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Opinião

Política de Preço Mínimo para Produtos da Sociobiodiversidade e o Potencial para Pagamento de Serviços Ambientais através do Fundo Amazônia

Artigo: Cesário Braga – Superintendente do MDA/Acre

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Resumo
A sociobiodiversidade, que abrange a vasta gama de recursos naturais associados às diversas culturas e comunidades locais, desempenha um papel fundamental na manutenção do equilíbrio ecológico e na promoção da diversidade cultural. No entanto, muitas vezes, as comunidades que dependem desses recursos enfrentam desafios socioeconômicos significativos, incluindo a falta de acesso a mercados justos para seus produtos. Neste contexto, as políticas de preço mínimo para produtos da sociobiodiversidade têm emergido como uma estratégia eficaz para enfrentar esses desafios, enquanto também promovem a conservação ambiental e a inclusão social. Este artigo explora o conceito de política de preço mínimo, seus impactos positivos na promoção da sustentabilidade e da justiça social e como essa política pode se tornar uma ferramenta complementar para o pagamento de serviços ambientais através do Fundo Amazônia.

Introdução
A sociobiodiversidade é um conceito abrangente que engloba uma ampla variedade de recursos naturais e conhecimentos tradicionais associados às diversas culturas e comunidades locais da Amazônia e de outras regiões do mundo. Essa diversidade desempenha um papel crucial na manutenção do equilíbrio ecológico e na promoção da diversidade cultural, contribuindo para a conservação da biodiversidade global (Berkes, F., et al., 2000).

No entanto, muitas comunidades que dependem desses recursos enfrentam desafios socioeconômicos significativos, incluindo a falta de acesso a mercados justos para seus produtos. Isso muitas vezes resulta em ciclos de pobreza e degradação ambiental (Rist, L., et al., 2010). Nesse contexto, as políticas de preço mínimo para produtos da sociobiodiversidade têm emergido como uma estratégia eficaz para enfrentar esses desafios, ao mesmo tempo em que promovem a conservação ambiental e a inclusão social.

O Conceito de Política de Preço Mínimo:
Uma política de preço mínimo é uma estratégia governamental que estabelece um preço mínimo garantido para produtos provenientes da sociobiodiversidade. Essa medida visa assegurar que as comunidades que coletam ou produzem esses recursos naturais recebam um valor justo por seu trabalho e contribuição para a conservação da biodiversidade. No contexto brasileiro, a Política de Garantia de Preços Mínimos para Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio) é um exemplo relevante dessa abordagem (Brasil, 2021). O objetivo central dessa política é fomentar a proteção do meio ambiente, contribuir para a redução do desmatamento e garantir renda às populações que dependem desses recursos.

Uma das maiores vantagens das políticas de preço mínimo é a promoção da justiça social. Com preços garantidos, as comunidades da sociobiodiversidade têm a oportunidade de melhorar suas condições de vida e alcançar maior autonomia financeira (Angelsen, A., 2007). No entanto, é importante reconhecer que essas políticas também enfrentam desafios, como a volatilidade dos preços de produtos da sociobiodiversidade e a competição com produtos convencionais produzidos em grande escala.

O Potencial do Fundo Amazônia como Financiador da PGPM-Bio:
O Fundo Amazônia é uma iniciativa destinada a promover a conservação da Amazônia e o desenvolvimento sustentável da região, recebendo aportes financeiros de governos e países para atingir sua finalidade (Fundo Amazônia, 2021). No entanto, um dos seus principais desafios é como distribuir os recursos de maneira justa e equitativa entre as comunidades locais, considerando o acesso das comunidades indígenas e tradicionais aos benefícios do fundo (Levis, C., et al., 2018).

Uma forma inovadora de assegurar essa distribuição equitativa é estabelecer uma conexão entre a política de preço mínimo e o Fundo Amazônia por meio do pagamento de serviços ambientais para os extrativistas. As populações tradicionais que adotam práticas de produção e coleta sustentáveis, alinhadas com as políticas de preço mínimo, podem receber incentivos financeiros do fundo diretamente em sua conta como reconhecimento pelo seu papel na conservação da Amazônia.

Exemplos Práticos:
No Acre, em 2022, por meio da Subvenção Direta ao Produtor Extrativista (SDPE) da PGPM-Bio, o governo federal pagou R$ 776.611,87 aos extrativistas, pelo equivalente a quase 234 toneladas de borracha. O preço mínimo da borracha estava calculado em R$ 6,32 pelo governo federal, enquanto o mercado local pagava apenas R$ 3,00, demonstrando a necessidade de subsídio para garantir um preço justo (PGPM-Bio, 2022).

