Em entrevista à Agência Brasil durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, Ângela Maria Feitosa Mendes, filha de Chico Mendes, defendeu que o enfrentamento da crise climática só será possível com o protagonismo dos povos da floresta e criticou a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Para ela, as decisões tomadas em conferências internacionais ainda não incorporam de forma efetiva as vozes das populações que vivem nos territórios amazônicos.
Ângela coordena o Comitê Chico Mendes, criado na noite do assassinato de seu pai, em 1988, em Xapuri, Acre. O espaço nasceu do sentimento de revolta e da necessidade de impedir que o crime ficasse impune. “Foi criado por companheiros e companheiras que, sob muita dor, entenderam que era necessário mobilizar a sociedade nacional e internacional para exigir do governo brasileiro justiça contra os assassinos do meu pai”, relatou. O comitê também se tornou um instrumento de memória e mobilização em torno da luta de Chico Mendes pela defesa da floresta e dos modos de vida tradicionais.
Atualmente, as ações do comitê se concentram na formação de jovens e mulheres que vivem na Reserva Extrativista Chico Mendes, inspiradas na carta escrita por Chico pouco antes de sua morte, endereçada “aos jovens do futuro”. A carta, segundo Ângela, é o eixo de um trabalho que conecta gerações e territórios. “Em 2016, pensamos em ter essa carta como referência, uma inspiração para falar sobre a importância da juventude, sobretudo dos territórios”, explicou. A partir desse movimento, nasceu o núcleo jovem do comitê e, em 2020, o Festival Jovens do Futuro, realizado anualmente no dia 6 de setembro, data em que a carta foi escrita.
Durante a COP30, Ângela Mendes destacou que, apesar do simbolismo de sediar a conferência na Amazônia, as populações tradicionais ainda não ocupam espaço real nas decisões. “As COPs avançaram muito pouco no que diz respeito aos direitos dessas populações. Quando uma COP acontece aqui, a gente vê o tamanho do desafio para que essas pessoas acessem políticas públicas que lhes garantam viver com dignidade”, afirmou. Para ela, o reconhecimento da importância dessas populações não se traduz em políticas concretas ou em acesso a financiamentos climáticos capazes de fortalecer suas iniciativas.
Ao comentar os protestos e manifestações paralelas à conferência — como o Porongaço, organizado por populações extrativistas, e a Marcha Mundial pelo Clima —, Ângela ressaltou que esses atos mostram a vitalidade das organizações locais e o potencial de mobilização dos povos da floresta. “As autoridades perceberam que na Amazônia existe resistência e também muita produção de soluções. As respostas para essa crise precisam incluir quem está no território”, avaliou.
A ativista defendeu que o enfrentamento da crise climática passa pela construção de alianças amplas, que unam saberes tradicionais, ciência e novos modelos econômicos. “A aliança com a academia é importante, porque a ciência produz conhecimento, e há muito a ser pesquisado na Amazônia. Esse conhecimento pode gerar inovação tecnológica, mas deve partir do diálogo com quem vive aqui. É a sociobioeconomia”, disse. Ela também criticou o modelo de financiamento que privilegia grandes empreendimentos e deixa de fora os pequenos produtores e comunidades locais. “Os bancos podem repensar sua relação com os pequenos empreendedores. E as indústrias farmacêuticas e cosméticas poderiam incluir as comunidades no processo, não apenas retirar matérias-primas e lucrar com elas”, completou.
Ângela Mendes também questionou a continuidade do licenciamento para exploração de petróleo na Foz do Amazonas. “A gente fala em transição justa e em enfrentar a crise climática causada pelos combustíveis fósseis, mas o Brasil mantém projetos que caminham na direção oposta. Não faz sentido sediar uma COP na Amazônia e, ao mesmo tempo, incentivar a exploração de petróleo”, criticou. Para ela, os movimentos sociais precisam permanecer organizados e nas ruas, não apenas nas redes sociais, para pressionar por mudanças estruturais.
Sobre o atual governo, Ângela reconheceu avanços em relação à gestão anterior, mas afirmou que a sensação de impunidade e o poder do agronegócio ainda ameaçam os defensores da floresta. “Saímos de um período muito difícil, mas ainda há um sistema entranhado no poder, que defende os interesses do capital e continua matando defensores. Recentemente, duas quebradeiras de coco foram assassinadas no Pará. Isso mostra que o sistema ainda é violento e poderoso”, afirmou.
Questionada sobre como Chico Mendes veria uma COP na Amazônia, Ângela disse acreditar que ele enxergaria o evento como uma oportunidade de transformar a realidade dos povos da floresta. “A luta dele não era só pela conservação da floresta, mas pela manutenção dos modos de vida tradicionais. Ele era um lutador incansável pela justiça socioambiental”, declarou.
A líder também destacou a importância das reservas extrativistas como instrumentos de conservação e justiça social. “As reservas são territórios estratégicos. Garantem os modos de vida e funcionam como barreiras contra o desmatamento e as queimadas. Hoje, mais de 60 milhões de hectares estão protegidos por essas áreas, onde vivem mais de um milhão de famílias”, disse. Ângela encerrou afirmando que a continuidade da luta é a melhor forma de honrar o legado de Chico Mendes. “A morte dele não foi em vão. O que estamos construindo é pelo presente e pelo futuro dos que virão.”
Foto: Bruno Peres/Agência Brasil