O VI Congresso Nacional do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) teve início em Brasília no último dia 13 e continuará até 17 de novembro, congregando mais de 250 participantes de diversas partes do Brasil.
O evento tem como principal objetivo realizar uma análise abrangente da conjuntura local, nacional e internacional, traçar um plano estratégico de trabalho para o CNS nos próximos quatro anos, debater questões das mudanças climáticas e eleger ou renovar os membros da diretoria.
Neste ano, o congresso registra a participação recorde de mais de 280 delegados, acompanhados por uma quantidade significativa de convidados, totalizando uma previsão de cerca de 400 pessoas. Julio Barbosa destaca a importância deste evento diante do atual contexto, marcado pelos desafios enfrentados nos últimos quatro anos, incluindo as dificuldades impostas pela pandemia e as mudanças no cenário político nacional.
O presidente do CNS, Júlio Barbosa, destaca a necessidade de debater questões urgentes, como o aquecimento global, a regularização dos territórios, a promoção da bioeconomia para melhorar a qualidade de vida e renda da população, além do fortalecimento de mecanismos de gestão compartilhada nos territórios.
“Tivemos nos últimos quatro anos um governo que a única coisa que ele se esforçou foi tentar destruir todas as nossas conquistas. Agora nós temos uma nova conjuntura nacional, nós temos um novo governo no plano nacional que tem compromisso com a causa socioambiental do Brasil e com os direitos dos povos, que são os verdadeiros guardiões da floresta amazônica. Então esse congresso tem essa importância e é por isso que nós vamos debater durante quatro dias aqui em Brasília”, explica Barbosa.
Experiência e Renovação: 38 Anos Após o Marco Histórico de 1985
Raimundão Barros, líder extrativista da Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, ressalta a importância histórica do encontro, que teve seu marco inicial em 1985, com a realização do 1º Congresso. Naquela época, o evento reunia principalmente seringueiros, hoje conhecidos como extrativistas, mas ao longo dos anos expandiu-se para incluir quilombolas, quebradeiras de coco, pescadores, e outros segmentos.
Raimundão expressa sua satisfação ao ver a evolução da população extrativista, destacando a crescente educação e formação da juventude, em contraste com a realidade de décadas passadas. “Fico muito contente e esperançoso porque eu vejo agora uma juventude, uma juventude com muita energia, uma juventude que hoje tem grau de escolaridade, alguns deles inclusive já formados em várias especialidades, o que na nossa época não tinha. Isso faz com que a gente se sinta muito realizado, se sinta muito à vontade, se sinta feliz”.
Apesar dos avanços, Raimundão também destaca os desafios persistentes na Amazônia, mencionando casos recentes de violência e exploração por parte de concentradores de terra. Ele ressalta a importância do apoio às vítimas e a punição dos responsáveis por tais atos.
Raimundão Barros, líder extrativista da Reserva Extrativista Chico Mendes, destaca avanços e desafios enfrentados pela população extrativista na defesa da Amazônia, durante o VI Congresso Nacional do CNS. Foto: Reprodução
“Eu fiquei muito triste agora conversando ali com dois companheiros do estado de Rondônia, um foi expulso da sua colocação, outro teve a casa queimada. Esses ordinários, desses concentradores de terra, desse capital selvagem que só procura fazer mal aos trabalhadores, e no dia de hoje ainda continua fazendo essas atrocidades. Isso é muito triste, isso é muito triste, esses indivíduos merecem uma punição muito grande e esses trabalhadores e trabalhadoras que estão sendo vítimas da violência desses indivíduos merecem ser apoiados e ser amparados de forma digna, como eles são merecedores”, declarou.
Compromisso Climático e Desafios Regionais
Orleir Moreira, presidente da Associação de Seringueiros e Agricultores da Reserva Extrativista do Alto Juruá (Asareaj), é outro representante da delegação do Acre no Congresso. Além de participar ativamente dos debates e grupos de trabalho, Moreira destaca a urgência da questão climática, especialmente para as comunidades na região do Juruá.
