A agência de notícias Associated Press (AP) publicou uma matéria sobre a comunidade Ashaninka no Acre, destacando o processo de restauração de seu território e os avanços realizados pela aldeia Apiwtxa. A reportagem descreve como os Ashaninka, após a demarcação de suas terras, conseguiram desenvolver um modelo de autossuficiência baseado no manejo sustentável da floresta e na produção de alimentos.
Segundo a AP, o modelo implementado pela aldeia Apiwtxa é agora parte de um projeto maior coordenado pela Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ), que visa apoiar 12 territórios indígenas na Amazônia ocidental. O projeto, financiado pelo Fundo Amazônia, tem como foco a melhoria da gestão territorial, o fortalecimento cultural e a vigilância das florestas.
A matéria, de Fabiano Maisonnave e Jorge Saenz, também menciona os desafios enfrentados pela comunidade devido às mudanças climáticas, como secas severas que afetaram a produção local e a vida no Rio Amônia. Apesar disso, os Ashaninka estão buscando soluções de adaptação para lidar com os impactos ambientais e continuar promovendo a recuperação de suas terras.
A reportagem da AP destaca ainda a relação de cooperação que os Ashaninka desenvolveram com comunidades vizinhas, indígenas e não indígenas, como parte de uma estratégia para proteger a região e garantir a sustentabilidade dos recursos naturais.
A comunidade Ashaninka da Amazônia restaurou seu território. E agora?
Vila Apiwtxa, Brasil (AP) — Era pouco antes do amanhecer quando o povo Ashaninka, vestindo longas túnicas, começou a cantar canções tradicionais enquanto tocava tambores e outros instrumentos. A música ressoava pela vila de Apiwtxa, que havia recebido convidados de comunidades indígenas do Brasil e do Peru vizinho, alguns dos quais viajaram três dias. Quando o sol nasceu, eles se reuniram sob a sombra de uma enorme mangueira.
A dança, que duraria até a manhã seguinte, marcou o fim da celebração anual que reconhece o território Ashaninka ao longo do sinuoso Rio Amônia, no oeste da Amazônia. As festividades de vários dias, quase ininterruptas, incluíram o ritual de beber ayahuasca, o sagrado chá alucinógeno, torneios de arco e flecha, escalada de palmeiras de açaí e pintura facial com tintura vermelha.
Mudanças climáticas
O que antes era um encontro para comemorar o território dos Ashaninka evoluiu para uma vitrine do que eles realizaram: a autossuficiência da vila, que vem do cultivo de alimentos e da proteção de sua floresta, é agora um modelo para um projeto ambicioso que visa ajudar 12 territórios indígenas na Amazônia ocidental, totalizando 640 mil hectares (1,6 milhão de acres), uma área do tamanho do estado de Delaware, nos EUA.
Em novembro, a Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ) conseguiu 6,8 milhões de dólares de apoio do Fundo Amazônia, a maior iniciativa mundial para combater o desmatamento da floresta tropical. Com a Apiwtxa como modelo, a concessão é voltada para melhorar a gestão das terras indígenas, com ênfase na produção de alimentos, fortalecimento cultural e vigilância florestal.
“Estamos expandindo tudo o que fizemos em Apiwtxa para toda a região”, disse Francisco Piyãko, líder Ashaninka e da OPIRJ, em frente à sua casa em Apiwtxa. “Não se trata apenas de implementar um projeto. O que está em jogo é a mudança cultural. Isso é essencial para proteger a vida, o território e seus povos.”
História de reconstituição
A área onde a vila de Apiwtxa está localizada, na Amazônia brasileira, já foi uma grande fazenda de gado administrada por não-indígenas que desmataram a terra. O estabelecimento de limites de terras abriu as portas para a reflorestação e o renascimento cultural.
Trinta e dois anos atrás, quando o governo brasileiro reconheceu os direitos territoriais dos Ashaninka, a área onde fica Apiwtxa era uma grande fazenda de gado administrada por colonos não indígenas. Os madeireiros haviam degradado a floresta remanescente, esgotando a região de mogno e outras árvores valiosas. Famílias indígenas viviam espalhadas e com medo. Com poucas opções, alguns trabalhavam para fazendeiros e madeireiros em condições análogas à escravidão.
A demarcação das terras, que forçou os invasores a sair, abriu as portas para a reflorestação e o renascimento cultural. Os Ashaninka transferiram sua principal vila, Apiwtxa, para uma pastagem abandonada, em um local estratégico para vigilância. Nos anos seguintes, a liderança da vila, liderada pelo pai de Francisco Piyãko, Antônio, e seus irmãos, estabeleceu um sistema de governança focado no bem coletivo e na autossuficiência.
