contribuíram para sua formação humana e artística?
RESPOSTA: A minha família também é religiosa, de uma base cristã católica, e foi assim que eu me construí. Fui batizado aos 14 anos; fiz primeira comunhão e fiz crisma. Cresci basicamente dentro da tradição cristã católica, apostólica romana. Minha avó era super devota, e, como morávamos no mesmo terreno, todos os domingos pela manhã eu ia junto para a missa, ela me levava. Essa foi minha base cristã inicial.
Na juventude, já com a questão da identidade do samba forte e a minha busca pelas raízes, fui redirecionado para um lugar de ancestralidade afro-brasileira, porque o samba vem desse lugar. A minha identidade negra passou a se fortalecer justamente com a linguagem do samba. Nas pesquisas, fui compreendendo que o samba vinha de um lugar, vinha de um povo. Embora o samba seja da cultura brasileira, identitariamente ele é da cultura negra. Ele foi constituído baseado nos negros que chegaram ao Brasil, misturado com povos originários. O samba, por ser tão amplo, traz essa miscigenação, mas a minha identidade negra eu fui adquirindo ao longo das pesquisas, ao longo desse caminho. E devo tudo isso ao samba: à linguagem do samba, que me levou para esse lugar das tradições.
Foi a partir das letras dos sambas, que remetiam a essa ancestralidade, a entidades de raiz, como Zé Pelintra, aos orixás Ogum, Xangô, Iansã, que isso aguçou minha curiosidade e me levou a conhecer essas tradições religiosas afro-brasileiras.
Para completar tudo isso, tive a oportunidade de trabalhar, já depois da minha formação acadêmica, no Departamento de Promoção da Igualdade Racial junto com uma grande referência que tive nesse caminho: o historiador, professor, advogado e saudoso Ogan Arimatéia. Ele foi uma figura importante que me direcionou e me ajudou muito a compreender o samba, as tradições e a história afro-brasileira. Tive também o Ogan Ed, que me ajudou e ajuda muito. Ambos eram psicólogos, assim como eu sou hoje.
Foram professores dessa magnitude que me ajudaram a compreender essas tradições religiosas, que não faziam parte basicamente da minha família, mas que encontraram encontro comigo a partir da minha caminhada dentro da cultura, da arte e especialmente dentro do samba.
3. De que maneira essas raízes familiares e religiosas moldam sua visão de mundo e influenciam sua presença como artista, como psicólogo e como comunicador?
RESPOSTA: Minha família me direcionou inicialmente para essa visão de mundo. Dentro da tradição familiar, o maior valor que adquiri foi fazer o bem ao próximo, cultivar o bem, o amor e os valores familiares. Essa foi a base.
Minha visão de mundo caminha muito dentro dessa perspectiva adquirida desde a minha primeira infância, adolescência e juventude. A minha caminhada foi se somando às experiências como artista, sambista, psicólogo e comunicador.
Essas raízes familiares me levaram para um lugar e minha caminhada artística ampliou essa visão e me moldou, inclusive me levando para lugares espirituais de ampliação dessa visão de mundo, com base na filosofia holística, na filosofia africana, no princípio do Ubuntu (“eu sou porque somos”).
Tudo foi se somando: o legado familiar, a caminhada no samba, as tradições afro-brasileiras, a psicologia e a comunicação. Isso moldou minha visão de mundo e me ampliou enquanto ser humano.
4. Como começou sua relação com a música? Em que momento o samba entrou de maneira definitiva na sua vida?
RESPOSTA: Minha relação com a música começa na infância. E eu ia para as rodas de samba lá na Francisco Mangabeira, na rua onde nasci e me criei, próximo ao Campo do Vasco. Todos os sábados, sem falta, tinha rodas de samba no Bar do Manoel com Sono. Meu pai era um dos integrantes fiéis desse samba e me levava todo final de semana.