“A questão climática é algo que a gente não pode mais fechar os olhos e fazer de conta que não existe. Devemos tratar com toda prioridade. Nós da região do Juruá, lá na cabeceira, digamos, lá no início, no começo do Acre, sentimos os impactos dessas mudanças climáticas lá no meio da floresta. Não é uma questão só política, é uma questão de vida mesmo, uma questão de bem-estar. Sem floresta não há vida”, afirmou.
Moreira ressalta a importância de discutir e buscar soluções para os impactos das mudanças climáticas, considerando a realidade enfrentada na região, como o aumento das temperaturas e a mortandade de peixes nos rios.
Os feijões cultivados por agricultores familiares no Vale do Juruá, no Acre, tornaram-se objeto de um estudo que alia ciência, tradição e soberania alimentar. A pesquisa, conduzida pela Embrapa em parceria com o Instituto Federal do Acre (Ifac) e a Universidade Federal do Acre (Ufac), revelou que espécies locais apresentam teores de proteína superiores à média nacional e mundial, além de alta concentração de compostos antioxidantes. O trabalho, que analisou 14 variedades ao longo de três anos, demonstra como os sistemas agrícolas tradicionais mantêm viva a diversidade genética e o valor nutricional dos alimentos produzidos na Amazônia.
Entre as variedades estudadas, o feijão-caupi Costela de Vaca e o Manteiguinha Branco se destacaram com até 27% de proteína — acima da média de 20% observada em outras regiões do país. As amostras foram analisadas no laboratório de Bromatologia da Embrapa Acre e integram a tese de doutorado da professora Guiomar Almeida Sousa, do Ifac, sob orientação do pesquisador Amauri Siviero. As duas variedades, cultivadas em praias de rios durante o período seco, são mantidas por famílias que praticam agricultura de base tradicional. “Essas variedades possuem pouco ou nenhum estudo, o que mostra o quanto ainda há para conhecer sobre a biodiversidade do Juruá”, afirmou a pesquisadora.
A pesquisa também identificou altos índices de antocianinas — entre 420 e 962 microgramas por grama —, pigmentos naturais responsáveis por propriedades antioxidantes. O estudo constatou que, mesmo após um ano de armazenamento, os grãos conservaram seus valores nutricionais, reflexo do manejo cuidadoso e da seleção de sementes realizadas por agricultores, indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Segundo Siviero, essa estabilidade reforça o valor das práticas tradicionais e o papel das comunidades na preservação de recursos genéticos e na segurança alimentar da região.
Os levantamentos de campo registraram 23 variedades apenas no município de Marechal Thaumaturgo, que concentra a maior diversidade de feijões do Acre. O cultivo é realizado em pequenas áreas, com plantios em várzeas e terra firme, de acordo com o ciclo das águas dos rios. O professor Eduardo Pacca, da Ufac, afirma que o Vale do Juruá pode ser considerado um dos principais centros de conservação on farm de feijões caupi e comum no mundo, onde as sementes circulam entre famílias e comunidades, garantindo a continuidade de linhagens adaptadas ao ambiente amazônico.
Com base nos resultados, a Embrapa propõe ampliar o reconhecimento dos feijões crioulos e incentivar sua valorização comercial. O pesquisador Amauri Siviero defende que a caracterização nutricional e genética das variedades pode abrir novos mercados, voltados a consumidores que buscam produtos diferenciados e sustentáveis. A iniciativa está alinhada a políticas públicas como o Selo Povos e Comunidades Tradicionais, criado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), que identifica produtos de origem cultural e comunitária. A expectativa é que os feijões do Juruá possam futuramente obter certificações de Indicação Geográfica e selo orgânico, como já ocorreu com a farinha de mandioca da região.
