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Opinião

Unidade de direitos, diversidade de meios – Artigo de Binho Marques

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O Brasil está às vésperas de aprovar o Sistema Nacional de Educação (SNE). O debate é intenso e, muitas vezes, confuso. Uma comparação recorrente é com o SUS. Mas a analogia é enganosa. O SUS é único. O SNE será um sistema de sistemas, como me disse o ex-deputado Carlos Abicalil. Essa diferença é decisiva. Educação não pode ser tratada como saúde. A diversidade brasileira e a essência da educação exigem outro olhar.

O ponto central é a definição de qualidade. Fala-se muito no Custo Aluno Qualidade, o CAQ. Mas, afinal, o que é o CAQ? Ainda não existe definição oficial. Para alguns, basta listar insumos nacionais. Para outros, cada rede deve definir seus padrões. O risco é cair em extremos: ou uma lista rígida e nacional, ou um vale-tudo local. Nenhum dos dois serve. Precisamos de equilíbrio.

Esse debate não é novo. Em 1932, os Pioneiros da Educação defendiam uma escola única, mas não uniforme. A unidade estava nos princípios: escola pública, gratuita, laica e obrigatória. A diversidade aparecia nos modelos. Essa intuição sobrevive. Na Constituição de 1988, está escrito: a educação deve garantir padrão mínimo de qualidade em todo o país. Unidade de direitos. Diversidade de meios.

Nos anos 1990, pesquisadores do IPEA tratavam o CAQ como cálculo simples: com o recurso disponível, que qualidade é possível? Nos anos 2000, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação inverteu a lógica: qual o custo necessário para alcançar qualidade? Essa virada enfrentou o subfinanciamento, mas trouxe também o risco de checklist e judicialização. Diversidade e inovação, zero. O Parecer CNE/CEB nº 8/2010, mesmo revogado, cristalizou essa visão.

Hoje, o desafio é maior. Como lembrou Milton Santos, o território brasileiro é um mosaico. Não há como impor um único modelo de escola para realidades tão diferentes. O que se pode fazer é fixar princípios nacionais — equidade, infraestrutura adequada, currículo relevante e respeito às identidades e culturas. A partir daí, cada território define como aplicar. Cabe aos órgãos de controle avaliar se os meios são adequados aos princípios e recursos e se os resultados garantem o direito. Cabe ao MEC criar sistemas de avaliação coerentes. Responsabilidades e responsabilização.

O novo Fundeb abriu caminho. Incorporou à Constituição o conceito de VAAT (Valor Aluno Ano Total), que permite equilibrar as visões dominantes de CAQ. A transparência de quanto cada ente federativo tem para financiar a educação básica permitirá ao INEP e à Comissão Intergovernamental definir um padrão de qualidade sem impor uma qualidade padrão. Isso pode reduzir desigualdades e, ao mesmo tempo, preservar a autonomia pedagógica das redes. Como lembra Zara Figueiredo, equidade não é igualar tudo. É garantir que as diferenças não se transformem em injustiças.

Este é o nosso verdadeiro desafio: ter escolas de qualidade sem aprisioná-las a tabelas de insumos. A fórmula para enfrentar o dilema precisa ser simples e complexa: unidade de direitos, diversidade de meios. Nenhum estudante pode ficar abaixo do piso constitucional. Mas cada rede deve encontrar seus próprios caminhos.

A imagem de uma escola padrão e uniforme não pode retratar a educação brasileira do século XXI. Muito menos um arquipélago de desigualdades, com ilhas de excelência e oceanos de exclusão. A educação nacional deve ter um padrão de qualidade expresso em escolas diversas, alinhadas por princípios comuns. Só assim a educação será digna, equitativa e transformadora.

Binho Marques é ex-governador pelo PT do Acre e atualmente é membro honorífico do Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed) e membro do Conselho Deliberativo do Todos pela Educação.

MEIO AMBIENTE

Amazônia. Floresta de gente, não de mitos

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A Amazônia ocupa um lugar singular no mundo. Reconhecida como o bioma mais biodiverso do planeta, com mais de 40 mil espécies de plantas, 2,5 milhões de espécies animais e cerca de 20% da água doce da terra, ela também é lar de mais de 30 milhões de pessoas. Nesse território vasto e complexo convivem povos indígenas, comunidades tradicionais, agricultores familiares e grandes centros urbanos, todos atravessados por dilemas cotidianos de acesso a direitos básicos como saúde, saneamento, educação e segurança.