Foi lá que aprendi: o network que adquiri com meu pai, porque ele já tinha contato, era amigo da galera do samba. Lá era um ponto de encontro. Quando criança, eu não entendia, mas depois percebi que eram grandes encontros: a turma da Mangabeira, da pelada de futebol, da capoeira, Chico Codó, Nezão, o pessoal do Hari da Feletro, onde morava o Nêio Dida, o Padoca, o Zé da Porca…
Definitivamente, o samba entrou na minha vida porque cresci nesse ambiente. Me apaixonei pelo pandeiro, meu instrumento até hoje. Aprendi vendo Edílson, Dida, Duda, grandes referências e Amadeus. Depois, na adolescência, fui evoluindo e estudando música, ampliando o repertório: Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, Dominguinhos e também trabalhos do Acre como J. B. Costa, grande referência do samba no nosso estado.
5. Suas composições sempre trazem aspectos fortes da sua história. Uma delas, “PAO”, fala diretamente das suas raízes. Como essa música surgiu e o que ela representa dentro da sua trajetória? E como suas vivências pessoais se transformam em letra, ritmo e narrativa?
RESPOSTA: Ao longo desse caminho, fui me descobrindo compositor, acumulando informações e caminhadas, colocando isso para fora escrevendo sambas com parceiros.
O Paó faz parte da minha trajetória. É um samba que tive a alegria de receber, considero um presente. Tive a alegria de gravá-lo. É uma parceria com (você) Alexandre Nunes, amigo querido e referência, um ser humano da melhor qualidade, profissional que me ensina muito sobre comunicação e que me deu a oportunidade de estar na Rádio Aldeia. Também é parceria com minha esposa Julie Messias.
Juntos escrevemos o Paó, que é uma canção que fala um pouco do meu trajeto e das minhas referências. O Paó, nas tradições afro-brasileiras, representa a sonorização sagrada, juntamente com o som dos atabaques é o som que chama os ancestrais. O Paó é a sequência de palmas que desperta e acorda o sagrado.
A própria palavra já é uma ode às tradições. Na canção falamos de referências de sambistas e compositores negros: “clareia, minha referência, meu caminhar; joia, rosa, clara, pérola negra…”. Falamos de J. B. Costa, falamos do Patuá, apelido do meu pai.
Essa canção me representa muito dentro da minha trajetória. Foi um dos meus primeiros singles gravados e está disponível em todas as plataformas digitais.
Complementando: são essas vivências que se tornam narrativas que colocamos no papel para compor, dando vida a novos sambas com nossa regionalidade e nossa visão de mundo.
6. Você tem uma passagem importante pela Rádio Aldeia, apresentando programas de samba. Como você chegou à rádio e o que representa ter participado desse espaço?
RESPOSTA: Então, dentro desse caminho, através das pesquisas, dessa fonte de pesquisa que eu tinha tanto interesse em mergulhar mais profundamente, primeiro descobrindo e depois mergulhando cada vez mais fundo, eu descobri, na época, os grupos que meu pai ouvia, que eram referências lá de trás: Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Fundo de Quintal. E fui complementar isso indo atrás de outros compositores, grupos e sambistas que compunham essa aquarela da música brasileira.
Essas pesquisas me constituíram como fonte de canções. E tive a oportunidade de chegar até a Rádio Aldeia, inicialmente como trabalho voluntário, a seu convite (Alexandre Nunes), que na época era diretor do sistema público e cuidava das programações, preciso dizer, com carinho e competência, também por ser músico.
Ele me convidou para auxiliar nas produções dos programas específicos, como o Aldeia Sonora, Na Sintonia do Samba, onde comecei, e depois também no Aldeia Sonora, Na Sintonia do Choro.
Foi um momento muito importante, onde aprendi muito sobre comunicação com o seu auxílio (Alexandre). Pouco tempo depois, fui convidado para trabalhar diretamente na comunicação, nos programas jornalísticos da rádio Aldeia, e isso me redimensionou. Aprendi muito como comunicador.
