O Rio Acre é parte da vida de quem mora em Rio Branco. Ele corta a cidade, faz parte da paisagem e da cultura local, mas também já trouxe momentos de muita dificuldade para a população. As enchentes fazem parte da história da capital acreana, deixando milhares de famílias desabrigadas, causando prejuízos e transformando a rotina de quem vive às margens do rio.
2015: a maior enchente de todas
A maior cheia da história aconteceu em 2015, quando o Rio Acre atingiu impressionantes 18,40 metros no dia 4 de março. Foi um momento de desespero para muitas famílias. Mais de 100 mil pessoas foram afetadas, muitas precisaram sair de casa às pressas, carregando o que conseguiam. Ruas inteiras ficaram debaixo d’água, comércios fecharam e serviços essenciais foram comprometidos. Quem viveu aquele período lembra da angústia de ver a cidade tomada pelas águas.
2024 e 2023: a ameaça continua
Quase uma década depois, o problema voltou com força. Em 2024, o rio subiu para 17,89 metros, no dia 6 de março, causando alagamentos em vários bairros. Mais uma vez, famílias perderam tudo e precisaram ser resgatadas de barco.
Já em 2023, a cheia também foi severa. No dia 3 de abril, o nível do rio chegou a 17,72 metros, atingindo 13 mil pessoas em todo o estado.
Outras grandes cheias
Em 1997, o Rio Acre atingiu 17,66 metros, afetando mais de 22 mil pessoas. Em 2012, o nível chegou a 17,60 metros, e cidades como Brasiléia ficaram praticamente submersas, com 90% da área urbana debaixo d’água.
Em 1988, o rio marcou 17,11 metros, deixando 18 mil pessoas desabrigadas e provocando grandes prejuízos na capital.
O impacto na vida das pessoas
As enchentes deixam marcas profundas. Além da perda de bens materiais, muitas famílias precisam recomeçar do zero, enfrentando doenças causadas pela água contaminada, dificuldades financeiras e a incerteza de quando poderão voltar para casa.
Os desastres se repetem ao longo dos anos, mas a população continua se reinventando e lutando para se proteger. Muitas iniciativas de solidariedade surgem nesses momentos, com vizinhos ajudando uns aos outros, abrigos sendo organizados e campanhas arrecadando doações para quem perdeu tudo.,
Durante sua participação no TEDxAmazônia, em novembro de 2024, em Manaus, o líder indígena Francisco Piyãko compartilhou uma visão de mundo construída a partir da vivência do povo Ashaninka e lançou um chamado à sociedade: é preciso repensar a forma como o mundo enxerga a Amazônia.
“Aprendi com meus pais, com meus avós… sobre um mundo que é muito pouco conhecido”, disse Francisco, ao iniciar sua fala. Ele descreveu o modo de vida tradicional antes do contato com o mundo não-indígena. Um tempo em que “não tinha fome”, “não tinha doença”, e as pessoas viviam com liberdade para circular, ensinar os filhos e manter viva a sabedoria dos mais velhos.
A relação com o tempo e com a floresta era guiada pelos ciclos da natureza, não por relógios ou calendários. “Nosso tempo era orientado pela lua, pelas árvores, pelo tempo da flor, pelo tempo das frutas”, explicou. As casas eram construídas para durar poucos anos — não por fragilidade, mas como forma de ensinar as novas gerações. “Tudo na nossa vida era feito assim… O que a gente queria que durasse muito tempo era a nossa sabedoria.”
Francisco lembrou que esse modo de vida foi profundamente afetado com o avanço da colonização e da exploração econômica. “Vieram novas regras, outros ritmos, outros valores. Isso começou a mexer com a nossa estrutura social.” Para ele, os povos indígenas foram empurrados para dentro de um sistema que os transformou em mão de obra. “Ficamos, por muito tempo, sendo escravos de um sistema que nunca trouxe nada pra nós, a não ser destruir o que a gente tinha.”
A conquista do território Ashaninka, segundo ele, foi o início de um processo de reconstrução cultural. “A gente conseguiu reiniciar um processo de volta pras nossas bases”, disse. E esse movimento é compartilhado por muitos outros povos originários que passaram a restaurar práticas e valores que haviam sido silenciados.
Hoje, diante das novas propostas de sustentabilidade e dos mercados de carbono, Francisco alerta para o risco de repetir erros do passado. “A Amazônia não vai poder resolver os problemas do mundo se ela for transformada em dinheiro”, afirmou. Para ele, transformar a floresta em commodity é esvaziar seu verdadeiro valor. “Ela só vai se sustentar se for algo numa relação de troca. Porque nós estamos chegando a um ponto de não retorno.”
Francisco critica a forma como decisões globais sobre a floresta são tomadas sem o envolvimento dos povos que nela vivem. “O mundo tá discutindo o que é nosso, o nosso território, o carbono da Amazônia… mas não discute com a gente.” Segundo ele, sustentabilidade só será possível se vier acompanhada de mudança de visão. “A maneira de sustentar a floresta tem que sair da visão econômica. Tem que se pensar a Amazônia como o equilíbrio do planeta.”
Ao encerrar, Francisco usou uma metáfora para falar da missão dos povos indígenas: “Nós somos como a samaúma. A gente lança a nossa sabedoria, espalha pro mundo, cultivando as nossas raízes, plantando esperança.”
O Ministério Público do Peru solicitou o aumento das penas dos madeireiros condenados pelo assassinato de quatro líderes indígenas asháninka da comunidade Alto Tamaya-Saweto, ocorridos em 2014 na fronteira com o Acre. O caso teve repercussão internacional devido ao histórico de denúncias contra a exploração ilegal de madeira na região amazônica e pela conexão direta com o povo Ashaninka da aldeia Apiwtxa, localizada no município de Marechal Thaumaturgo, no Acre.