Sustentabilidade e autonomia
Em Apiwtxa hoje, cada uma das 80 famílias deve cuidar de uma área de floresta que inclui árvores frutíferas e plantas medicinais. Ao redor da vila, também há parcelas agrícolas com mandioca, batata, banana e outros alimentos. Ao longo dos anos, os Ashaninka replantaram árvores como mogno.
As grandes cabanas tradicionais de Apiwtxa são cercadas por tanques de peixes e terras que combinam plantações e florestas, fornecendo alimentos para a escola, algodão para roupas, a videira que dá a sagrada bebida Ayahuasca, árvores de urucum para extração de tintura, palmeiras para construir telhados de palha, plantas medicinais e árvores embaúba que fornecem cordas para arcos.
Os sistemas de manejo da terra sustentam várias dimensões da vida cotidiana dos Ashaninka, disse a antropóloga Carolina Comandulli. “Eles apoiam sua autonomia, algo que valorizam muito”, afirmou. “Eles buscam a soberania alimentar, visam controlar a construção de suas próprias casas, a cura médica e se engajar no processo econômico de relações de mercado, pelo qual o artesanato se torna uma fonte de renda.”
Expansão e parceria
Os Ashaninka criaram uma estratégia de desenvolvimento de relacionamentos com comunidades vizinhas, indígenas e não indígenas, para criar uma “zona de amortecimento”, além de alcançar instituições fora da região.
Wewito Piyãko, presidente da Associação Apiwtxa e irmão de Francisco, disse que a gestão bem-sucedida, incluindo impedir invasões de madeireiros ou mineradores, exigiu trabalhar tanto dentro de seu território quanto além.
“Por isso criamos essa política de trabalhar com as áreas vizinhas, para que entendam que o que estamos fazendo é para o nosso benefício e o deles também”, disse Piyãko.
Os Ashaninka começaram a expandir seus esforços além de seu território em 2007, fundando o Yorenka Ãtame, ou Centro de Conhecimento da Floresta, perto da cidade mais próxima, Marechal Thaumaturgo, a três horas de barco de Apiwtxa. Lá, os Ashaninka criaram um projeto que integra plantações e preservação florestal, uma pequena fábrica para processar frutas e um local para eventos com aliados não indígenas.
Desafios climáticos
Apesar do sucesso, as mudanças climáticas têm impactado a produção local, tornando-se mais um problema que os Ashaninka devem enfrentar. No ano passado, durante uma seca recorde na Amazônia, a água do Rio Amônia estava tão quente que, pela primeira vez, os Ashaninka pararam de tomar banho nele, e milhares de peixes morreram. Este ano, as comunidades amazônicas estão novamente sofrendo com a seca generalizada.
Francisco disse: “Os culpados por isso vivem longe de nós, mas se começarmos a apontar dedos, vamos desperdiçar muita energia e não resolveremos nada. Em vez disso, estamos focados na adaptação. Estamos identificando os melhores lugares para construir casas e cultivar, melhorando o acesso à água e gerenciando os riscos de incêndio.”
Exemplo de luta
Outro beneficiário do projeto da OPIRJ é o território Apolima-Arara, localizado em um trecho do Rio Amônia entre Apiwtxa e Marechal Thaumaturgo. Em abril de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou a demarcação de suas terras, após uma luta de duas décadas por reconhecimento.
Os Apolima-Arara, que participaram das festividades dos Ashaninka junto com os Yawanawa, Huni Kuin e outras tribos, enfrentam alguns dos mesmos problemas que seus vizinhos enfrentaram décadas atrás. Parte de seu território foi desmatada por não indígenas, e eles estão trabalhando para melhorar sua produção agrícola. A vila principal, Nordestino, eliminou em grande parte os pastos ao redor, plantando árvores.
Até agora, o projeto OPIRJ forneceu equipamentos agrícolas e um barco para vigilância territorial. “Apiwtxa é um exemplo para nós. Nenhum povo indígena retomou seu território facilmente”, disse o líder Apolima-Arara, José Angelo Macedo Avelino. “Apiwtxa sofreu como nós, e agora seu território está recuperado. Planejamos fazer o mesmo.”
Em uma reunião de trabalho, a Comissão Transfronteiriça Alto Yuruá/Juruá/Alto Tamaya solicitou que o Governo Regional de Ucayali (GOREU) interrompa imediatamente a construção da rodovia UC-105, próxima a fronteira do Acre com o Peru. A comissão abordou diferentes agendas durante o encontro, destacando a posição contrária ao projeto da rodovia, que, segundo eles, está em andamento de forma ilegal e sem os devidos processos de consulta prévia.