Naturalmente, a comunicação se tornou um lugar para mim, porque eu já tinha esse lado vindo do samba, da cultura. Aprendi também sobre jornalismo com o Alexandre e outros colegas. A Rádio Aldeia foi um passo importante: me formou como comunicador, somou ao artista, ao sambista, ao psicólogo que eu já era.
Esse é um lugar que não esqueço.
7. Quero falar agora do Quilombo Livre que é um projeto que guardo com muito carinho, e me orgulho profundamente de ter caminhado ao seu lado e do Ogan Arimateia, naquela construção. Do seu ponto de vista, como nasceu essa ideia e qual era a essência que movia o programa?
RESPOSTA: O Programa Quilombo Livre antecede minha ida para a Rádio Aldeia. Participando junto com Ogan Arimatéia e Ogan Ed nessa construção e com Alexandre Nunes, que me ajudou a construir o Aldeia Sonora na Sintonia do Samba, aprendi muito.
O Quilombo Livre, na minha forma de ver, foi um veículo importante de comunicação e informação para as pessoas das tradições de matriz africana. Ogan Arimatéia era conhecedor profundo da religião e, não só disso, mas da cultura afro como um todo. Quando falamos de cultura negra, falamos também de música, reggae, samba, capoeira, e de muitas conquistas com assinatura negra.
O Quilombo Livre era esse mix de informações: histórias, datas importantes, militância do povo preto, entrelaçadas com arte e cultura musical. Aprendi muito nesse período. Foi importante participar nos bastidores do programa.
Ogan Arimatéia, saudoso, que partiu; Ogan Ed; e Alexandre Nunes fizeram a concepção e o direcionamento do trabalho. Como na época eu trabalhava com Arimatéia no Departamento de Promoção da Igualdade Racial, participei ativamente dessa construção, junto com Ramon Menezes, voluntário na época.
O Quilombo Livre também fazia eco à ONG Ser Negro, encabeçada por Arimatéia e Ed, que discutia questões sociais, políticas públicas, saúde, educação. O programa faz parte efetiva dessa efervescência da luta negra no Acre.
8. De que forma a experiência na rádio fortaleceu sua atuação enquanto comunicador e militante da cultura negra e do samba?
RESPOSTA: Foram esses movimentos, o Departamento de Promoção da Igualdade Racial, a ONG Ser Negro, o Programa Quilombo Livre, que me deram acesso às leis, conquistas e necessidades do povo negro. Acompanhando fóruns e seminários com Arimatéia, entendi a militância cultural.
Percebi que o samba, como cultura negra, também era uma forma de militância. Com esse pensamento, tempos depois encabecei movimentos como o Clube do Samba Acre e o Samba Popular Livre.
Essas experiências me fortaleceram para compreender que essas “caixinhas” aprendidas, samba, militância cultural, cultura afro-brasileira, movimento negro, têm relação direta. Isso moldou meu caminho até a criação do Samba Popular Livre, com um núcleo que incluiu minha esposa Julie Messias, Adriana Gari, Alvarez Jardim, André Camai e Najara Sabe.
Nosso objetivo era levar a cultura do samba de forma gratuita a espaços públicos, mesmo sem projetos aprovados. Fazíamos o movimento de forma autoral.
9. Você foi um dos idealizadores do Samba Popular Livre e do Clube do Samba. Como surgiram esses movimentos e qual era a proposta central deles?
RESPOSTA: O Clube do Samba foi um momento da minha caminhada. Criado por várias pessoas pensantes, queríamos elevar as discussões sobre o samba no Acre: criar um ambiente pedagógico, de conhecimento, estudo e pesquisa. Tínhamos reuniões mensais na Biblioteca da Floresta, incentivadas pelo saudoso professor Marcos Afonso, que nos abriu as portas.
O movimento incluía muitas pessoas: Ramon Menezes, Datan, a velha guarda da Mangabeira (meu pai, minha família), Ares, Jardim, Samuca, Luiz, Maninho e muitos outros. Era uma confraria.