Sou mulher, mãe, amazônida, de família extrativista, filha de uma avó parteira de seringal. Mais tarde ocupei cargos públicos no governo federal e estadual, presidi fóruns da Amazônia Legal e chefiei delegações brasileiras em conferências internacionais. Trago comigo a memória ancestral da floresta e a responsabilidade de quem esteve em espaços de decisão global. Essa vivência me ensinou que a Amazônia não pode ser reduzida a um mito. Ela não é apenas o “pulmão do mundo”, nem um santuário intocado que serve apenas ao planeta. É território vivo, de gente que sonha, luta e enfrenta cotidianamente desafios que não podem ser ignorados.

Os números revelam essa contradição. Segundo a PNAD Contínua (IBGE), cerca de 40% da população da Amazônia Legal vive abaixo da linha da pobreza, enquanto menos de 20% tem acesso a saneamento básico em alguns estados. A insegurança alimentar atinge quase metade dos lares rurais e a cobertura de esgoto no Norte mal chega a 14%. Esses dados sociais se sobrepõem à pressão sobre a floresta: em 2023, mais de 85% da perda florestal do Brasil ocorreu na Amazônia. No ciclo mais recente, entre agosto de 2024 e julho de 2025, o desmatamento caiu para 4.495 km², o segundo menor da série histórica, mas os incêndios devastaram 156.000 km², uma área maior que a Grécia. Isso mostra que, embora haja avanços na contenção do corte raso, o uso do fogo segue sendo uma ameaça urgente.

É neste cenário que a verdadeira equação se impõe. Não se trata de escolher entre floresta ou pobreza. Trata-se de garantir conservação com prosperidade. O desmatamento, ao contrário do que muitos acreditaram, não trouxe riqueza. Trouxe degradação, violência e desigualdade. As áreas que mais desmatam são também as de piores índices de desenvolvimento humano, o que evidencia que derrubar a floresta não gera prosperidade duradoura. Mas é igualmente injusto pedir que populações que vivem sem água potável, sem renda, sem escola e sem saúde sejam guardiãs da floresta sem que se lhes assegure dignidade.

A resposta passa por governança multiescalar e pelo fortalecimento de capacidades locais. É preciso coordenação entre municípios, estados, União e instâncias internacionais, mas também é necessário enfrentar a realidade concreta: estradas precárias, logística cara, falta de conectividade, ausência de serviços básicos e pressão do crime organizado. Sem investimentos em infraestrutura, saúde preventiva, educação contextualizada e oportunidades econômicas, nenhum projeto se sustenta.

Aqui o setor privado tem papel estratégico. Não como ator predatório, mas como parceiro de transformação. A bioeconomia, os créditos de carbono e biodiversidade de alta integridade, as cadeias produtivas sustentáveis e os investimentos em inovação podem colocar o Brasil, o país mais biodiverso do mundo, na liderança da economia verde global. Mas isso exige regras claras, segurança jurídica e governança transparente. Empresas, governos e comunidades precisam ser coprodutores de soluções que valorizem os ativos ambientais e gerem benefícios diretos para quem vive na Amazônia.

A floresta só terá futuro se significar também dignidade para as pessoas. Acesso à água potável, saneamento, escolas de qualidade, energia renovável, conectividade e justiça social não são bônus: são requisitos para que a floresta se mantenha em pé. O romantismo que vê a Amazônia apenas como reserva ecológica ignora que ela também é feita de cidades, famílias, histórias e urgências.

Pensar a Amazônia no século XXI significa reconhecer sua complexidade. É floresta e é gente, é local e é global. E só haverá Amazônia para o mundo se houver Amazônia digna para quem nela vive.

*Julie Messias, Diretora Executiva da Aliança Brasil NBS

Julie Messias é especialista em governança climática e inovação para conservação na Amazônia. Foi Secretária de Meio Ambiente do Acre e liderou a Força-Tarefa dos Governadores pelo Clima e Florestas (GCF TF – Brasil). No MMA, conduziu a agenda de biodiversidade e REDD+, e no Acre implementou o Programa REM, primeiro projeto jurisdicional de REDD+ do Brasil. Hoje é Diretora-Executiva da NBS Brazil Alliance.

Foto/Capa: Sérgio vale

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MEIO AMBIENTE

Viver na floresta e reconhecer seus valores; artigo de Francisco Piyãko

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No Dia da Amazônia, em minha comunidade Apiwtxa, celebramos com fartura. Nossos jovens e alunos organizaram uma confraternização que reuniu frutas, peixes, caiçuma, alimentos de roçado e preparos tradicionais. Essa mesa cheia não é apenas um gesto de partilha: é a demonstração de como a floresta garante segurança alimentar e equilíbrio para quem vive em harmonia com ela.

