As empresas perceberam que a integração da sustentabilidade, inovação e da inclusão social contribui para um mundo socialmente justo, além de resultar em benefícios financeiros a longo prazo, como acesso à capital mais barato, maior atração para investidores responsáveis e ampliação de mercado. São três conceitos essenciais para a existência humana, mas que trazem enormes desafios.
O conceito é relativamente novo, mas sua história remonta ao despertar da consciência ambiental e social, mais fortemente, nas décadas de 1960 e 1970, e entraria definitivamente na agenda global a partir da Cúpula da Terra das Nações Unidas, realizada no Rio de Janeiro. Nos anos seguintes, a Agenda 21 e os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio estabeleceriam metas inéditas para o conjunto de países representados na ONU. Agora, esses conceitos ganham força ainda maior com o Brasil na liderança do Sul Global, do Mercosul e do G20.
E qual é o papel reservado ao Brasil nesse debate? Guardião da maior floresta tropical do planeta, influência determinante sobre o futuro do clima no planeta Terra combinada à maior biodiversidade do mundo, nosso país tem amplas condições de liderar as articulações na busca por um novo modelo de economia. Contudo, não alcançaremos esse objetivo se não apoiarmos os pequenos negócios, que representam 95% das nossas empresas.
Como destaca o teórico americano Stuart Hart, a motivação do crescimento sustentável com inovação e inclusão deve vir dessas empresas. Esse conceito reflete a ideia que a transformação para uma nova economia deve começar pelas camadas mais amplas da sociedade, especialmente as que se encontram na base da pirâmide. Compartilhando essa perspectiva, o Sebrae compreende que as pequenas empresas podem e devem ter espaço de protagonismo. As micro e pequenas empresas geram 7 em cada 10 empregos e respondem por cerca de 30% de todas as riquezas produzidas.
Para além desses indicadores, são as características inerentes a essa natureza de negócios que os colocam na linha de frente. As micro e pequenas empresas têm uma notável capacidade de inovar. Devido ao seu porte, elas são ágeis, flexíveis e podem rapidamente adaptar-se às mudanças. Isso lhes permite desenvolver soluções criativas e, muitas vezes, simples, para desafios sociais e ambientais. Elas ainda têm uma cultura mais colaborativa e menos hierárquica, o que favorece a inovação.
Presidente Décio Lima durante o evento no Sebrae. Crédito: Larissa Carvalho
Os pequenos negócios estão presentes na Amazônia e em todos os outros biomas brasileiros e têm condições de impulsionar a bioeconomia nessas regiões. O Sebrae tem mapeado e apoiado um expressivo número de empresas que usam recursos das florestas para desenvolver produtos inovadores, com grande valor agregado e enorme potencial de mercado no país e no exterior. Os exemplos são variados e incluem as diversas etnias presentes na Amazônia e um público diversificado, com forte presença feminina na construção desta revolução.
A capacidade de gerar empregos nas comunidades locais é uma característica peculiar do segmento que abre oportunidades para grupos que estão à margem da economia. Do mesmo modo, a capilaridade das MPE contribui para uma distribuição mais equitativa de oportunidades. Isso é particularmente importante na realidade brasileira, onde elas podem ajudar a reduzir as desigualdades econômicas.
Esta percepção vem acompanhada da mudança em curso no Capitalismo, que deixa para trás a Revolução Industrial, o modelo fordista, onde poucos enriquecem à custa de muitos, e pulveriza os meios de produção nas bigtechs, nas empresas de tecnologia.
Para implementarmos esse novo paradigma de desenvolvimento precisamos garantir a ampliação das políticas já estabelecidas na Constituição e que reservam aos pequenos negócios condições diferenciadas de existência. É fundamental também olhar para o futuro, modernizar o marco legal dos pequenos negócios e nossas ações de governo, iniciativa privada e sociedade organizada de modo a conferirmos a essas empresas as possibilidades de pleno desenvolvimento em um novo modelo de economia. Os pequenos negócios podem liderar uma revolução que alia inovação, sustentabilidade e inclusão social e se consolidarem como o modelo brasileiro.
A BR-364, no trecho acreano, é mais que uma rodovia é o retrato de um Brasil que insiste em tratar a infraestrutura da Amazônia como assunto de segunda ordem. Desde a sua concepção, a estrada enfrentou não apenas a selva e os rios, mas também a negligência política e técnica. A cada inverno, os buracos se multiplicam como metáfora perfeita do esquecimento. E a cada eleição, surgem os velhos discursos reciclados, promessas de reconstrução e obras que nunca resistem à primeira cheia.
O “tapa-buraco” virou política de Estado, não uma solução, mas um remendo, uma gambiarra oficializada. E enquanto isso, o povo do Acre segue pagando a conta. Famílias isoladas, caminhoneiros enfrentando riscos diários, economia prejudicada e vidas em risco. O drama é antigo, mas a indignação não pode envelhecer.