A pesquisa integra o projeto “Registro dos Sistemas Agrícolas Tradicionais do Alto Juruá”, que mapeia as práticas de cultivo em comunidades do Acre e Amazonas. Em agosto de 2025, a equipe percorreu mais de 190 quilômetros de rio para documentar agricultores e seus modos de produção. Para Siviero, os sistemas agrícolas tradicionais são mais do que formas de plantar: “Os feijões do Vale do Juruá se perpetuam como herança passada entre gerações e como práticas de conservação da agrobiodiversidade”. A pesquisa também destaca o papel cultural dessas práticas, associadas a festas e celebrações locais, como o festival do feijão e a farinhada, que integram a paisagem social da região.
Os relatos dos agricultores reforçam a relação entre natureza, alimento e sobrevivência. Pedro Bezerra da Silva, morador da Comunidade Novo Horizonte, em Porto Walter, cultiva feijão, banana e macaxeira para o consumo familiar. “Grande parte da alimentação vem do que plantamos. Se eu não plantar, não tenho como comprar tudo na cidade”, disse. Ele observa, no entanto, mudanças no clima: “O verão tem ficado cada vez mais quente. Já teve ano de secar tudo quanto é broto de água até na mata.” Para a pesquisadora Elisa Wandelli, da Embrapa Amazônia Ocidental, a agricultura do Juruá é exemplo de equilíbrio entre produção e conservação: “Vimos uma população que sabe produzir alimento e cuidar da natureza ao mesmo tempo”, afirmou.
Os resultados serão apresentados na COP30, em Belém (PA), no espaço Agrizone da Embrapa, dedicado a iniciativas inovadoras e inclusivas. A instituição pretende mostrar como o conhecimento tradicional e a pesquisa científica podem atuar juntos na construção de políticas públicas voltadas à agricultura familiar e à preservação da biodiversidade amazônica.
Em meio à corrida global por uma economia de baixo carbono, especialistas, gestores públicos e representantes do setor produtivo se reuniram nesta terça-feira (14), em Brasília, para discutir como garantir que essa transição seja justa e inclusiva. O debate ocorreu durante o Summit Empregos e Habilidades do Futuro para uma Economia de Baixo Carbono, promovido pelo Sebrae Nacional em parceria com a iniciativa global Sustainable Business COP (SB COP), liderada no Brasil pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O evento reuniu lideranças que estão à frente das discussões sobre o papel do Brasil na próxima Conferência do Clima da ONU, a COP30, que será realizada em Belém (PA). No centro das falas, a constatação de que a descarbonização da economia é inevitável — mas o modo como ela será conduzida pode ampliar ou reduzir desigualdades.
A diretora de programa da presidência da COP30, Alice Amorim Vogas, defendeu que o país precisa adotar um novo modelo de desenvolvimento, combinando redução de emissões com geração de oportunidades. “Se a transição vai ser justa ou não, depende muito do esforço de todos nós. Enquanto presidência da COP no Brasil, estamos convocando uma discussão de modelos de desenvolvimento que tratam a descarbonização e construção de resiliência com qualidade. Não estamos mais no momento de falar de adaptação e mitigação”, afirmou.
Os participantes reforçaram que o desafio não se restringe à esfera ambiental. Trata-se também de uma agenda econômica e social, com impacto direto sobre a empregabilidade, a qualificação da força de trabalho e o papel das pequenas empresas — responsáveis por mais de 80% dos empregos formais no Brasil. Para o diretor-técnico do Sebrae, Bruno Quick, os pequenos negócios devem ser incluídos no centro das estratégias de transição. “São os que mais sofrem com os problemas, por possuírem menos meios para superar e mitigar os efeitos climáticos, mas também são grandes portadores das soluções”, afirmou.
A necessidade de investir em formação profissional foi outro ponto central. A CEO da Systemiq para a América Latina, Patrícia Ellen, destacou que a construção de uma economia verde depende de conhecimento e inclusão. “Capital humano tem CEP e precisamos saber onde estão essas oportunidades por estado e por região, além das necessidades dessa população”, disse. Para ela, o investimento em pessoas é o caminho para gerar valor na economia e garantir que o crescimento verde alcance todas as regiões do país.