Quero afirmar com clareza: nós, povos indígenas, não estamos na floresta por falta de opção ou por necessidade. Estamos nela por escolha. Nascemos floresta, e por isso conseguimos enxergá-la em sua plenitude. Retirar as florestas, os rios, a biodiversidade, é retirar de nós a saúde, a cultura, a vida.

Dentro do capitalismo, essa lógica que tenta reduzir a Amazônia a poucos produtos de mercado, substituindo a diversidade por monoculturas, é um equívoco. Essa visão trata a floresta como mercadoria e transforma as pessoas em produtos do sistema econômico. Nós aprendemos outra lição: a natureza diversifica, ela oferece múltiplas opções para a vida. É na diversidade que está a verdadeira segurança.

Viver na floresta é ter a possibilidade de complementar o que ela já nos dá com o que plantamos em nossos roçados. É manter um equilíbrio que garante alimento, saúde e paz. Essa forma de vida não se mede pelo valor de mercado, mas pela relação de respeito que construímos com a natureza.

Enquanto alguns insistem em negar a força da floresta e de seus povos, nós mostramos, todos os dias, que outro caminho é possível. Não é no conflito, na invasão ou na imposição de um modelo único que encontraremos respostas. É no respeito às diferenças, no reconhecimento dos modos de vida e na educação que podemos construir equilíbrio.

A Amazônia é cada vez mais rara no mundo. Aqui ainda temos rios limpos, povos com culturas vivas e florestas de pé. Esse patrimônio não pode ser destruído em nome de interesses imediatos. Nossa escolha é viver em paz com a floresta, porque ela é a nossa vida.

Enquanto houver quem insista em não reconhecer esse valor, nós continuaremos afirmando: a convivência com a natureza é a base do nosso futuro.

Foto: Arison Jardim

Francisco Piyãko é liderança do povo Ashaninka, da comunidade Apiwtxa, de Marechal Thaumaturgo, e coordenador da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (Opirj)

Foto de capa: Arison Jardim

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Opinião

A Revolução acreana e o Futuro que Já Começou

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Por Tião Bocalon, prefeito de Rio Branco

Neste 6 de agosto, o Acre celebra 123 anos desde o início da Revolução Acreana — uma epopeia que mudou os rumos da nossa história. Foi ali, em 1902, que um grupo de brasileiros liderado por José Plácido de Castro decidiu que o Acre seria, de fato e de direito, parte do Brasil. Não por imposição, mas por decisão soberana de um povo que sempre teve identidade, coragem e senso de pertencimento.

Naquele tempo, o que estava em disputa era a riqueza da borracha, um dos recursos mais valiosos do planeta. O Acre era um dos principais fornecedores mundiais, e sua força econômica atraiu os olhos — e as ambições — de potências regionais. Mas foi a força do povo acreano, com sua luta legítima e seu espírito de resistência, que determinou o desfecho. A Revolução Acreana foi, antes de tudo, uma afirmação da nossa soberania.

Hoje, mais de um século depois, vivemos um novo tempo — diferente, mas igualmente decisivo.

O Acre se reposiciona no mapa do desenvolvimento com uma visão estratégica que aponta para o futuro: somos, mais uma vez, protagonistas de um novo ciclo de transformação econômica, desta vez com a perspectiva concreta da construção da ferrovia transoceânica, ligando o Atlântico ao Pacífico, do Brasil ao Peru, de Rio Branco a portos estratégicos da Ásia.

Essa ferrovia, há muito sonhada, não é apenas uma obra de infraestrutura. É um corredor de oportunidades. É a via que pode conectar o nosso agronegócio, a nossa produção florestal sustentável, o nosso comércio e o nosso capital humano aos grandes mercados do mundo. E Rio Branco estará no centro dessa revolução logística, produtiva e comercial.

É preciso visão de futuro, planejamento responsável e compromisso com o povo. E é isso que temos feito. A Prefeitura de Rio Branco investe em obras que melhoram a mobilidade urbana, em programas que geram emprego e renda no campo e na cidade, em parcerias para garantir conectividade, inovação e qualificação profissional. Estamos preparando a capital para este novo tempo que já começou.

Nosso desafio é grande, mas maior ainda é o nosso potencial. Temos terra fértil, localização estratégica, gente trabalhadora e uma história de superação que nos inspira todos os dias.

Neste 6 de agosto, celebramos não apenas uma data histórica. Celebramos o espírito de independência que continua vivo no coração de cada acreano. Um espírito que nos move, que nos dá coragem e que nos faz acreditar que o Acre — este pedaço essencial da Amazônia e do Brasil — será cada vez mais sinônimo de desenvolvimento, dignidade e orgulho nacional.

Viva o Acre! Viva o nosso povo! Viva a nossa história!

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