Em abril de 2024, os empresários José Estrada e Hugo Soria e os trabalhadores Josimar e Segundo Atachi foram condenados a 28 anos e três meses de prisão. Eles foram responsabilizados pelo assassinato de Edwin Chota, Jorge Ríos, Leoncio Quintisima e Francisco Pinedo. Os líderes partiram da comunidade Alto Tamaya-Saweto com destino à aldeia Apiwtxa, no Brasil, onde participariam de uma reunião entre defensores ambientais. Durante o trajeto, foram emboscados e mortos.
Segundo o Ministério Público, os acusados agiram por vingança após anos de denúncias feitas por Chota e os demais líderes contra atividades de exploração ilegal de madeira na região. Os assassinatos ocorreram após uma emboscada na zona conhecida como quebrada Putaya. Um caçador local encontrou os corpos seis dias depois.
A Procuradoria de Ucayali pede que a pena suba para 35 anos de prisão, com o agravante de homicídio qualificado com alevosía. A solicitação também inclui o aumento da indenização de 50 mil para 250 mil soles (aproximadamente 67 mil dólares) para os familiares das vítimas. A defesa dos réus recorreu, alegando inocência.
As conexões entre Saweto, no Peru, e Apiwtxa, no Acre, são históricas e baseadas em laços familiares, culturais e territoriais. Ambas as comunidades asháninka compartilham ações de defesa do território e dos direitos indígenas em uma das regiões mais ameaçadas pela extração ilegal de recursos naturais. A aldeia Apiwtxa é reconhecida pelo seu protagonismo na gestão ambiental da Terra Indígena Kampa do Rio Amônia e pela articulação com instituições brasileiras e internacionais na defesa da Amazônia.
A próxima audiência do caso está marcada para 22 de abril, na Corte Superior de Justiça de Ucayali. Está prevista a apresentação de novas provas e testemunhos, inclusive do ex-fiscal Otoniel Jara Córdova. A defesa das famílias das vítimas afirmou que há tentativas de deslegitimar provas já aceitas e que o processo segue marcado por atrasos e revisões judiciais.
O Caso Saweto expôs a vulnerabilidade de comunidades indígenas em áreas de fronteira diante do avanço de atividades ilegais, e reforçou a importância da cooperação transfronteiriça na proteção de defensores ambientais e de direitos humanos na Amazônia.
Entre os dias 3 e 8 de abril de 2025, lideranças indígenas de 12 etnias da região da fronteira entre Brasil e Peru participaram da 8ª Reunião da Comissão Transfronteiriça Yurúa/Juruá/Alto Tamaya, realizada em Brasília. Durante o encontro, representantes da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ), da Associação Ashaninka do Rio Amônia (APIWTXA), da Organização Regional Aidesep Ucayali (ORAU) e da Associação de Comunidades Nativas para o Desenvolvimento Integral de Yurúa Yono Sharakoiai (ACONADYSH) entregaram uma carta pública com demandas direcionadas aos governos brasileiro e peruano.
A principal reivindicação das lideranças é a suspensão definitiva dos projetos de infraestrutura rodoviária que atravessam territórios indígenas na região de fronteira. O documento destaca duas obras: a proposta de construção da rodovia ligando Cruzeiro do Sul (AC) a Pucallpa (Ucayali, Peru), e a estrada UC-105, que está sendo aberta ilegalmente no lado peruano, entre Nueva Italia e Puerto Breu. Segundo estudo da Universidade de Richmond (EUA), a estrada UC-105 já soma mais de mil quilômetros de extensão e provocou desmatamento de mais de 4 mil hectares entre 2016 e 2023.
De acordo com os representantes, esses projetos violam direitos dos povos indígenas e compromissos assumidos pelos dois países com relação à proteção ambiental e ao enfrentamento das mudanças climáticas. A carta afirma que a abertura de estradas contribui para a degradação ambiental, facilita atividades ilegais e coloca em risco o modo de vida das populações que habitam a região do Alto Juruá (Brasil) e de Yurúa e Alto Tamaya (Peru).
Durante a agenda em Brasília, as lideranças indígenas se reuniram com representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, da Justiça e Segurança Pública, dos Povos Indígenas e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Também realizaram manifestações públicas, como parte do Acampamento Terra Livre.
A carta divulgada pela Comissão Transfronteiriça afirma que os povos indígenas não foram consultados sobre os projetos, o que contraria a Convenção 169 da OIT, ratificada por Brasil e Peru. O documento pede que a questão seja incluída nas pautas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Fronteiriço e do Comitê Nacional de Fronteiras, e defende a criação de pontos permanentes de fiscalização e ações conjuntas entre os dois países para investigar atividades ilegais.
As lideranças também expressaram apoio à comunidade Alto Tamaya Saweto, no Peru, e cobraram justiça pelos assassinatos de quatro lideranças indígenas ocorridos em 2014. A carta solicita medidas de proteção às famílias ameaçadas e a prisão preventiva dos responsáveis.
Outro ponto do documento é a proteção das nascentes dos rios Amonia, Sheshea, Tamaya, Dorado e Shatanya, considerados essenciais para o abastecimento das comunidades e para o equilíbrio climático. Os signatários afirmam que o modelo de desenvolvimento proposto pelos estados nacionais é incompatível com a realidade dos povos indígenas e reforçam que a defesa dos territórios é uma luta pela vida, pela floresta e pelo futuro das próximas gerações.