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MEIO AMBIENTE

Reportagem de jornal peruano relata triste drama de comunidades indígenas que moram às margens do rio Putumayo

O rio Putumayo, conhecido como rio Içá ou rio do Içá em seu trecho brasileiro, é um dos mais importantes afluentes do rio Amazonas.

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O rio Putumayo, conhecido como rio Içá ou rio do Içá em seu trecho brasileiro, é um dos mais importantes afluentes do rio Amazonas. É paralelo ao rio Japurá. O Putumayo/Içá tem 1 645 km de extensão. Nasce nos contrafortes andinos do Equador, corre em direção sudeste, faz uma parte da divisa entre a Colômbia e o Equador e a maior parte da fronteira entre a Colômbia e o Peru. Após entrar no território brasileiro, passa a se chamar Içá. Desagua no rio Amazonas próximo da cidade de Santo Antônio do Içá, possuindo, nessa altura, 700 metros de largura e 55 metros de profundidade.

Putumayo, tem se tornado uma grande rota do tráfico de drogas na região do Peru. No dia 25 de dezembro de 2021, quando sete pessoas foram massacradas na comunidade de Bellavista, às margens do rio Putumayo, sul da Colômbia.

O Jornal peruano, A Liga Contra o Silêncio, fez uma matéria relatando o que os povos indígenas da região têm passado nas mãos dos traficantes e líderes de facções.

“Morre quem tem a ver com os paramilitares”, gritou um homem de uniforme verde com um fuzil, integrante da Frente Carolina Ramírez, para uma multidão de índios Muruí assustados.

Do outro lado do rio, no Peru, estão alguns de seus acampamentos e também plantações de coca. “No fundo, Carolina Ramírez queria pegar os Comandos da Fronteira. Nessa empreitada levaram pessoas inocentes”, explica uma liderança indígena.

Desde o início da pandemia, dias e noites de terror se tornaram mais frequentes na Amazônia colombiana. Apesar do acordo assinado em 2016 com as Farc, e da ambiciosa agenda de paz e política de drogas do novo presidente, Gustavo Petro, a renda ilícita que financia a violência aumenta junto com os hectares de coca, desmatamento e pé de força de grupos armados ilegais . Em setembro, Petro deu seu primeiro discurso internacional à Assembleia Geral das Nações Unidas, onde fez um apelo para conservar a Amazônia e pediu o fim da atual política antidrogas fracassada.

Durante décadas, nem a guerra contra as drogas nem os programas para mudar as plantações do uso ilícito para outros modos de subsistência foram capazes de resolver o problema. A violência continua e agora seus efeitos estão se espalhando além da fronteira, no Peru. No rio Putumayo, fronteira natural entre os dois países, dois grupos que se autodenominam “guerrilheiros”, formados por ex-integrantes das Farc que não aderiram ao processo de paz, ou dele desertaram, agora lutam pelo saque da cocaína e afetam a população. O confronto mais recente deixou 18 mortos e o governo colombiano respondeu enviando seis pelotões de soldados.

O massacre de Bellavista

Este Natal marca um ano desde que a Frente Carolina Ramírez invadiu Bellavista, uma comunidade indígena de agricultores, pescadores e raspachines. Como muitos outros massacres, este foi apenas um registro em uma longa lista de eventos violentos. Mas até agora o ataque a Bellavista, denunciado na época por várias organizações indígenas, não havia sido suficientemente documentado.

Esta área, de difícil acesso no meio da selva, está sob o controle dos Comandos de Fronteira, inimigo e concorrente da Frente Carolina Ramírez no narcotráfico. Em uma tentativa de avançar mais para o sul, nas abundantes regiões produtoras de coca do Peru, o massacre foi desencadeado . Segundo testemunhas, as vítimas não pertenciam à comunidade, mas estavam visitando naquele dia. Cerca de uma semana depois, o Exército e o Corpo Técnico de Investigações do Ministério Público chegaram para recolher os corpos. Esta instituição foi consultada sobre o andamento da investigação, mas não houve resposta até a data da publicação.

