“Nós somos parceiros e precisamos ser respeitados como sociedade indígena, dentro do nosso espaço”, afirma Francisco Piyãko durante cerimônia de assinatura do projeto Fundo Amazônia para a Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (Opirj).
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai financiar R$ 33,6 milhões do Fundo Amazônia para conservação ambiental e fortalecimento dos povos indígenas, liderado pela Opirj. Este contrato histórico foi formalizado durante uma cerimônia realizada no sábado, 4 de novembro, na Terra Indígena Poyanawa, localizada em Mâncio Lima, no estado do Acre, com a presença de diversas autoridades, incluindo as ministras do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, além da presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, e a diretora Socioambiental do BNDES, Tereza Campello.
Francisco Piyãko, que é coordenador-geral da OPIRJ, compartilhou suas perspectivas sobre essa iniciativa. “Esse é um projeto básico para a gente começar e dar para fazer muito trabalho nessas comunidades indígenas. A gente tem o desafio e o compromisso de fazer esse projeto andar de acordo com seu espírito,” afirmou.
Ele destacou que por trás desse projeto existe uma intenção profunda de promover um impacto positivo nas comunidades indígenas, protegendo seus direitos, preservando seus territórios e promovendo o desenvolvimento sustentável. Francisco sublinhou a importância de proteger os direitos já conquistados pelas populações indígenas, ressaltando que não estão inventando nada de novo, mas sim lutando para manter o que é de direito.
“Nós povos indígenas, seja aqui no Juruá ou em qualquer lugar onde a gente esteja, lutamos para manter os nossos direitos já conquistados. Não estamos inventando nada. E a gente tem que estar sempre atento, porque dá pra ver que tem muitos trabalhando pra tirar esse direito. A gente nunca sai do nosso limite pra ir brigar com ninguém lá fora,” enfatizou Francisco Piyãko.
Francisco Piyãko em sua comunidade, Apiwtxa (Foto: Arison Jardim)
Tereza Campello, diretora Socioambiental do BNDES, ressaltou que o fortalecimento da experiência acumulada dos povos indígenas permitirá que o fundo alcance mais pessoas e territórios, promovendo o desenvolvimento sustentável, a geração de renda, a preservação da biodiversidade e o combate ao desmatamento. “O protagonismo das comunidades indígenas na elaboração e execução de projetos é fator a ser valorizado e replicado nesta nova etapa do Fundo Amazônia”, disse.
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, enfatizou que o projeto visa combater o desmatamento na região do Acre, na fronteira com o Peru, por meio da atuação coordenada em 13 Terras Indígenas. Ela destacou a importância de garantir que os recursos cheguem às comunidades e promovam a gestão ambiental e territorial, a segurança alimentar e o desenvolvimento sem destruir a floresta.
“O Fundo Amazônia foi criado para ajudar a proteger as populações tradicionais e os povos indígenas, proteger a floresta, gerar emprego e renda, e melhorar a vida das pessoas. Estamos aqui recuperando o tempo perdido de quatro anos em que o fundo ficou parado. É um projeto que vai beneficiar 13 Terras Indígenas e 11 mil pessoas. Os recursos precisam chegar na ponta para quem mais precisa. São R$ 33,6 milhões para gestão ambiental e territorial, equipamentos, segurança alimentar e para melhorar a produção sem destruir a floresta”, disse Marina.
Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, destacou o fortalecimento dos povos indígenas em suas próprias comunidades, contribuindo para a proteção dos territórios indígenas e a demarcação de novas áreas. “Este o nosso objetivo também: garantir a proteção dos territórios indígenas, a segurança dos povos indígenas dentro dos territórios, a gestão dos territórios, e, antes de tudo, avançar na demarcação dos territórios indígenas”, afirmou.