Um exemplo ilustrativo do potencial de pagamento por serviços ambientais diretamente em um produto que está gerando renda e proteção da sociobiodiversidade é a parceria entre a COOPERACRE e a empresa VEJA. Esta última paga um prêmio adicional de R$10,00 por quilo de borracha nativa aos seringueiros do Acre. Em 2022, considerando as 234 toneladas subvencionadas pelo governo federal, a empresa VEJA pagou mais de 2.3 milhões em serviços ambientais diretamente para os extrativistas, resultando em aumento na renda das comunidades e redução no desmatamento.

Importância da Produção Extrativista:
De acordo com um estudo publicado na revista científica “Environmental Conservation” em 2019 por Luiz Paulo Pinto et al., a produção extrativista desempenha um papel crucial na preservação da Amazônia. A coleta de recursos naturais de forma sustentável por comunidades locais pode contribuir para a manutenção da biodiversidade e a redução do desmatamento, ao mesmo tempo em que fornece meios de subsistência para as populações que habitam a região (Pinto, L. P., & Chave, J., 2019).

Perspectivas Futuras:
É crucial considerar o potencial das políticas de preço mínimo para produtos da sociobiodiversidade, como a PGPM-Bio, em combinação com o Fundo Amazônia como um meio eficaz de promover a conservação ambiental e a inclusão social.

Vamos exemplificar com a borracha no Acre. A produção média de borracha dos seringueiros acreanos que fornecem para a COOPERACRE é de 400 kg por ano. Atualmente, o preço mínimo na tabela do PGPM-Bio está em R$ 7,18. Isso significa que um seringueiro que contribui para a manutenção da biodiversidade e a redução do desmatamento na Amazônia ganhará anualmente, com seu trabalho, R$ 2.872,00 por ano com a venda de borracha. Caso ele venda para a COOPERACRE, obterá uma renda anual de R$ 7.120,00, o que não garante sequer um salário mínimo por mês e coloca o seringueiro dependente dos incentivos de uma empresa, que sempre estará sujeita ao mercado.

Utilizando uma ferramenta que já paga diretamente ao produtor, o PGPM-Bio, e a maior fonte de financiamento para a proteção da sociobiodiversidade, o Fundo Amazônia, é possível assegurar um preço mínimo que cubra a renda média de um salário mínimo anual para 400 kg de borracha, sem depender de empresas que paguem pelo serviço ambiental prestado pelos extrativistas. Estamos falando que, em 2024, o preço mínimo da borracha devia está estimado em R$ 42,63 por Kg.

Considerando a produção de 2023 e um crescimento médio de 10% ao ano, em 2024 seria necessária uma subvenção para 283 toneladas de borracha, totalizando quase R$ 11,3 milhões. Esse valor é relativamente pequeno quando comparado ao serviço prestado. A título de comparação, apenas a Petrobras anunciou que gastará R$ 589,2 milhões na aquisição de créditos de carbono. A empresa realizou sua primeira compra no Acre de uma empresa, um montante que sustentaria essa estratégia de pagamento direto ao produtor que promove a proteção ambiental por 52 anos.

É importante destacar que a borracha é apenas um exemplo ilustrativo da estratégia que pode ser aplicada a todos os produtos extrativistas da Amazônia, garantindo renda para os extrativistas, proteção da floresta e a promoção do desmatamento zero.

Na pratica é pegar os recursos do fundo Amazônia, hoje acessados majoritariamente por Organizações não Governamentais (ONGs) e Governos e distribuir diretamente para os extrativistas, através da política de preço mínimo da sociobiodiversidade como pagamento por serviços ambientais.

Conclusão:
As políticas de preço mínimo para produtos da sociobiodiversidade representam instrumentos poderosos na promoção da sustentabilidade ambiental e da justiça social. Quando combinadas com o pagamento de serviços ambientais financiados pelo Fundo Amazônia, essas políticas podem se tornar uma ferramenta ainda mais eficaz na conservação da Amazônia, valorizando o trabalho das comunidades locais, incentivando a coleta e produção responsável e contribuindo para um mundo mais sustentável e justo para todos. Essa abordagem representa uma integração inteligente de políticas já existentes que podem impulsionar a proteção da biodiversidade e o bem-estar das comunidades amazônicas.

Opinião

A eleição de Rio Branco, suas necessidades e o papel da frente ampla

O cenário eleitoral para a prefeitura de nossa Capital, Rio Branco, está definido nessa reta final das convenções partidárias.