A volta da coca

Sob uma maloca, a grande cabana cerimonial, a poucos metros do rio Putumayo, é servida uma sopa com peixe, milho e caldo de mandioca brava. Os moradores se alimentam com o pouco que cultivam, mas a maioria dos empreendimentos agrícolas não é lucrativa: a distância até os centros comerciais é longa e o custo do transporte é muito alto. “Se todos plantamos mandioca, ninguém compra”, explica uma mulher da comunidade.

Os 1.610 quilômetros do rio Putumayo, desde o nó de Pastos na Colômbia até sua confluência com o rio Amazonas, estão repletos de histórias cruéis. Ali os povos Inga, Murui, Bora, Kichwa, Ticuna, Yagua, Secoya e Ocaina sobreviveram à exploração e matança para a extração de recursos naturais. O negócio do quinino foi seguido pelo boom da borracha . Estima-se que 80% dos Murui, também conhecidos como Huitotos, morreram por causa dos abusos dos seringueiros: entre 30 e 40 mil indígenas, segundo o pesquisador Pedro Mayor.Consequências semelhantes foram denunciadas por outras cidades da bacia do Putumayo. Muito antes da corrida da borracha, a extração de ouro também foi relatada. Mas o boom mais recente veio com a coca, um arbusto que também trouxe violência e desmatamento.

Historicamente, tem sido quase impossível desenvolver economias formais ao longo do rio. Os ciclos de expansão vêm e vão, e agora a coca é o produto dominante na região. “A coca para o camponês e para muitas comunidades se tornou um governo. É eletricidade, educação, moradia, alimentação e transporte”, explica uma liderança indígena de Puerto Leguízamo, um dos núcleos urbanos do departamento, município ao qual pertence Bellavista.

A vantagem da coca é que os compradores a pegam nas margens dos rios e pagam à vista. “Se você pegar 100 gramas de coca [pasta base] e vender, já fez para a consignação”, diz um raspachin morador de Bellavista. As colheitas de alimentos são para alimentar a comunidade, mas não fornecem o suficiente para comprar outros produtos. “A banana não serve para celular”, ri uma mulher.

A Coca mantém a economia local funcionando, mas também patrocina a guerra. “O cultivo, produção e venda de drogas ilícitas têm atravessado, alimentado e financiado o conflito interno”, refere-se no texto final do Acordo de Paz de 2016.

Um dos componentes mais importantes da paz na Colômbia é a reforma rural e o compromisso de mudar os motores do conflito interno: a pobreza e a desigualdade. Para trabalhar a questão das drogas, foi elaborado um plano de substituição de cultivos com uma ressalva: a erradicação forçada pode ser aplicada como último recurso. Com o Programa Nacional de Substituição Integral (PNIS) foram criados diferentes incentivos para os cocaleiros erradicarem suas matas.

No entanto, o PNIS tem sido subfinanciado desde a sua criação. “Não é que gostemos de plantar coca, mas nos sentimos compelidos porque não há outro jeito”, diz um cocalero que ingressou no PNIS em Puerto Leguízamo, mas voltou a cultivar quando seus pagamentos falharam.

Na sub-região de Caquetá-Putumayo, os hectares com coca aumentaram 45% em 2021 em relação a 2020 . Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), em Puerto Leguízamo havia 1.025 famílias cadastradas no PNIS, e 831 ainda estavam ativas no programa em 31 de julho de 2022.

Outras famílias que erradicaram as lavouras não foram incluídas no programa e os pagamentos chegaram atrasados ​​ou não chegaram para aqueles que foram incluídos. Enquanto isso, a erradicação manual forçada nunca parou, o que causou sérios atritos nos territórios durante os governos de Juan Manuel Santos (2010-2018). Posteriormente, o governo de Iván Duque (2018-2022) aumentou as metas anuais de erradicação, estratégia incentivada pelo governo de Donald Trump.

Embora fossem evidentes as consequências da hesitante implementação do Acordo de Paz, para a população cocaleira do Putumayo a dinâmica do conflito foi reconfigurada.