Joenia Wapichana, presidente da Funai, elogiou a iniciativa do Fundo Amazônia, que proporciona propostas concretas para as necessidades das comunidades indígenas. Ela ressaltou que o projeto permitirá uma gestão territorial fortalecida e sustentável, contribuindo para a proteção das terras indígenas. “O apoio do Fundo Amazônia representa justamente aquilo de que os povos indígenas estão precisando: proposições concretizadas. Este projeto, que é uma iniciativa indígena, permite que nossos povos tenham sua terra protegida por meio de uma gestão territorial fortalecida e sustentável”.
13 Terras Indígenas serão beneficiadas (Foto: Sérgio Vale)
O atual projeto da Opirj é estruturada em quatro eixos de ações:
1. Fortalecimento institucional das organizações indígenas.
2. Equipamentos e infraestrutura para reforçar a atuação indígena na proteção da floresta.
3. Promoção de atividades produtivas sustentáveis.
4. Valorização da cultura e das tradições indígenas.
No primeiro eixo, o projeto foca no fortalecimento institucional das organizações indígenas. Isso inclui a capacitação técnica, a instrumentalização e o reforço do escritório da Opirj para melhor gerenciar sua atuação em toda a região.
No segundo eixo do projeto, o foco é o fortalecimento das terras indígenas, suas associações e cooperativas. Francisco Piyãko enfatiza: “Vamos, também, fortalecer todas as terras indígenas, com suas associações ou cooperativas, empoderar elas, para que possam se apresentar e levar suas demandas de maneira organizada para buscar apoio para suas necessidades.”
A gestão territorial é o terceiro ponto-chave do projeto, conforme descrito por Francisco: “Outro eixo é a gestão territorial. Vamos estar com todos os planos de gestão atualizados, fazer os planos estratégicos, planejamento estratégico de cada uma dessas terras indígenas. Definir estratégias de monitoramento, para proteção desses territórios. Vai ser bem na linha de fortalecer a gestão territorial.”
O quarto e último eixo do projeto concentra-se na segurança alimentar e na recuperação de áreas degradadas. Isso inclui a implementação de sistemas agroflorestais, o estudo da cadeia de produção e a exploração de oportunidades de mercado para os produtos das terras indígenas. Além disso, o projeto visa fortalecer a identidade cultural dos povos indígenas, valorizando sua herança material e imaterial por meio de estudos, pesquisas e capacitação de gestão. Conforme enfatizado por Francisco Piyãko: “E o quarto eixo será o fortalecimento da identidade cultural dos povos indígenas, com valorização, estudo, pesquisa, capacitação de gestão dos seus patrimônios material e imaterial. Fazer essa identidade diversa ser bem forte aqui na região do Juruá.”
Francisco Piyãko destacou que essas ações visam não apenas proteger os direitos e territórios indígenas, mas também garantir o desenvolvimento sustentável das comunidades, em harmonia com o meio ambiente. Esse projeto representa um marco importante na colaboração entre organizações indígenas e o Fundo Amazônia, com o objetivo de promover o bem-estar das comunidades indígenas e a preservação da Amazônia.
Foto: Sérgio Vale
O legado do Alto Juruá e Apiwtxa
O Projeto Alto Juruá, de R$ 6.5 milhões, financiado pelo Fundo Amazônia, foi executado pela Associação Ashaninka do Rio Amônia (Apiwtxa) entre 2015 e 2018 e serviu como modelo inspirador para a nova iniciativa.
Os Ashaninka, um povo indígena com uma presença significativa tanto no Peru quanto no Brasil, enfrentaram desafios relacionados ao desmatamento e à degradação florestal que ameaçavam seu território, em particular, a Terra Indígena Kampa do Rio Amônia (TI Kampa do Rio Amônia), em Marechal Thaumaturgo, Acre.
A Apiwtxa, entidade representativa dos habitantes da TI Kampa do Rio Amônia, desempenhou um papel fundamental na preservação e no uso sustentável do território. Ela elaborou, em 2007, o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) da TI Kampa do Rio Amônia, de acordo com a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). A experiência da Apiwtxa serviu como base para o desenvolvimento do projeto Alto Juruá.