Participaram da reunião líderes de diversas organizações, incluindo ACONADIYSH, ACCY, AACAPPY, ORAU e AIDESEP, do Peru, Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ) e Apiwtxa, do povo Ashaninka, ambas do Brasil, além de especialistas da Upper Amazon Conservancy. O objetivo principal foi exigir a paralisação da construção da rodovia, argumentando que a obra viola os direitos dos povos indígenas estabelecidos pela Lei de Consulta Prévia nº 29785 e pelo Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A rodovia UC-105 está prevista para passar pela comunidade de Nueva Italia (Tahuania) até Puerto Breu, no Peru. No entanto, conforme relatado pela comissão, o projeto não possui estudos técnicos ou processos de consulta que avaliem os impactos para as comunidades locais. A construção da rodovia beneficiaria atividades como extração de madeira, mineração ilegal e cultivo de folha de coca, ligadas ao narcotráfico, conforme descrito em um documento da Organização Regional AIDESEP Ucayali (ORAU).
A comissão enfatizou a urgência de uma resposta das autoridades competentes para interromper o avanço da rodovia e evitar maiores impactos socioambientais na região, afetando diretamente os direitos dos povos indígenas e o equilíbrio ambiental.
Diante dos desafios impostos pela crise hídrica e os extremos climáticos que têm afetado o abastecimento em diversas regiões do país, a Prefeitura de Rio Branco tem intensificado os investimentos no sistema de distribuição de água, buscando garantir qualidade e eficiência no serviço. Com um investimento de R$ 4 milhões em novos equipamentos e a promessa de mais R$ 4,6 milhões em recursos vindos do Governo Federal, a gestão atual reforça o compromisso em assegurar água 24 horas por dia à população.
O prefeito Tião Bocalom destacou a importância da modernização das infraestruturas, que inclui a troca de tubulações antigas e a instalação de novos hidrômetros, além da perfuração de poços artesianos e a construção de lagoas para armazenar água durante o verão. No entanto, ele lembrou que a eficiência do sistema depende também da colaboração de todos.
Além de enfrentarem desperdícios na rede, muitas áreas da cidade sofrem com a baixa pressão da água, que deverá ser resolvida com os novos conjuntos de motores e bombas adquiridos pela prefeitura. Contudo, o desperdício de água e o uso indevido ainda são fatores que impactam diretamente o serviço. Assim, a prefeitura pede que a população use a água de maneira consciente e que todos regularizem o pagamento do consumo, fundamental para manter o sistema sustentável e permitir novos investimentos.
O diretor-presidente do Saerb, Enoque Pereira, reforçou que o atual momento exige responsabilidade compartilhada. “Estamos em um cenário em que a água se torna um bem cada vez mais precioso. Cada um de nós tem o dever de usar com sabedoria, evitando desperdícios e colaborando para que esse recurso vital esteja disponível a todos, de forma justa e eficiente”.
As queimadas que atingem o Acre em 2024 estão gerando preocupações sobre a redução na oferta de recursos como açaí, buriti e madeira, fundamentais para a economia local. A professora doutora Sonaira Silva, especialista em queimadas e florestas, da Universidade Federal do Acre (Ufac), alerta que mais de 100 mil hectares já foram consumidos pelo fogo, incluindo aproximadamente 5 mil hectares de floresta nativa.
De acordo com Sonaira, as áreas atingidas pelo fogo podem demorar décadas para se recuperar, e mesmo após 20 anos, muitas delas não conseguem voltar ao seu estado original em termos de número de árvores, biomassa e diversidade de espécies. Esse processo lento de regeneração compromete a sustentabilidade de atividades econômicas que dependem diretamente da floresta.
A professora destaca que áreas de grande importância ecológica, como Pentecoste, Campinarana e a Serra do Divisor, também foram afetadas. Segundo ela, é crucial impedir a entrada do fogo nessas áreas florestais, pois além de prejudicar o meio ambiente, as queimadas também afetam a produção de açaí, buriti e madeira, recursos que sustentam muitas comunidades no estado.
Além dos danos ambientais, as queimadas agravam a qualidade do ar nas áreas urbanas, já que a fumaça é levada pelo vento para dentro das cidades, aumentando os riscos à saúde da população. Sonaira reforça a necessidade de evitar o uso de fogo em atividades de limpeza de terrenos e roçados, uma vez que, mesmo pequenas queimadas, podem se espalhar rapidamente e sair de controle.
Com a economia do Acre fortemente dependente dos recursos florestais, a perda de vegetação nativa representa um desafio significativo. A recuperação dessas áreas será lenta, exigindo a participação ativa de diversos setores, incluindo as comunidades locais, para garantir a proteção e o uso sustentável das florestas.