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Desenha-se a inevitável polarização em torno de uma disputa que a crônica política assinala como extremamente comum no cotidiano dos municípios:  a do atual contra o ex-prefeito. O povo parece gostar dessa escolha.

A candidatura à reeleição do atual prefeito Bocalom, representa, como ele mesmo define, a “direita bolsonarista” local e tem o desafio de fazer a defesa de sua frágil gestão para convencer o eleitor a uma segunda chance.

A candidatura do ex-prefeito Marcus Alexandre personifica o conceito de frente ampla, com partidos de todos os espectros ideológicos, e tem a vantagem da memória da população com sua bem avaliada gestão anterior.

Completam a disputa as candidaturas de meu querido colega Jenilson, buscando representar a “alternativa de esquerda”, e Jarude, a “jovem direita”. Ambos são lideranças políticas de grande potencial. Mas o cenário de polarização, o pouco tempo de campanha para reverter a adversidade dos números e a falta de aliança e estrutura típica das chapas “puro sangue”, inviabilizam suas competitividades e tornam o sucesso de uma disputa majoritária absolutamente improvável para ambos.

A cidade sofre com uma gestão que já foi definida como de “pão e circo”, incapaz de, nos últimos quatro anos, alcançar a meta estabelecida para nada menos do que 86% dos indicadores mais básicos de saúde, previstos no antigo programa PREVINE, instituído ainda pelo governo Bolsonaro, seu aliado. O desempenho é ainda mais preocupante pois se reflete em perda direta de financiamento dos programas federais, tendo sido motivo de manifestação recente do Ministério Público cobrando a apresentação de um urgente plano de ação.

Os péssimos indicadores, e a insatisfação da população, se repetem em praticamente todas as áreas da gestãomunicipal: educação, infraestrutura, saneamento, conservação e limpeza urbana, transporte público, assistencial social, cultura, esporte, lazer e economia.

Marcus Alexandre, por outro lado, vem de uma escola de gestores profissionais, acostumado ao planejamento, trabalho em equipe, liderança e alcance de metas. Com o tempo vem se formando também como um experiente político. Como se sabe, “é mais fácil transformar um bom técnico em político do que um político em um bom técnico”. Marcus de um lado e Bocalom de outro são mais dois exemplos a confirmar essa regra.

Marcus Alexandre mantém a liderança em todas as pesquisas de forma consistente e Bocalom mantém também consistente a mais alta rejeição entre todos os candidatos. Ambos têm suas capacidades de gestão e forma de trabalhar largamente conhecidas da população. E os números mostram que a cidade sinaliza claramente o desejo de mudar.

Mas Bocalom traz consigo a significativa vantagem de ter a ‘força da máquina”, estando no cargo e tendo o apoio, em parte, do governo estadual. O Desafio é grande. Os riscos envolvidos também.

Momentos desafiadores como esse, exigem atitudes à altura, concretizadas pela frente ampla que se conseguiu construir em torno de Marcus Alexandre. A união em prol de um interesse comum maior, superando as diferenças pessoais, ideológicas e partidárias, pelo bem coletivo, é trabalhosa. Mas muitas vezes essencial em diversos momentos da história como instrumento de fortalecimento da democracia. Como diz o sábio, “o que tem que ser feito é o melhor a ser feito”.

Estamos todos fazendo história com nossas escolhas, ainda que seja “apenas” em nossas biografias. E o tempo, senhor de tudo, cobra sempre caro ao final.

Nossa população não está precisando de discursos ideológicos extremados, muitas vezes anacrônicos, quase sempre diversionistas e invariavelmente inúteis para o enfrentamento dos problemas práticos da cidade. Tampouco merece continuar sofrendo por essa evidente incapacidade.

Voltemos ao embate ideológico em 2026, quando no âmbito nacional ele voltar a fazer sentido. Por hora, e por aqui, olhemos juntos para nossa cidade que precisa de solução para as ruas, os ramais, as calçadas, a iluminação publica, as escolas, as creches, os postos de saúde, as policlínicas, o abastecimento de água, o ônibus, o emprego…

Marcus Alexandre já demonstrou sua capacidade inegável de gestão, tem um excelente plano de governo construído com esmero por muitas e competentes mãos e sabe dialogar amplamente com todos, sem exceção. Um conjunto de características que o colocam como a candidatura certa no momento certo para nossa cidade.

Rio Branco não pode deixar passar a oportunidade de mudança em direção a uma prefeitura que seja mais técnica, humana, democrática, comprometida e acima de tudo eficiente e resolutiva que nossa população tanto precisa e só a frente ampla em torno de Marcus Alexandre nesse momento oferece.