O Projeto Alto Juruá compreendeu duas componentes essenciais. A primeira componente concentrou-se em assessorar, capacitar e implementar sistemas agroflorestais (SAFs), promovendo a produção agroflorestal na região. A segunda componente envolveu o apoio à gestão territorial e ambiental em comunidades indígenas e tradicionais do Alto Juruá, com ênfase na educação ambiental e vigilância participativa.
Além dessas ações, o projeto incluiu esforços de desenvolvimento institucional e organização comunitária, com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável da região do Alto Juruá.
A Apiwtxa aprimorou sua capacidade de gestão e atuação por meio da execução do projeto, o que incluiu a elaboração de um planejamento estratégico, a criação de uma marca própria para produtos e serviços, bem como a capacitação de seus associados em técnicas de comunicação institucional.
O sucesso na execução do projeto foi possível devido à mobilização de diversos parceiros. Além das parcerias com o Governo do Estado do Acre e suas secretarias, o projeto envolveu uma estreita cooperação com o Exército Brasileiro, a Polícia Federal e a Prefeitura Municipal de Marechal Thaumaturgo. Seminários com a Associação de Comunidades Nativas para o Desenvolvimento Integral de Yurua (ACONADIYSH) e a comunidade de Sawawo, no Peru, abordaram questões transfronteiriças e contribuíram para a gestão territorial eficaz da região.
A nova iniciativa da OPIRJ busca aproveitar as lições aprendidas com o Projeto Alto Juruá e expandir o sucesso para proteger os direitos indígenas, preservar o meio ambiente e promover o desenvolvimento sustentável na região do Juruá, Acre.
Promoção de atividades produtivas sustentáveis é um dos eixos (Foto: Arison Jardim)
Histórico sobre a Opirj
A história da Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (Opirj) é profundamente enraizada em uma luta contínua pela proteção dos direitos indígenas e pela preservação da Floresta Amazônica. No contexto atual, em que as mudanças climáticas representam uma das maiores ameaças à estabilidade do nosso planeta, compreender o papel e a trajetória da Opirj se torna essencial.
A Opirj é composta por 11 povos, com uma população estimada de mais de 6000 habitantes e uma área total de 278 mil hectares, que desempenham um papel crucial na defesa dos direitos dos povos indígenas. Sua história remonta a 1989, quando o “Movimento dos Povos Indígenas do Vale do Juruá” estava crescendo e se organizando. Desde então, a organização se dedicou a unir essas comunidades, superando desconfianças históricas e rivalidades culturais. Essa união em prol de objetivos comuns, como a demarcação das Terras Indígenas e a luta pela autonomia, culminou na formalização da Opirj em 1999.
Francisco Piyãko, coordenador da Opirj, enfatiza que “o direito dos povos indígenas está reconhecido na Constituição Brasileira e as comunidades não podem pagar o preço de o Estado não agir e defender os povos.” Os objetivos da Opirj são abrangentes, incluindo a defesa dos direitos indígenas, a conservação do meio ambiente, o fortalecimento da organização dos povos indígenas e a colaboração com outros movimentos sociais.
Um dos projetos cruciais da Opirj foi o “Proteção e Vigilância das Terras Indígenas do Alto Juruá”, que envolveu a mobilização das comunidades e o treinamento dos jovens para proteger suas terras. Parcerias com organizações como a Rede Povos da Floresta e a Associação Ashaninka do Rio Amônia resultaram na implantação de Pontos de Cultura Indígena, contribuindo para a valorização cultural e a produção de material de divulgação.
Entretanto, a Opirj enfrenta ameaças significativas, como a construção de estradas que cortam territórios indígenas e parques nacionais, como a Serra do Divisor, invasões de território e o narcotráfico, no lado peruano da fronteira. Essas intervenções podem prejudicar não apenas o meio ambiente, mas também as comunidades indígenas, incluindo as que vivem em isolamento voluntário. A organização tem se posicionado firmemente contra tais projetos, e em 2023 obteve uma vitória significativa na Justiça Federal, suspendendo a construção da rodovia entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa, que tramitava sem consulta alguma aos povos tradicionais da região.