Pior ainda é ver como a BR-364 se transformou em bandeira política: um trampolim para carreiras que sobem e somem sem deixar um quilômetro digno de legado. Parlamentares e gestores vêm e vão, e a estrada continua ruindo, literalmente. Quando não estão usando a BR como palco, usam como chantagem, jogando a responsabilidade no colo de outrem enquanto se esquivam de compromissos reais.
Foto: Sérgio Vale – BR-364 em 2008 – Construção
Mas é preciso ser justo: a construção da BR-364 foi, sim, uma conquista histórica. Desde os tempos de Orleir Cameli, passando por Jorge Viana, Binho Marques e Tião Viana, muitos esforços foram feitos. Jorge enfrentou com coragem os entraves ambientais e políticos, desbravando terreno para uma obra que exigia mais do que vontade: exigia articulação e persistência. Já o governo Binho Marques concluiu todas as pontes em concreto, removendo um dos maiores gargalos logísticos da região. E Tião Viana, por sua vez, finalizou os trechos que faltavam, garantindo ao menos a ligação total entre as cidades acreanas, uma façanha que hoje parece distante.
Por isso, a crítica à situação atual não nega os avanços do passado. Ela os reforça. O que se questiona é a omissão recente. Durante o governo Bolsonaro, a BR-364 foi sumariamente abandonada. Nenhum projeto de reconstrução de verdade, nenhum grande investimento, apenas descaso e silêncio. A oposição local, que hoje posa de defensora da rodovia, calou-se diante do colapso iminente. Não cobrou, não denunciou, não defendeu o povo.
Agora, sob o governo Lula, a estrada voltou à pauta. O DNIT anunciou R$ 300 milhões para a reconstrução e fala em abandonar de vez as soluções paliativas. É um começo, e deve ser reconhecido. Mas não é suficiente. O Acre precisa de um projeto de Estado, não de promessas temporárias. É hora de parar de tratar a BR-364 como uma colcha de retalhos, com obras esparsas e intervenções emergenciais. Essa rodovia precisa ser construída de verdade, com engenharia de qualidade, compromisso com a durabilidade e respeito à população que dela depende.
Não se trata de luxo, mas de dignidade. A BR-364 é vital para a integração regional, para o abastecimento, para a saúde, para a educação, para a vida. Não há futuro possível para o Acre enquanto essa estrada continuar sendo símbolo de descaso e improviso. Chega de rodar em círculos. O que o povo quer, e merece, é estrada e menos circo.
Primeiro trecho de macadame hidráulico, em 2016 – Foto: Arison Jardim
Uma recente coluna Tricas & Futricas, do site AC24h, ao afirmar que Dom Joaquim teria “tirado a política da Igreja” ao assumir a Diocese de Rio Branco, revela um esforço de descontinuidade histórica, um apagamento deliberado da atuação da Igreja Católica na defesa dos trabalhadores rurais, dos seringueiros e da floresta no Acre durante os anos de chumbo e de avanço do capital sobre os territórios da Amazônia. Nos permita discordar, no máximo da educação, querido articulista. Dizer que “a política saiu da Igreja” ignora fatos documentados, contraria o testemunho de protagonistas centrais dessa história. Em especial, silencia a voz e a trajetória de Dom Moacyr Grechi — cuja ação pastoral não apenas articulou fé e justiça, mas contribuiu para reconfigurar a própria noção de Igreja na Amazônia.
Ao assumir a Diocese de Rio Branco em 1973, Dom Moacyr encontrou um Acre profundamente marcado pela violência estrutural do latifúndio, pela ocupação forçada de terras e pela crescente invisibilização das populações tradicionais. Nos anos seguintes, em meio ao projeto militar de “integração nacional” e à expansão da pecuária sobre os seringais, a Igreja tornou-se uma das únicas instituições dispostas a fazer frente ao processo de expropriação em curso. Como documenta Sandra Teresa Cadiolli Basilio em A luta pela terra e a Igreja Católica nos Vales do Acre e Purus (1970–1980), a atuação da Igreja nos vales do Acre e Purus foi decisiva para a emergência de um novo tipo de resistência: sindical, comunitária e enraizada na teologia da libertação.
Ao lado das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Igreja passou a exercer papel ativo na denúncia das violações de direitos, na formação de lideranças e na construção de alternativas populares, como as reservas extrativistas. O próprio Dom Moacyr declarou, em entrevista concedida à pesquisadora em 1997: “Ou assumia a causa dos pobres ou negava a minha missão e mesmo minha própria fé”. A fala expressa o dilema pastoral vivido no Acre dos anos 1970: permanecer neutro era compactuar com a injustiça.
