O que acontece quando juntamos ancestralidade e inovação? Essa pode ser a pergunta que guia a história da ‘Da Tribu’, uma marca de moda paraense que cria biomateriais utilizando a borracha como matéria-prima.
O empreendimento é um dos casos de sucesso que estarão no Txai Amazônia, evento que acontece no espaço eAmazônia, na Universidade Federal do Acre (Ufac), em Rio Branco.
Com apresentação marcada para 25 de junho, às 14h, no seminário, Tainah Fagundes, uma das fundadoras da ‘Da Tribu’, conta que o interesse pela ancestralidade começa muito antes do que se imagina:
“Começa a partir da trajetória de vida da minha mãe, Cátia Fagundes. Ela não concluiu os estudos, terminou apenas o ensino médio e não fez graduação. Teve filhos muito jovem e enfrentou muitas dificuldades para se manter. Fez de tudo um pouco. Há cerca de 15 anos, quando ainda não existiam maquininhas de cartão, acumulou 20 mil reais em dívidas com clientes que não pagavam. Isso dificultou o acesso ao crédito. Com as roupas novas que sobraram das vendas, começou a criar os primeiros acessórios”, relembra.
Assim nasceu a Da Tribu: com mais de 20 mil reais em dívidas, reaproveitando resíduos têxteis para transformar em suas primeiras peças. Desde o início, o conceito de moda sustentável esteve presente. Nada foi comprado inicialmente; tudo foi aproveitado a partir do que já existia. Usaram diversos materiais e técnicas antigas, crochê, papel, papel machê, vinil, fitas magnéticas de fita cassete, que se tornaram base para a moda sustentável que Tainah e sua mãe acreditam. Mesmo sem recursos ou investimento financeiro planejado, começaram com o que tinham.
Para a Da Tribu, trabalhar com a borracha nativa é uma reconexão e um reconhecimento da força dos povos da floresta, especialmente indígenas. Elas utilizam sementes e fibras da floresta, buscando apresentar um novo olhar sobre a moda sustentável.
Depois de 15 anos experimentando vários materiais, há 10 anos começaram a fortalecer o uso da borracha nativa. Foi em uma feira de tecnologia social que se reconectaram com esse insumo, entendendo que era possível ressignificar o ciclo da borracha por meio da união entre tecnologia social e inovação da economia criativa. A partir disso, passaram a aplicar um design mais contemporâneo, sem renunciar à identidade e inclusão, bases da bioeconomia.
“Quando falamos em moda sustentável na Amazônia, não estamos falando de um polo têxtil, porque isso aqui não existe como no Sul ou Sudeste, nem como no Nordeste, que é produtor de algodão orgânico e jeans. Aqui, a força está nos bioativos. Falamos de identidade, pertencimento, território. De envolver pessoas no processo extrativista, junto com suas famílias. Assim, conseguimos inovar em fios e tecidos para o setor têxtil, começando pelas nossas joias orgânicas”, declara Tainah sobre a trajetória da marca.
Amazônia em foco
As mulheres por trás da Da Tribu contam a história do novo ciclo da borracha nativa na Amazônia a partir do protagonismo de extrativistas e mulheres que participam do processo, demonstrando autonomia nas práticas, no fazer e na valorização dos saberes. Fagundes reflete sobre os desafios desta missão:
“Não é fácil, porque precisamos sensibilizar e educar um mercado que vem de uma lógica muito industrializada, onde as percepções de valor ainda são bastante nichadas. Acreditamos que essa moda da floresta precisa ser cada vez mais democrática. Não vemos o mercado de luxo como caminho para nossa sustentabilidade. Quanto mais pessoas souberem e tiverem acesso aos nossos produtos, seja pelas joias orgânicas ou pelos biomateriais, frutos de uma pesquisa que desenvolvemos ao longo dos anos, mais cumpriremos nosso papel”, diz.
A empreendedora também fala sobre a alegria de vir ao Acre, terra de Chico Mendes. Sua vinda é viabilizada pelo Txai Amazônia e, para além dos debates e da importância de discutir sociobioeconomia em espaços plurais e de negócios, algo que o seminário tem em seu cerne, Tainah destaca o significado pessoal de estar nesse espaço:
“Milton Nascimento lançou um álbum chamado ‘Txai’ na minha infância, que considero um dos mais bonitos da história do Brasil. É nesse lugar que nos reconhecemos como parentes. Os indígenas descobriram o potencial da borracha, e hoje temos o dever de manter essa floresta de pé e valorizar processos tão genuínos e potentes para a vida na floresta”, afirma.
A Da Tribu torna esses materiais acessíveis para que marcas e designers possam adquiri-los. Poder mostrar e ser convidada para contar essa história que não é só dela e de sua mãe, mas também de todos os amazônidas, muitos dos quais ainda se sentem desconectados da identidade amazônica e da relação com a borracha, “é uma grande alegria” para Tainah.
“Estar aqui, no Acre, no território de Chico Mendes, é muito significativo para a gente. Respeitamos essa família e todos os povos que lutam dia após dia por essa floresta. Nós, que viemos do Pará, estamos trabalhando no aperfeiçoamento dessa história. Acho que essa relação de conexão, de afetos, é o que realmente precisamos fortalecer”, finaliza a entrevistada.
Uma das missões do Txai Amazônia é promover uma sociobioeconomia que vai além dos modelos industriais ou do capital financeiro, valorizando os elos de afeto, amizade e relações horizontais entre pessoas e comunidades.
Sobre o TXAI Amazônia
Com estreia no Acre, o seminário reunirá líderes dos nove estados da Amazônia Legal, entre os dias 25 e 28 de junho de 2025, além de Bolívia e Peru, para promover a bioeconomia e a valorização da sociobiodiversidade como base para o desenvolvimento econômico da região.
Durante quatro dias, o TXAI Amazônia abordará sete temas em 15 painéis, apresentando 20 casos de sucesso da bioeconomia regional e uma Mostra Artística que integrará povos tradicionais, comunidade acadêmica e autoridades.
O seminário é organizado pelo Instituto SAPIEN, uma instituição científica, tecnológica e de inovação dedicada à pesquisa e gestão para o desenvolvimento regional, em parceria com o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), o Governo do Estado do Acre, suas secretarias e 25 instituições locais.
Acesse o site do Txai Amazônia e se inscreva gratuitamente. O link também está disponível nas redes sociais do @txai.amazonia.