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Opinião

Chico Mendes sonhava com outro futuro

Enchente histórica no Acre expõe a urgência da conservação da Amazônia – Opinião / Angélica Mendes

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O estado do Acre, que tem histórico socioambiental e é considerado um berço do movimento dos povos da floresta, está passando por uma emergência climática.

Sou Angélica Mendes, natural de Rio Branco, neta de Chico Mendes, mãe da Lívia, bióloga e doutora em ecologia e evolução, ativista socioambiental voluntária no Comitê Chico Mendes e analista de conservação no WWF-Brasil.

Nestes meus 33 anos de vida, nunca vi o que ocorreu recentemente no Acre. A água alcançou a casa do meu avô, que já resistiu a uma tentativa de apagamento histórico nos últimos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL). Casinha azul e rosa que trago tatuada em meu braço e que simboliza mais do que um museu que conta a história de um mártir: é a casa de um avô que me foi roubado de forma violenta.

A água também levou casas que foram a história de outras mais de 30 mil famílias só na capital, Rio Branco. Invadiu de forma tão rápida que muitos não conseguiram retirar seu bens. Essas famílias, assim como o meu avô, tinham apenas o básico para sobreviver.

Desta vez, as enchentes alcançaram lugares que antes não chegavam. Quem está desamparado em abrigos são as pessoas mais pobres das periferias amazônicas, que cresceram no entorno dos rios e igarapés. Quem está implorando por alimento são aqueles que, mesmo com a casa quase debaixo d’água, se recusam a deixar o pouco que têm na esperança de subir seus pertences e não serem atingidos.

Essa água não leva apenas objetos materiais, ela sai arrastando na lama a dignidade das pessoas, que entram em desespero quando perdem o pouco que já tem.

A ciência já mostrou que, com o aumento do aquecimento global, eventos climáticos extremos, como as chuvas que devastaram o Acre agora (mas que há pouco fizeram vítimas também em São Sebastião e Manaus) serão cada vez mais frequentes. O relatório síntese do IPCC, divulgado no último dia 20, já apontava que as políticas de mitigação, que visam a redução das emissões de gases de efeito estufa, e de adaptação, que preparem estruturalmente cidades, estados e nações para lidar com as consequências das mudanças climáticas, não têm sido desenvolvidas de forma suficiente.

E o que as cenas dos últimos dias nos mostram é que esses eventos extremos afetam de forma desigual mulheres negras, pessoas periféricas, povos indígenas e comunidades tradicionais. A injustiça climática escancara, mais uma vez, o tamanho da desigualdade social que vivemos.

Neste momento, são eles que perdem tudo. Aqui no Acre falta comida, casas foram destruídas e muitos sonhos estão debaixo d’água. É injusto que a Amazônia, com tamanha biodiversidade, que contribui para a regulação do clima e da qualidade de vida de pessoas em tantos lugares do mundo, viva na pele as consequências da emergência climática.

As cenas tristes que temos visto no estado são mais um claro recado às autoridades: é urgente conservar a Amazônia, barrar o desmatamento, proteger nossa população e combater as desigualdades.

As mudanças climáticas estão aí para nos mostrar, mais uma vez, que a sociedade igualmente justa que meu avô sonhou quando escreveu a Carta aos Jovens do Futuro está longe de se tornar realidade.

Angélica Mendes

Bióloga e doutora em ecologia e evolução, é ativista socioambiental e neta do líder ambientalista Chico Mendes

Opinião

Juros altos e austeridade fiscal: Receita que empobrece ainda mais os pobres e enriquece ainda mais os ricos

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Por Daniel Zen*

A combinação entre juros altos e austeridade fiscal é terrível para a economia.

Em primeiro lugar, porque juros altos inibem o crédito, desestimulando a atividade produtiva, travando a geração de emprego e a consequente distribuição de renda.

Em segundo lugar, porque juros altos obrigam o Estado a gastar cada vez menos, de modo a imobilizar um montante ainda maior de recursos, na forma de superávit primário, para remunerar o serviço da dívida pública: juros sobre o capital próprio incidentes sobre o valor de face dos títulos do tesouro.