Em um momento em que as mudanças climáticas são uma ameaça crítica, a atuação da Opirj ressalta a importância da preservação da Amazônia, dos povos indígenas e da mitigação das mudanças climáticas. “Eu acredito que nós, em todos os territórios indígenas, contribuímos muito para a sustentabilidade dessa região. Nós estamos entrando agora num momento de uma crise que vai impactar em todo canto do mundo, que é a crise climática e nós não podemos ser egoístas a ponto de querer separar essa luta e dizer que essa luta ambiental, essa luta dos povos indígenas, dos ambientalistas, são lutas isoladas. Isso é uma luta global”, enfatiza Francisco Piyãko.
Os feijões cultivados por agricultores familiares no Vale do Juruá, no Acre, tornaram-se objeto de um estudo que alia ciência, tradição e soberania alimentar. A pesquisa, conduzida pela Embrapa em parceria com o Instituto Federal do Acre (Ifac) e a Universidade Federal do Acre (Ufac), revelou que espécies locais apresentam teores de proteína superiores à média nacional e mundial, além de alta concentração de compostos antioxidantes. O trabalho, que analisou 14 variedades ao longo de três anos, demonstra como os sistemas agrícolas tradicionais mantêm viva a diversidade genética e o valor nutricional dos alimentos produzidos na Amazônia.
Entre as variedades estudadas, o feijão-caupi Costela de Vaca e o Manteiguinha Branco se destacaram com até 27% de proteína — acima da média de 20% observada em outras regiões do país. As amostras foram analisadas no laboratório de Bromatologia da Embrapa Acre e integram a tese de doutorado da professora Guiomar Almeida Sousa, do Ifac, sob orientação do pesquisador Amauri Siviero. As duas variedades, cultivadas em praias de rios durante o período seco, são mantidas por famílias que praticam agricultura de base tradicional. “Essas variedades possuem pouco ou nenhum estudo, o que mostra o quanto ainda há para conhecer sobre a biodiversidade do Juruá”, afirmou a pesquisadora.
A pesquisa também identificou altos índices de antocianinas — entre 420 e 962 microgramas por grama —, pigmentos naturais responsáveis por propriedades antioxidantes. O estudo constatou que, mesmo após um ano de armazenamento, os grãos conservaram seus valores nutricionais, reflexo do manejo cuidadoso e da seleção de sementes realizadas por agricultores, indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Segundo Siviero, essa estabilidade reforça o valor das práticas tradicionais e o papel das comunidades na preservação de recursos genéticos e na segurança alimentar da região.
Os levantamentos de campo registraram 23 variedades apenas no município de Marechal Thaumaturgo, que concentra a maior diversidade de feijões do Acre. O cultivo é realizado em pequenas áreas, com plantios em várzeas e terra firme, de acordo com o ciclo das águas dos rios. O professor Eduardo Pacca, da Ufac, afirma que o Vale do Juruá pode ser considerado um dos principais centros de conservação on farm de feijões caupi e comum no mundo, onde as sementes circulam entre famílias e comunidades, garantindo a continuidade de linhagens adaptadas ao ambiente amazônico.
Com base nos resultados, a Embrapa propõe ampliar o reconhecimento dos feijões crioulos e incentivar sua valorização comercial. O pesquisador Amauri Siviero defende que a caracterização nutricional e genética das variedades pode abrir novos mercados, voltados a consumidores que buscam produtos diferenciados e sustentáveis. A iniciativa está alinhada a políticas públicas como o Selo Povos e Comunidades Tradicionais, criado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), que identifica produtos de origem cultural e comunitária. A expectativa é que os feijões do Juruá possam futuramente obter certificações de Indicação Geográfica e selo orgânico, como já ocorreu com a farinha de mandioca da região.