Grupos armados ressurgem

“Vivemos em três anos o que não vivemos em 50 anos de guerra”, diz uma liderança indígena de Puerto Leguízamo, com a bochecha cheia de mambe e tabaco líquido (ambil) na ponta do dedo. A coca sempre foi cultivada pelos povos indígenas da região. Eles usam para mambeo , uma prática tradicional de consumir a folha seca, transformada em pó e misturada com cinzas. A coca e o tabaco, duas plantas sagradas, são consumidas ritualmente para pensar, falar e analisar, mas também como proteção espiritual.

Somente no Putumayo, 15 massacres foram documentados desde o início de 2020, dos quais sete ocorreram em Puerto Leguízamo. Os perpetradores são vários: grupos criminosos, que continuam se autodenominando guerrilheiros; e o próprio Exército, como ocorreu em Alto Remanso em abril de 2022. Diferentes etnias e camponeses denunciam que muitos homicídios seletivos, desaparecimentos e chacinas não foram registrados.

Antes do Acordo de Paz, as Frentes 48, 15 e 32 das antigas FARC controlavam o Putumayo e o departamento vizinho de Caquetá. Após o desarmamento, por alguns anos com poucos incidentes e presença armada esporádica, novas estruturas se formaram na selva, e as comunidades passaram a receber as primeiras visitas e incursões de pessoas armadas em 2019.

Por um lado, a Frente Carolina Ramírez, comandada pelo vulgo ‘Danilo Alvizú’ e parte da franquia comandada por ‘Iván Mordisco’, cresceu rapidamente, recrutando novos combatentes e ocupando mais território, principalmente durante a pandemia. O grupo se autodenomina guerrilheiro, se dedica ao tráfico de drogas e arrecadação de cotas de plantadores de coca, fazendeiros e garimpeiros. Eles são mantidos principalmente ao longo do rio Caquetá.

Mais ao sul, ao longo do Rio Putumayo, estão os Comandos de Fronteira, nascidos como um grupo de ex-combatentes das FARC que pertenciam principalmente à Frente 48, com acréscimos de estruturas criminosas locais, como desmobilizados das Autodefesas Unidas da Colômbia ( AUC), agrupados em “La Constru”. Fontes ligadas às plantações de coca no Peru confirmam que os Comandos de Fronteira também estão presentes do lado peruano. Mario Pazmiño, analista de segurança e ex-diretor de inteligência do Equador, afirma que os Comandos de Fronteira estão naquele país há alguns anos. No início faziam pequenas incursões, mas agora têm presença permanente na zona fronteiriça com a Colômbia e o Peru.

Antes, os Comandos da Fronteira eram conhecidos como “La Mafia” ou “Sinaloa”, mas quando se autodenominaram Comandos Bolivarianos da Fronteira se dedicaram quase que exclusivamente ao narcotráfico e buscaram uma aliança com outra franquia dissidente das FARC: a Segunda Marquetalia, comandada por ‘Iván Márquez’, ex-negociador-chefe do Acordo de Paz.

Em Puerto Leguízamo, os dois grupos lutam entre os rios Caquetá e Putumayo. Os moradores costumam ouvir os tiroteios. O medo se instala na população quando as comissões armadas atravessam o rio, e as comunidades não sabem se vão desembarcar ou seguir viagem.

“Nesta casa não podem viver dois”, diz uma liderança indígena do rio Caquetá. Não se trata apenas de uma disputa por territórios de cultivo de coca, seus derivados e trânsito para compradores no Equador e no Brasil; mas também pelo controle social das comunidades e pela legitimidade política que buscam. Ambos os grupos armados estão conversando com o governo Petro para participar da ‘Paz Total’ enquanto continuam suas guerras.

Coca e desmatamento: os impactos chegam ao Peru

“Sempre houve colheitas. O que vai viver se ninguém compra nada. Os colochos [colombianos] vêm , pagam bem e não se espera fome”, diz uma liderança indígena do Putumayo, no Peru, que prefere não ser identificado. Ele garante que os grupos lutam do lado colombiano, não do outro lado da fronteira. Em 2019 e 2020, ele lembra que vários colombianos apareceram mortos no Peru, talvez por acerto de contas.