A mistura desses dois fatores é a melhor receita para beneficiar o rentismo e a concentração de renda, dois dos principais problemas do Brasil hoje. Senão vejamos:

Quanto maior os juros, maior a remuneração do serviço da dívida e, por via de consequência, menos dinheiro disponível para destinar tanto para o custeio da máquina pública e para o fomento quanto para os investimentos públicos. E se a despesa pública é muito baixa, a tendência da economia é estagnar.

Para escapar dessa ciranda, o governo é obrigado a driblar a meta fiscal, ampliando a despesa pública de forma a injetar capital circulante na praça, quer sejam despesas correntes (de custeio) ou despesas de capital (investimentos), mantendo-as em patamares aceitáveis o suficiente para contribuir com o aquecimento da economia e com a geração de emprego. Se, recentemente, o Brasil bateu o recorde de emprego para o trimestre dos últimos 10 anos, foi por conta dessa ginástica. Tal engenharia ameniza a situação decorrente dos juros altos, mas, causa um outro problema, que é a ampliação do déficit fiscal. Tudo bem que déficit fiscal zero é conversa pra boi dormir! Mas, um desequilíbrio acentuado no balanço das contas públicas têm consequências danosas, a longo prazo.

Seria possível, então, promover inclusão social com responsabilidade fiscal? Sim. Para isso, é preferível ter uma inflação um pouco maior (um efeito natural de juros mais baixos, a partir da ampliação do crédito e da oferta) e uma despesa pública um pouco mais acentuada, mas com crescimento do PIB, do que ter um controle tão rigoroso da inflação, com juros tão altos e tamanha retração das despesas públicas a ponto de causar estagnação da economia, cenário em que não há emprego a gerar e nem renda a distribuir.

Além de uma taxa de juros mais baixa é necessário prosseguir na regulamentação do sistema tributário, cuja reforma já foi aprovada no Congresso Nacional. É preciso avançar na tributação dos bilionários: das heranças, das super-fortunas e dos lucros e dividendos (isso é mais importante do que taxar as compras na Shein e na Shopee, com a PEC das Blusinhas). A justiça tributária distributiva é pré-requisito para a justiça social. Sem ela, será sempre mais difícil atingir crescimento econômico com geração de emprego, distribuição de renda, inclusão social e redução das desigualdades sociais e regionais, esse sim, o verdadeiro desenvolvimento.

*Daniel Zen é doutorando em Direito pela UnB, mestre em Direito pela UFSC e professor do Curso de Direito da UFAC. Presidente do Diretório Regional do PT/AC, é contrabaixista da banda de rock Filomedusa, ativista do Circuito Fora do Eixo e colaborador da Mídia Ninja. E-mail: danielzendoacre@gmail.com.

Foto: Sérgio Vale / Vale Comunicação

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Opinião

Reforma do Novo Ensino Médio e Escolas Cívico-militares

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Por Daniel Zen*

A reforma do Novo Ensino Médio de 2017, por meio da aprovação do PL n° 5.320/2023, já aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado Federal, virá em boa hora. No chão de escola, em seu breve período de vigência, o novo se demonstrou, mais do que obsoleto, um problema.

O que parecia uma grande novidade, a suposta liberdade que alunos teriam para “definir” os componentes curriculares da parte flexível do currículo e assim escolher um dos distintos itinerários (trilhas, trajetos rotas ou percursos) formativos disponíveis, a partir de suas vocações e preferências, não se concretizou à contento. Na prática, as Redes Públicas Estaduais de Educação Básica ofertavam poucas opções (ou quase nenhuma) de disciplinas eletivas, optativas e atividades complementares ou suplementares para a composição da parte flexível dos currículos vocacionados e seus itinerários formativos, restando aos alunos apenas dois caminhos inevitáveis:

1) cursar a parte obrigatória do currículo, chamada de Formação Geral Básica (FGB), destinada a quem seguiria trilha acadêmica.

2) “encher linguiça” com disciplinas optativas ou eletivas que não acrescentavam em nada à chamada aprendizagem significativa, na parte flexível/variável do currículo.