Ainda segundo seu relato, o contato com a realidade dos seringais transformou radicalmente sua compreensão de missão episcopal: “Eu era sensível à injustiça, mas não via bem a ligação entre Evangelho e a problemática social. No Acre eu fui praticamente forçado a enfrentar a realidade”. Essa transformação resultou em ações concretas. Em 1977, Dom Moacyr depôs na CPI do Sistema Fundiário, denunciando grilagens, violências contra trabalhadores e especulação de terras no Acre, contribuindo para a repercussão nacional da luta dos seringueiros.
A Igreja foi também protagonista da experiência do Projeto Seringueiro, iniciado em 1981 no Seringal Nazaré, em Xapuri. Documentado por José Dourado de Souza em sua tese de doutorado Entre lutas, porongas e letras, e por Manoel Estébio Cavalcante no artigo Paulo Freire nos seringais do Acre, o projeto combinava alfabetização de adultos, formação política e valorização da identidade seringueira, com base na pedagogia de Paulo Freire e na teologia da libertação. Não era uma escola convencional: era uma escola do chão da floresta, onde se aprendia a ler o mundo antes mesmo de ler a palavra. Era uma escola política, porque ensinava a resistir.
Foi nesse entrelaçamento entre religião, educação e território que se forjou um dos movimentos sociais mais importantes da história do Brasil contemporâneo. Os seringueiros, até então tratados como força de trabalho invisível, tornaram-se sujeitos políticos. E a Igreja, ao lado dos sindicatos, do Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA), da CPT e de educadores populares, foi fundamental nesse processo. Não porque “levou política” para o púlpito, mas porque reconheceu que a fé cristã exige compromisso com os pobres, com a vida e com a justiça.
Por isso, a afirmação de que Dom Joaquim teria “tirado a política da Igreja” deve ser lida com atenção crítica. Se verdadeira, ela não sinaliza avanço, mas regressão. Indica a tentativa de descontinuar um projeto pastoral que, historicamente, se fez compromisso concreto com os oprimidos. Sugere o abandono da herança de Dom Moacyr, cuja trajetória não cabe na caricatura de uma Igreja “neutra”, despolitizada, indiferente ao sofrimento do povo da floresta.
A Igreja no Acre nunca foi apenas um templo. Foi trincheira, escola, assembleia e lugar de refúgio. Sua política nunca foi de partido, mas de vida. Esquecer isso é reescrever a história com as tintas do poder. É calar o testemunho de quem, como Dom Moacyr, ousou dizer: “Eu não fui nomeado bispo para me omitir diante da injustiça”.
A política, no sentido mais nobre do termo, como organização da vida coletiva, como defesa da dignidade humana, nunca saiu da Igreja. E não deveria sair. Porque onde está o povo, ali também deve estar a Igreja. Com os pobres, com os sem-terra, com os da floresta. Como sempre esteve, apesar do silêncio que agora tentam impor.
A pesquisadora Bruna Della Torre publicou no Blog da Boitempo um artigo em que compartilha parte dos resultados de sua investigação sobre a propaganda digital da extrema direita, com foco no Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro. A análise foi originalmente apresentada na mesa “América Latina: linhas de conflito na luta pela democracia”, durante evento internacional realizado em Frankfurt.
Della Torre afirma que as redes sociais atuam atualmente como estrutura organizacional da extrema direita, substituindo os partidos de massa. Segundo a autora, a indústria cultural digital — composta por redes sociais, plataformas e dispositivos tecnológicos — articula uma forma política baseada na mobilização afetiva, na reprodução de discursos autoritários e na desinformação. Ela destaca o uso estratégico de plataformas como Instagram, Telegram, TikTok e YouTube por figuras como Bolsonaro e seus aliados, além de influenciadores e lideranças religiosas.
A pesquisadora também aponta que a propaganda de extrema direita combina verticalidade — ligação direta entre líderes e seguidores — e horizontalidade — articulação entre grupos diversos. Ela observa que esse tipo de organização permite ações rápidas e coordenadas, como manifestações e ataques às instituições, como os episódios ocorridos em Brasília, em janeiro de 2023, e em Washington, em 2021.
Della Torre considera que o principal desafio não está apenas no conteúdo das mensagens, mas na estrutura que permite sua difusão em larga escala, com remuneração garantida pelas grandes empresas de tecnologia. Por isso, questiona a eficácia de estratégias baseadas em contrapropaganda ou campanhas educativas.
A autora defende que o enfrentamento ao neofascismo digital exige não apenas regulação das plataformas, mas a reconstrução de vínculos sociais e políticos fora do espaço virtual. Para ela, movimentos progressistas devem recuperar a capacidade de organização autônoma, com base em experiências coletivas e espaços de convivência.
Bruna Della Torre é coordenadora científica no Centro Käte Hamburger de Estudos Apocalípticos e Pós-apocalípticos da Universidade de Heidelberg e tem passagem por instituições como USP, Unicamp e Universidade de Frankfurt. É autora do livro Vanguarda do atraso ou atraso da vanguarda? e integra coletivos e revistas voltadas à crítica marxista e ao feminismo.