Bora Rio Branco!

Thor Dantas
Médico Infectologista e Hepatologista
Professor Associado

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Opinião

Juros altos e austeridade fiscal: Receita que empobrece ainda mais os pobres e enriquece ainda mais os ricos

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Por Daniel Zen*

A combinação entre juros altos e austeridade fiscal é terrível para a economia.

Em primeiro lugar, porque juros altos inibem o crédito, desestimulando a atividade produtiva, travando a geração de emprego e a consequente distribuição de renda.

Em segundo lugar, porque juros altos obrigam o Estado a gastar cada vez menos, de modo a imobilizar um montante ainda maior de recursos, na forma de superávit primário, para remunerar o serviço da dívida pública: juros sobre o capital próprio incidentes sobre o valor de face dos títulos do tesouro.

A mistura desses dois fatores é a melhor receita para beneficiar o rentismo e a concentração de renda, dois dos principais problemas do Brasil hoje. Senão vejamos:

Quanto maior os juros, maior a remuneração do serviço da dívida e, por via de consequência, menos dinheiro disponível para destinar tanto para o custeio da máquina pública e para o fomento quanto para os investimentos públicos. E se a despesa pública é muito baixa, a tendência da economia é estagnar.

Para escapar dessa ciranda, o governo é obrigado a driblar a meta fiscal, ampliando a despesa pública de forma a injetar capital circulante na praça, quer sejam despesas correntes (de custeio) ou despesas de capital (investimentos), mantendo-as em patamares aceitáveis o suficiente para contribuir com o aquecimento da economia e com a geração de emprego. Se, recentemente, o Brasil bateu o recorde de emprego para o trimestre dos últimos 10 anos, foi por conta dessa ginástica. Tal engenharia ameniza a situação decorrente dos juros altos, mas, causa um outro problema, que é a ampliação do déficit fiscal. Tudo bem que déficit fiscal zero é conversa pra boi dormir! Mas, um desequilíbrio acentuado no balanço das contas públicas têm consequências danosas, a longo prazo.

Seria possível, então, promover inclusão social com responsabilidade fiscal? Sim. Para isso, é preferível ter uma inflação um pouco maior (um efeito natural de juros mais baixos, a partir da ampliação do crédito e da oferta) e uma despesa pública um pouco mais acentuada, mas com crescimento do PIB, do que ter um controle tão rigoroso da inflação, com juros tão altos e tamanha retração das despesas públicas a ponto de causar estagnação da economia, cenário em que não há emprego a gerar e nem renda a distribuir.

Além de uma taxa de juros mais baixa é necessário prosseguir na regulamentação do sistema tributário, cuja reforma já foi aprovada no Congresso Nacional. É preciso avançar na tributação dos bilionários: das heranças, das super-fortunas e dos lucros e dividendos (isso é mais importante do que taxar as compras na Shein e na Shopee, com a PEC das Blusinhas). A justiça tributária distributiva é pré-requisito para a justiça social. Sem ela, será sempre mais difícil atingir crescimento econômico com geração de emprego, distribuição de renda, inclusão social e redução das desigualdades sociais e regionais, esse sim, o verdadeiro desenvolvimento.

*Daniel Zen é doutorando em Direito pela UnB, mestre em Direito pela UFSC e professor do Curso de Direito da UFAC. Presidente do Diretório Regional do PT/AC, é contrabaixista da banda de rock Filomedusa, ativista do Circuito Fora do Eixo e colaborador da Mídia Ninja. E-mail: danielzendoacre@gmail.com.

Foto: Sérgio Vale / Vale Comunicação

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Opinião

Reforma do Novo Ensino Médio e Escolas Cívico-militares

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Por Daniel Zen*

A reforma do Novo Ensino Médio de 2017, por meio da aprovação do PL n° 5.320/2023, já aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado Federal, virá em boa hora. No chão de escola, em seu breve período de vigência, o novo se demonstrou, mais do que obsoleto, um problema.

O que parecia uma grande novidade, a suposta liberdade que alunos teriam para “definir” os componentes curriculares da parte flexível do currículo e assim escolher um dos distintos itinerários (trilhas, trajetos rotas ou percursos) formativos disponíveis, a partir de suas vocações e preferências, não se concretizou à contento. Na prática, as Redes Públicas Estaduais de Educação Básica ofertavam poucas opções (ou quase nenhuma) de disciplinas eletivas, optativas e atividades complementares ou suplementares para a composição da parte flexível dos currículos vocacionados e seus itinerários formativos, restando aos alunos apenas dois caminhos inevitáveis:

1) cursar a parte obrigatória do currículo, chamada de Formação Geral Básica (FGB), destinada a quem seguiria trilha acadêmica.