Aí havia dois problemas. O primeiro é que a FGB era praticamente idêntica a do “antigo” ensino médio, porém, com uma carga horária reduzida, o que precarizava ainda mais o conteúdo dos componentes curriculares conhecidos como disciplinas; o segundo, que componentes curriculares complementares da parte diversificada do currículo, com conteúdos programáticos irrelevantes não ajudavam em nada a desenvolver capacidades (habilidades e competências) necessárias ao desenvolvimento do pensamento crítico reflexivo, à qualificação para o mundo do trabalho, para o exercício da cidadania e para o mundo da vida.

Com a reforma, haverá a recomposição das cargas horários das disciplinas que integram a FGB; a definição dos componentes curriculares obrigatórios, que devem integrar as 4 áreas do conhecimento definidas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC); e uma melhor definição e organização dos itinerários formativos, que integram a parte flexível do currículo.

Superados os obstáculos legais que impediam o desenvolvimento, a contento, de um Ensino Médio verdadeiramente eficaz no que diz respeito à aprendizagem, é necessário enfrentar um outro problema: o das escolas cívico-militares.

Apesar do anúncio, ocorrido em julho de 2023, pelo Ministério da Educação, do cancelamento do Programa Nacional das Escolas Cívico Militares, este seguiu em alguns estados, independente de financiamento do Governo Federal, por decisão dos governadores. Foi o que aconteceu aqui no Acre.

Ocorre é que escola não é quartel. Colégios Militares existem há décadas e vão continuar existindo. Fazem parte da chamada Educação vocacionada. Escolas Cívico-Militares são outra coisa, completamente diferente. Representam a militarização da Educação e isso é uma distorção no processo de ensino-aprendizagem.

Os alunos ficam mais “disciplinados”? Em alguns casos sim. Os resultados nas avaliações são ligeiramente melhores? Pouco, mas sim! Mas, ao custo de tirar centenas de militares de suas funções, nos quartéis ou nas ruas, pagando-lhes gordas gratificações, maiores até do que o salário total dos professores, para atuarem como “bedéis”, como fiscais de comportamento de alunos. É o RDD da Educação!

Se esses valores, pagos aos profissionais da caserna que atuam nas Escolas Cívico-Militares fossem destinados aos profissionais da Educação, para reforçar o salário de quem já atua nas Escolas, para contratar mais pessoas e, sobretudo, para ampliar, progressivamente, o tempo de permanência dos alunos nas unidades escolares, teríamos resultados ainda melhores para uma quantidade ainda maior de alunos e de estabelecimentos de ensino e não apenas para uma pequena fração que acaba apresentando melhores resultados porque recebem o triplo de investimento em recursos financeiros e humanos.

Escolas Cívico-Militares são, em verdade, uma faceta disfarçada do projeto chamado de Escola Sem-Partido: um malogro de quem defende, da boca pra fora, uma educação sem supostas interferências ideológicas mas que, em verdade, pretende propagar uma ideologia única, que é a deles: conservadora, ultra-liberal, de extrema-direita, militarizada e de pendores fascistas. Os que defendem tal visão desejam ver o filho do pobre na escola cívico-militar para que se mantenham domesticados e dóceis, aptos a receber as ordens da elite, cujos filhos vão para outro tipo de escola: aquela que ensina a dá-las – e não a recebê-las.

Diferente dos Colégios Militares, de educação vocacionada para as respectivas carreiras, Escolas Cívico-Militares não passam de um entulho autoritário, resíduo tóxico do bolsonarismo. São laboratórios para seguir chocando os ovos da serpente do autoritarismo. Logo, elas têm que ser removidas da paisagem, lembradas apenas como uma triste passagem de nossa história.

*Daniel Zen é doutorando em Direito pela UnB, mestre em Direito pela UFSC e professor do Curso de Direito da UFAC. Presidente do Diretório Regional do PT/AC, é contrabaixista da banda de rock Filomedusa, ativista do Circuito Fora do Eixo e colaborador da Mídia Ninja. E-mail: danielzendoacre@gmail.com

 Foto capa: Márcia Moreira/SEE

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Quem vencerá a próxima eleição

O político pode ser tradicional ou não, da “velha” ou da “nova” política, mas terá que ser prioritariamente verdadeiro para alcançar uma conexão legítima com o eleitorado

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A verdade é que a maioria das campanhas falha em criar uma conexão emocional genuína entre eleitores e candidatos

Não há duas eleições iguais. A quantidade de variáveis em um processo eleitoral é grande demais para afirmar que o que deu certo em uma eleição também dará na próxima. Para vencer, é preciso atualizar conceitos, práticas e entendimentos sobre a comunicação política e a forma com que as mensagens serão interpretadas pelos eleitores — os verdadeiros decisores.