A pesquisa integra o projeto “Registro dos Sistemas Agrícolas Tradicionais do Alto Juruá”, que mapeia as práticas de cultivo em comunidades do Acre e Amazonas. Em agosto de 2025, a equipe percorreu mais de 190 quilômetros de rio para documentar agricultores e seus modos de produção. Para Siviero, os sistemas agrícolas tradicionais são mais do que formas de plantar: “Os feijões do Vale do Juruá se perpetuam como herança passada entre gerações e como práticas de conservação da agrobiodiversidade”. A pesquisa também destaca o papel cultural dessas práticas, associadas a festas e celebrações locais, como o festival do feijão e a farinhada, que integram a paisagem social da região.
Os relatos dos agricultores reforçam a relação entre natureza, alimento e sobrevivência. Pedro Bezerra da Silva, morador da Comunidade Novo Horizonte, em Porto Walter, cultiva feijão, banana e macaxeira para o consumo familiar. “Grande parte da alimentação vem do que plantamos. Se eu não plantar, não tenho como comprar tudo na cidade”, disse. Ele observa, no entanto, mudanças no clima: “O verão tem ficado cada vez mais quente. Já teve ano de secar tudo quanto é broto de água até na mata.” Para a pesquisadora Elisa Wandelli, da Embrapa Amazônia Ocidental, a agricultura do Juruá é exemplo de equilíbrio entre produção e conservação: “Vimos uma população que sabe produzir alimento e cuidar da natureza ao mesmo tempo”, afirmou.
Os resultados serão apresentados na COP30, em Belém (PA), no espaço Agrizone da Embrapa, dedicado a iniciativas inovadoras e inclusivas. A instituição pretende mostrar como o conhecimento tradicional e a pesquisa científica podem atuar juntos na construção de políticas públicas voltadas à agricultura familiar e à preservação da biodiversidade amazônica.
Em meio à corrida global por uma economia de baixo carbono, especialistas, gestores públicos e representantes do setor produtivo se reuniram nesta terça-feira (14), em Brasília, para discutir como garantir que essa transição seja justa e inclusiva. O debate ocorreu durante o Summit Empregos e Habilidades do Futuro para uma Economia de Baixo Carbono, promovido pelo Sebrae Nacional em parceria com a iniciativa global Sustainable Business COP (SB COP), liderada no Brasil pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O evento reuniu lideranças que estão à frente das discussões sobre o papel do Brasil na próxima Conferência do Clima da ONU, a COP30, que será realizada em Belém (PA). No centro das falas, a constatação de que a descarbonização da economia é inevitável — mas o modo como ela será conduzida pode ampliar ou reduzir desigualdades.
A diretora de programa da presidência da COP30, Alice Amorim Vogas, defendeu que o país precisa adotar um novo modelo de desenvolvimento, combinando redução de emissões com geração de oportunidades. “Se a transição vai ser justa ou não, depende muito do esforço de todos nós. Enquanto presidência da COP no Brasil, estamos convocando uma discussão de modelos de desenvolvimento que tratam a descarbonização e construção de resiliência com qualidade. Não estamos mais no momento de falar de adaptação e mitigação”, afirmou.
Os participantes reforçaram que o desafio não se restringe à esfera ambiental. Trata-se também de uma agenda econômica e social, com impacto direto sobre a empregabilidade, a qualificação da força de trabalho e o papel das pequenas empresas — responsáveis por mais de 80% dos empregos formais no Brasil. Para o diretor-técnico do Sebrae, Bruno Quick, os pequenos negócios devem ser incluídos no centro das estratégias de transição. “São os que mais sofrem com os problemas, por possuírem menos meios para superar e mitigar os efeitos climáticos, mas também são grandes portadores das soluções”, afirmou.
A necessidade de investir em formação profissional foi outro ponto central. A CEO da Systemiq para a América Latina, Patrícia Ellen, destacou que a construção de uma economia verde depende de conhecimento e inclusão. “Capital humano tem CEP e precisamos saber onde estão essas oportunidades por estado e por região, além das necessidades dessa população”, disse. Para ela, o investimento em pessoas é o caminho para gerar valor na economia e garantir que o crescimento verde alcance todas as regiões do país.