O painel “Do Global para o Local” apresentou experiências internacionais de integração entre políticas de emprego e sustentabilidade. Especialistas da GIZ e da SB COP destacaram que países que priorizam a capacitação profissional em setores verdes conseguem avançar mais rápido na criação de empregos sustentáveis e na redução de emissões.
Na mesma linha, o gerente de Gestão de Soluções do Sebrae Nacional, Eduardo Curado, alertou que o país precisa acelerar a disseminação de conhecimento técnico. “A velocidade que as oportunidades vão surgindo não está sendo acompanhada pela nossa capacidade de levar o conhecimento dessas habilidades para as pessoas”, observou.
O encontro concluiu que a transição justa para uma economia de baixo carbono exige integração entre políticas públicas, setor privado e sociedade civil. As discussões indicam que o Brasil tem condições de liderar esse movimento, desde que priorize a formação profissional, a inovação e o fortalecimento dos pequenos empreendimentos. Mais do que reduzir emissões, trata-se de garantir que o futuro verde seja também um futuro com empregos, renda e participação social.
O relatório Panorama Climático 2025, desenvolvido pela TETO Brasil em parceria com o Centro de Estudos das Cidades do Insper, inclui Rio Branco entre os municípios mais vulneráveis do país aos impactos das mudanças climáticas. O estudo, que analisou 119 comunidades em 51 municípios de 20 estados, destaca o Acre como um dos territórios da Amazônia Legal onde a crise ambiental e as desigualdades urbanas se cruzam, ampliando o risco de enchentes, secas e outros desastres.
A publicação evidencia que o estado enfrenta de forma recorrente eventos climáticos extremos, com destaque para as cheias do Rio Acre e períodos de estiagem prolongada. Esses fenômenos têm causado prejuízos em infraestrutura, moradia e abastecimento de água, afetando milhares de famílias em Rio Branco e em municípios do interior. O documento ressalta que, embora essas populações contribuam pouco para as emissões de gases de efeito estufa, são as que mais sofrem com seus efeitos, especialmente pela falta de saneamento, drenagem e planejamento urbano.
Em Rio Branco, as áreas mais afetadas são as localizadas às margens do Rio Acre e de seus afluentes, onde o adensamento populacional e a ausência de obras estruturais elevam o risco de inundações. Segundo o estudo, a vulnerabilidade é agravada pela sobrecarga territorial — conceito que relaciona precariedades sociais, habitacionais e ambientais, e que sintetiza a realidade de comunidades urbanas e ribeirinhas do Acre. Nessas regiões, a combinação entre pobreza, fragilidade institucional e falta de infraestrutura básica aumenta a exposição aos eventos climáticos.
O Panorama Climático 2025 também destaca a importância das políticas locais de adaptação e mitigação. O Acre conta com o Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais (SISA), criado em 2010, e com o Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais (IMC), que atua no monitoramento das emissões e na formulação de programas de resiliência. Mesmo com esses avanços institucionais, o estudo aponta que a distância entre a formulação de políticas e a realidade das comunidades ainda é grande, exigindo maior integração entre governos, sociedade civil e populações afetadas.
As conclusões reforçam que a capital acreana precisa investir em planos urbanos integrados, com prioridade para moradias seguras e infraestrutura adaptada às variações climáticas. O relatório cita que a adaptação deve ser incorporada de forma transversal, com participação das comunidades nas decisões sobre planejamento urbano, mobilidade e habitação. A TETO defende que as políticas públicas precisam partir da escuta das populações que vivem o risco cotidiano, incorporando seus saberes e práticas na formulação das soluções.
Ao final, o estudo insere o Acre em um quadro mais amplo da Amazônia Legal, onde cidades como Manaus, Belém, Porto Velho e Tartarugalzinho compartilham os mesmos desafios. As mudanças no regime de chuvas, a elevação da temperatura média e a intensificação de secas e cheias configuram um cenário de desigualdade climática que afeta de forma mais severa as populações pobres e periféricas. Segundo a TETO Brasil, enfrentar a crise climática na Amazônia passa por reconhecer o papel dessas comunidades como protagonistas na construção de políticas que unam justiça social e preservação ambiental.