Uma em cada seis crianças de até seis anos de idade já sofreu racismo no Brasil, segundo a pesquisa Panorama da Primeira Infância: o impacto do racismo, divulgada nesta segunda-feira (6) pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em parceria com o Datafolha. O levantamento ouviu 2.206 pessoas, incluindo 822 responsáveis por bebês e crianças de zero a seis anos, e revelou que as creches e pré-escolas são os locais onde ocorrem a maior parte dos casos de discriminação.
Os dados mostram que 16% dos responsáveis afirmaram que as crianças sob seus cuidados foram vítimas de racismo. Entre os cuidadores pretos ou pardos, o índice chegou a 19%, enquanto entre os brancos foi de 10%. A pesquisa também indica que o problema aumenta conforme a idade: 10% dos cuidadores de crianças de até três anos disseram que elas foram alvo de discriminação, número que sobe para 21% entre as de quatro a seis anos.
De acordo com o estudo, 54% dos casos relatados ocorreram em unidades de educação infantil, sendo 61% nas pré-escolas e 38% nas creches. Outros locais citados foram espaços públicos como ruas e praças (42%), vizinhança (20%), família (16%), comércio e clubes (14%), serviços de saúde (6%) e igrejas (3%). Para a CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Mariana Luz, o dado revela um desafio urgente. “A escola é o primeiro espaço de socialização da criança, onde ela deveria estar protegida. É preciso capacitar professores, diretores e toda a rede educacional, com apoio das secretarias municipais e estaduais e do Ministério da Educação”, afirmou.
A pesquisa também identificou que 63% dos entrevistados percebem que pessoas pretas e pardas são tratadas de forma diferente por causa da cor da pele, do cabelo ou de outras características físicas. Outros 22% reconhecem a existência do racismo, mas acreditam que ele raramente afeta crianças pequenas. Apenas 10% consideram que o país não é racista, e 5% dizem não ter opinião sobre o tema. Para Mariana Luz, reconhecer o problema é o primeiro passo. “É essencial admitir que vivemos em uma sociedade racista e atuar de forma coletiva para mudar essa realidade. As escolas devem ter protocolos e canais para registro das denúncias”, disse.
O relatório aponta que o racismo tem impacto direto no desenvolvimento físico e emocional das crianças, sendo classificado como uma experiência adversa capaz de gerar estresse tóxico e comprometer a saúde mental. O documento defende que a educação infantil é o ambiente mais adequado para prevenir e combater a discriminação racial, desde que haja formação continuada de educadores e inclusão do tema nos materiais didáticos.
A Lei nº 10.639, de 2003, determina o ensino da história e cultura afro-brasileira em todas as etapas da educação básica, mas a maioria dos municípios ainda não cumpre a norma. Um levantamento de 2023 mostra que sete em cada dez secretarias municipais de Educação não desenvolveram ações relacionadas à lei. Para Mariana Luz, a educação antirracista deve abranger todas as crianças. “Proteger crianças negras e indígenas é fundamental, mas também precisamos educar as brancas desde cedo para desconstruir o racismo estrutural”, completou.
O estudo lembra que o racismo é crime no Brasil, conforme a Lei nº 7.716/1989, e que a injúria racial teve sua pena ampliada pela Lei nº 14.532/2023, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A punição pode chegar a cinco anos de prisão, com aumento de pena em casos cometidos por mais de uma pessoa. As vítimas devem registrar boletim de ocorrência e reunir provas que auxiliem a investigação.
O relatório conclui que a primeira infância é o momento mais importante para o enfrentamento do racismo e a formação de uma sociedade igualitária. “Combater o racismo desde o berço é garantir o direito ao desenvolvimento e à dignidade de todas as crianças”, afirma o texto.
Fonte: EBC