O painel “Do Global para o Local” apresentou experiências internacionais de integração entre políticas de emprego e sustentabilidade. Especialistas da GIZ e da SB COP destacaram que países que priorizam a capacitação profissional em setores verdes conseguem avançar mais rápido na criação de empregos sustentáveis e na redução de emissões.
Na mesma linha, o gerente de Gestão de Soluções do Sebrae Nacional, Eduardo Curado, alertou que o país precisa acelerar a disseminação de conhecimento técnico. “A velocidade que as oportunidades vão surgindo não está sendo acompanhada pela nossa capacidade de levar o conhecimento dessas habilidades para as pessoas”, observou.
O encontro concluiu que a transição justa para uma economia de baixo carbono exige integração entre políticas públicas, setor privado e sociedade civil. As discussões indicam que o Brasil tem condições de liderar esse movimento, desde que priorize a formação profissional, a inovação e o fortalecimento dos pequenos empreendimentos. Mais do que reduzir emissões, trata-se de garantir que o futuro verde seja também um futuro com empregos, renda e participação social.
O relatório Panorama Climático 2025, desenvolvido pela TETO Brasil em parceria com o Centro de Estudos das Cidades do Insper, inclui Rio Branco entre os municípios mais vulneráveis do país aos impactos das mudanças climáticas. O estudo, que analisou 119 comunidades em 51 municípios de 20 estados, destaca o Acre como um dos territórios da Amazônia Legal onde a crise ambiental e as desigualdades urbanas se cruzam, ampliando o risco de enchentes, secas e outros desastres.
A publicação evidencia que o estado enfrenta de forma recorrente eventos climáticos extremos, com destaque para as cheias do Rio Acre e períodos de estiagem prolongada. Esses fenômenos têm causado prejuízos em infraestrutura, moradia e abastecimento de água, afetando milhares de famílias em Rio Branco e em municípios do interior. O documento ressalta que, embora essas populações contribuam pouco para as emissões de gases de efeito estufa, são as que mais sofrem com seus efeitos, especialmente pela falta de saneamento, drenagem e planejamento urbano.
Em Rio Branco, as áreas mais afetadas são as localizadas às margens do Rio Acre e de seus afluentes, onde o adensamento populacional e a ausência de obras estruturais elevam o risco de inundações. Segundo o estudo, a vulnerabilidade é agravada pela sobrecarga territorial — conceito que relaciona precariedades sociais, habitacionais e ambientais, e que sintetiza a realidade de comunidades urbanas e ribeirinhas do Acre. Nessas regiões, a combinação entre pobreza, fragilidade institucional e falta de infraestrutura básica aumenta a exposição aos eventos climáticos.
O Panorama Climático 2025 também destaca a importância das políticas locais de adaptação e mitigação. O Acre conta com o Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais (SISA), criado em 2010, e com o Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais (IMC), que atua no monitoramento das emissões e na formulação de programas de resiliência. Mesmo com esses avanços institucionais, o estudo aponta que a distância entre a formulação de políticas e a realidade das comunidades ainda é grande, exigindo maior integração entre governos, sociedade civil e populações afetadas.
As conclusões reforçam que a capital acreana precisa investir em planos urbanos integrados, com prioridade para moradias seguras e infraestrutura adaptada às variações climáticas. O relatório cita que a adaptação deve ser incorporada de forma transversal, com participação das comunidades nas decisões sobre planejamento urbano, mobilidade e habitação. A TETO defende que as políticas públicas precisam partir da escuta das populações que vivem o risco cotidiano, incorporando seus saberes e práticas na formulação das soluções.
Ao final, o estudo insere o Acre em um quadro mais amplo da Amazônia Legal, onde cidades como Manaus, Belém, Porto Velho e Tartarugalzinho compartilham os mesmos desafios. As mudanças no regime de chuvas, a elevação da temperatura média e a intensificação de secas e cheias configuram um cenário de desigualdade climática que afeta de forma mais severa as populações pobres e periféricas. Segundo a TETO Brasil, enfrentar a crise climática na Amazônia passa por reconhecer o papel dessas comunidades como protagonistas na construção de políticas que unam justiça social e preservação ambiental.