Quando falamos em campanhas eleitorais, podemos fazer uma analogia: as notas musicais disponíveis são as mesmas, mas o ritmo, a harmonia, a melodia e a música  mudam de acordo com o momento, ditado pelo público e pelas circunstâncias. 

Em 2018, o descontentamento com a política levou eleitores a optar por nomes menos conhecidos ou fora da política tradicional. Em 2020, com o pior momento da pandemia da covid-19, grande parte dos eleitores apostou em candidatos mais experientes. Em 2022, o debate político sobre a recuperação da economia foi o que mais interessou ao eleitorado. 

Com mais de duas décadas dentro da política, testemunhei eleições vencidas por um jingle “chiclete”, daqueles que grudam na cabeça dos eleitores, pelo desempenho de candidatos em debates, pelo uso de chavões ridículos e até mesmo pela sorte. Contudo, para previsões mais assertivas sobre o futuro, será preciso abandonar as exceções e olhar para a maior parte das campanhas brasileiras.

Uma campanha tradicional, em resumo, envolve um candidato que escolhe um partido, faz algumas alianças, define os pontos principais que defenderá (regionais, temáticos e ideológicos), posicionas-se como agente de transformação, contrata lideranças políticas para apoiá-lo, realiza inúmeras de reuniões em que fala sobre si na maior parte do tempo, mobiliza pessoas nas ruas que mal conhecem seu nome ou sua história, usa as redes sociais para continuar falando de si, distribui uma quantidade enorme de material impresso e, quando tem televisão e rádio, usa um enlatado básico de comunicação composto por música, número, propostas, testemunhais, apoios e pedidos de voto.

A verdade é que a maioria das campanhas falha em criar uma conexão emocional genuína entre eleitores e candidatos. Muitas sequer contratam profissionais com experiência e entendimento atualizado sobre comunicação — ora por falta de recursos, ora por falta de compreensão de que o eleitor mudou a sua forma de ver a comunicação e a política, exigindo abordagens mais adequadas.

Embora muitas campanhas se concentrem em apresentar promessas ou feitos, devemos perguntar: quantos eleitores acreditam no que um político promete, sem conhecer bem sua história do candidato e o identificar de alguma forma como alguém que compreende a sua realidade?

O desafio das candidaturas não está nas promessas, mas, sim, em quem as faz e como é percebido pelos eleitores que precisa conquistar. E nem é preciso conquistar a todos! Em uma eleição majoritária realizada em cidade de turno único, uma candidatura pode sair vitoriosa, dependendo do cenário, com menos de 25% dos votos válidos. Um vereador se elege com 1% dos votos válidos e, com 2%, provavelmente será o mais votado.

O processo eleitoral deste ano, provavelmente, sofrerá com o descrédito da classe política pela população. Acredito que haverá uma peneira feita pelos eleitores que inviabilizará muitas candidaturas. No marketing político, há uma máxima que diz que a decisão do voto é emocional, mas, agora, será necessário buscar mais elementos para reforçar essa decisão.

As campanhas que sairão vitoriosas, em sua maioria, precisarão mostrar compreensão dos problemas dos eleitores, transparência na hora de se comunicar, reputação dentro do que se propõem a fazer e credibilidade nos posicionamentos ideológicos.

Menos verniz, menos fotos editadas, menos posturas infalíveis. Mais autenticidade, “gente como a gente”, com qualidades e defeitos. Um candidato que erra, reconhece, aprende, cai e se levanta. O político pode ser tradicional ou não, da “velha” ou da “nova” política, mas terá que ser prioritariamente verdadeiro para alcançar uma conexão legítima.

O uso de ferramentas de comunicação, como as redes sociais e comunicadores, como o WhatsApp, será muito importante, mas, sem uma comunicação atenta a esse novo marketing político, será como ter uma Ferrari sem saber dirigir: caro, problemático e ineficaz.

*MARCELO VITORINO, Professor e estrategista de marketing político
Foto: Redes Sociais/MarceloVitorino

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