2) “encher linguiça” com disciplinas optativas ou eletivas que não acrescentavam em nada à chamada aprendizagem significativa, na parte flexível/variável do currículo.

Aí havia dois problemas. O primeiro é que a FGB era praticamente idêntica a do “antigo” ensino médio, porém, com uma carga horária reduzida, o que precarizava ainda mais o conteúdo dos componentes curriculares conhecidos como disciplinas; o segundo, que componentes curriculares complementares da parte diversificada do currículo, com conteúdos programáticos irrelevantes não ajudavam em nada a desenvolver capacidades (habilidades e competências) necessárias ao desenvolvimento do pensamento crítico reflexivo, à qualificação para o mundo do trabalho, para o exercício da cidadania e para o mundo da vida.

Com a reforma, haverá a recomposição das cargas horários das disciplinas que integram a FGB; a definição dos componentes curriculares obrigatórios, que devem integrar as 4 áreas do conhecimento definidas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC); e uma melhor definição e organização dos itinerários formativos, que integram a parte flexível do currículo.

Superados os obstáculos legais que impediam o desenvolvimento, a contento, de um Ensino Médio verdadeiramente eficaz no que diz respeito à aprendizagem, é necessário enfrentar um outro problema: o das escolas cívico-militares.

Apesar do anúncio, ocorrido em julho de 2023, pelo Ministério da Educação, do cancelamento do Programa Nacional das Escolas Cívico Militares, este seguiu em alguns estados, independente de financiamento do Governo Federal, por decisão dos governadores. Foi o que aconteceu aqui no Acre.

Ocorre é que escola não é quartel. Colégios Militares existem há décadas e vão continuar existindo. Fazem parte da chamada Educação vocacionada. Escolas Cívico-Militares são outra coisa, completamente diferente. Representam a militarização da Educação e isso é uma distorção no processo de ensino-aprendizagem.

Os alunos ficam mais “disciplinados”? Em alguns casos sim. Os resultados nas avaliações são ligeiramente melhores? Pouco, mas sim! Mas, ao custo de tirar centenas de militares de suas funções, nos quartéis ou nas ruas, pagando-lhes gordas gratificações, maiores até do que o salário total dos professores, para atuarem como “bedéis”, como fiscais de comportamento de alunos. É o RDD da Educação!

Se esses valores, pagos aos profissionais da caserna que atuam nas Escolas Cívico-Militares fossem destinados aos profissionais da Educação, para reforçar o salário de quem já atua nas Escolas, para contratar mais pessoas e, sobretudo, para ampliar, progressivamente, o tempo de permanência dos alunos nas unidades escolares, teríamos resultados ainda melhores para uma quantidade ainda maior de alunos e de estabelecimentos de ensino e não apenas para uma pequena fração que acaba apresentando melhores resultados porque recebem o triplo de investimento em recursos financeiros e humanos.

Escolas Cívico-Militares são, em verdade, uma faceta disfarçada do projeto chamado de Escola Sem-Partido: um malogro de quem defende, da boca pra fora, uma educação sem supostas interferências ideológicas mas que, em verdade, pretende propagar uma ideologia única, que é a deles: conservadora, ultra-liberal, de extrema-direita, militarizada e de pendores fascistas. Os que defendem tal visão desejam ver o filho do pobre na escola cívico-militar para que se mantenham domesticados e dóceis, aptos a receber as ordens da elite, cujos filhos vão para outro tipo de escola: aquela que ensina a dá-las – e não a recebê-las.

Diferente dos Colégios Militares, de educação vocacionada para as respectivas carreiras, Escolas Cívico-Militares não passam de um entulho autoritário, resíduo tóxico do bolsonarismo. São laboratórios para seguir chocando os ovos da serpente do autoritarismo. Logo, elas têm que ser removidas da paisagem, lembradas apenas como uma triste passagem de nossa história.

*Daniel Zen é doutorando em Direito pela UnB, mestre em Direito pela UFSC e professor do Curso de Direito da UFAC. Presidente do Diretório Regional do PT/AC, é contrabaixista da banda de rock Filomedusa, ativista do Circuito Fora do Eixo e colaborador da Mídia Ninja. E-mail: danielzendoacre@gmail.com

 Foto capa: Márcia Moreira/SEE

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