O Clube do Samba realizava filantropia, rodas de samba mensais, diplomação da velha guarda. Fizemos a oficina de samba para mulheres, com o músico Antônio Carlos do Nascimento. Dessa oficina surgiu o grupo Moças do Samba: Carol de Deus, Sandra Buhl e Najara Sabe, hoje super atuantes na cidade. Sinto-me honrado por essa porta aberta pelo Clube do Samba.
O Clube do Samba foi minha base. Em 2016 me mudei para Cruzeiro do Sul, e o movimento seguiu por um tempo. Em 2021, quando voltei, fundamos o Samba Popular Livre, no dia 20 de novembro Dia da Consciência Negra.
10. Que impacto esses espaços tiveram para a cena cultural da cidade e para a organização de sambistas e artistas populares?
RESPOSTA: O Clube do Samba foi composto por cabeças pensantes, líderes, músicos e não músicos. Era um núcleo de pessoas que queriam debater, aprender e ensinar sobre samba.
Nos nossos eventos sociais, as Terças Culturais, realizávamos rodas de samba mensais com temas específicos, convidando artistas do samba e de outros segmentos.
Com o professor Antônio Carlos, realizamos uma oficina para mulheres, pandeiro, harmonia, bandolim, violão. Dessa oficina surgiu o grupo Moças do Samba, que hoje é super atuante.
O Samba Popular Livre continuou esse legado, com edições especiais como a do mês de março, reunindo cantoras de samba e de outros gêneros. Nossos primeiros eventos foram na Rua da África, hoje Rua Professor Advogado Ogan Arimatéia, em homenagem ao nosso irmão saudoso.
Esses movimentos abriram portas para novos grupos, como Alabê Ocã, que traz a força da cultura de terreiro e da musicalidade afro-brasileira.
11. Você considera que esses coletivos reforçaram a dimensão política e comunitária do samba?
RESPOSTA: Eu falo com certeza que o samba é uma ferramenta de transformação. O samba é um organismo vivo, um mecanismo super evoluído de consciência e comunidade.
Se pensarmos nas escolas de samba, vemos comunidades inteiras reunidas: pessoas trabalham, se divertem, empreendem. No Samba Popular Livre, fazíamos chamamento público para microempreendedores venderem seus produtos alimentos, roupas, camisas temáticas, artesanato.
Isso gerava feiras solidárias. O samba impacta segurança, trabalhadores, músicos. Ele tira jovens da ociosidade, da criminalidade. O samba é profissão. Alimenta famílias. É ferramenta política de transformação.
Os coletivos reforçam essa dimensão: rodas, oficinas, formação de novos músicos e entusiastas. Gera ciclos que se ampliam.
12. Como você enxerga a influência da cultura negra no desenvolvimento do samba ao longo do tempo?
RESPOSTA: A cultura do samba é essencialmente negra. Se remontarmos à história, o primeiro samba gravado foi em 1917, Pelo Telefone, de Donga, mas muito antes disso já existiam os pagodes, encontros de sambistas.
Há uma figura feminina fundamental: Tia Ciata. Líder religiosa, articuladora cultural, organizava rodas de samba em sua casa, vendia quitutes. Há correntes que dizem que ela é coautora de Pelo Telefone.
O samba tem origem bantu, dos negros escravizados trazidos para o Brasil, que aportaram na Bahia e no Rio. A construção do samba se dá nesse período histórico, dentro da cultura negra.
A própria filosofia africana do Ubuntu reflete o samba: prática coletiva, de muitas mãos, em roda. Não há hierarquia. Homens e mulheres ocupam o mesmo lugar.
Embora exista preconceito, fruto de uma sociedade patriarcal, o samba hoje é um lugar de acesso. É instrumento de emancipação, da luta feminista e da luta do movimento negro.
13. Na sua experiência como artista e militante, o samba ainda é uma ferramenta de resistência e afirmação da identidade negra? Por quê?
RESPOSTA: O samba é esse instrumento. Com certeza, o samba é resistência. O samba existe e resiste para além da mídia e do marketing, porque o samba é de base. Se você for às comunidades do Rio de Janeiro, da Bahia, principalmente nesses lugares, vai ver rodas de samba semanais. As rodas estão cheias, aquele organismo complexo que já expliquei.
O samba é uma ferramenta pela qual conhecemos nossa história. Os sambas-enredo falam das histórias da escravização, da emancipação, da formação do Brasil, não o Brasil idealizado pelos meios de comunicação, mas o Brasil real, onde o racismo estrutural ainda esmaga e onde as “minorias” (que são, na verdade, maiorias) vivem diante de um abismo social profundo. O samba suplanta isso: revela essa ferida exposta.
Queria citar o samba-enredo da Mangueira, “História para ninar gente grande”, que traz essa resistência. A letra diz:
“Brasil, meu nego, deixa eu te contar.
A história que a história não conta.
O avesso do mesmo lugar.
Na luta é que a gente se encontra.”
O samba sempre foi e sempre será uma ferramenta potente da música do povo negro. É resistência, porque traz a identidade do povo negro, não só pela linguagem do samba, mas pela música preta como um todo: o hip-hop, o rap, a capoeira que é luta, dança e resistência.
A arte produzida pelo povo negro sempre foi um marco de resistência. E o samba, sim, está dentro desse contexto e é um instrumento fundamental e potente da resistência do nosso povo.
14. O que significa o Dia 20 de Novembro para você? Qual é a importância do Dia 20 de Novembro para você enquanto artista, radialista, psicólogo e sambista?
RESPOSTA: Meu 20 de novembro é um dia simbólico. Não é dia de se comemorar. Com tudo isso que eu venho acumulando, com as pesquisas, com os mais velhos, com quem eu já citei nesta entrevista, com quem eu aprendi, a gente encara o dia 20 como um dia de resistência também. Um dia de lembrar que muito já foi conquistado, isso é importante, mas que há muito a se conquistar dentro de uma sociedade em que há um racismo velado e um racismo desvelado, em que as oportunidades não são iguais, em que o negro ainda sofre efetivamente.
O negro ocupa cargos similares, mas recebe menos. Não consegue, mesmo sendo a população mais profunda, em quantidade. Nós temos, pelas estatísticas do IBGE, negros e pardos representando mais de 75% da sociedade brasileira, mas por que, sendo maioria, não temos essa maioria nos lugares de destaque das profissões, na política?
Isso se deve a um processo histórico que foi incluído, que apagou, que abafou e que é um sistema potente, poderoso, contra o qual nós, do movimento negro, falo agora desse lugar de movimento também, lutamos. Se luta, se briga, não só com a força física, mas com a força de ideias, de pensamentos. E por isso é muito importante nos apropriarmos dessa pauta, para que a gente tenha efetivamente um letramento racial, para que saibamos o que é o racismo, para que saibamos o que são as leis que nos amparam.
Isso tudo são ferramentas importantes e fundamentais que fazem eco para o 20 de novembro, e que sustentam a resistência dessa data. Então, é assim que eu vejo o Dia da Consciência Negra: não como um dia de comemoração, mas como um dia de luta, como um dia de resistência, de lembrarmos todo o caminho que foi percorrido, todos aqueles que entregaram sua vida, seu suor e seu sangue, todos aqueles que morreram por essa causa e todos aqueles que ainda precisam de resposta.
Para que possamos ter um caminho de sublimar, ou seja, de encontrarmos efetivamente um lugar de igualdade, em que ainda estamos longe de conquistar, é preciso consciência de classe, luta organizada e movimento social, seja ele movimento de mundo, seja ele movimento comunitário, seja ele movimento negro organizado. Mas é necessário, principalmente, consciência.
Essa é a mensagem que deixo sobre o Dia da Consciência Negra.
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