A produção de pasta base está enraizada há décadas na região. Um relatório do Congresso peruano de 2003 já se referia à “fronteira da coca”, e apontava o Putumayo como uma das áreas de expansão dessa cultura desde 1990, embora as lavouras já existissem desde 1984. Em 2021, o Putumayo peruano registrou uma Aumento de 37% nas áreas cultivadas: de 1.597 hectares em 2020 para 2.193, segundo dados da Comissão Nacional para o Desenvolvimento e Vida sem Drogas (DEVIDA). Mesmo com este aumento, segundo esta fonte oficial, o Putumayo representa pouco mais de 2,7% das áreas plantadas de coca no Peru.

“Os negócios ficaram selvagens na minha terra. Entre os paramilitares e a fumigação, o que poderia ser feito. Então, com minha mãe viemos para o Peru. Você faz seus negócios, você conversa, não mexe com ninguém. Se houver algum problema, ele sabe a quem reclamar”, diz Gustavito*, um colombiano que mora há 20 anos em El Estrecho, capital da província peruana de Putumayo, ponto de passagem para todos os negócios legais e ilegais. Gustavito chegou de La Chorrera, na Colômbia, no final dos anos 90. A maioria dos negócios em El Estrecho são colombianos. Ainda assim, todos reclamam da falta de trabalho e da miséria da cidade.

O consumo de cerveja e as acomodações são propriedade principalmente de colombianos que se estabeleceram em solo peruano. Todos eles afirmam ser comerciantes e formam uma comunidade unida. Para eles, El Estrecho é uma cidade tranquila, ideal para descansar. Os indígenas que moram no povoado não param de vê-los com desconfiança, mas as perguntas sobre El Estrecho sempre têm a mesma resposta. “Tudo está sempre quieto aqui”, repetem.

Mas entrando em confiança a realidade é conhecida. “Os dissidentes (das Farc), os Sinaloas, eles vêm todas as noites. Consumir, dançar, procurar as meninas. A Polícia e a Marinha sabem, mas não querem interferir”, diz Allison*, sentada em sua pequena barraca de comida. Os nomes desses visitantes são confusos para muitas pessoas. Ninguém quer perguntas no Estreito.

“Abrir um bar aqui seria um bom negócio”, diz Gustavito. O consumo calculado de cerveja colombiana em El Estrecho, povoado que afirma viver na miséria, supera os 480 mil soles mensais, cerca de US$ 125 mil. Os negócios são sustentados pelas compras dos visitantes, que por sua vez lucram com a pobreza do povo, a poluição da mineração e o desmatamento.

O impacto da exploração madeireira no Putumayo peruano, segundo o portal oficial GeoBosques, foi de 16.061 hectares nos últimos 21 anos. Desde 2016, quando foi assinado o Acordo de Paz na Colômbia, o desmatamento começou a disparar no lado peruano.

O Sistema de Informação de Combate às Drogas (SISCOD), que faz parte do DEVIDA, informa a evolução do narcotráfico na área, que coincide com o crescimento do desmatamento no lado peruano. A expansão dos cultivos está relacionada ao desmatamento e ao aumento dos cultivos no Putumayo daquele país. O Observatório Peruano de Drogas mostra a mesma informação.

Uma substituição falhada

À medida que crescia a decepção com os projetos do PNIS na Colômbia, muitos agricultores locais se depararam com a realidade: a coca é a única economia viável na região. Em 2016, o Putumayo colombiano tinha 25.162 hectares; em 2021, foram 28.205 medidas no departamento. Mas as lavouras não cresceram apenas do lado colombiano. É precisamente na Amazônia peruana que o cultivo de coca e o desmatamento aumentaram desde a assinatura da paz na Colômbia. Vários cocaleiros que participaram do PNIS plantaram novamente no lado peruano dos rios fronteiriços.

“As plantações de coca no Peru são grandes pra caralho”, diz um Caqueteño, dono de uma plantação de coca e ex-soldado do exército colombiano. Antes da pandemia, ele comprou 10 hectares na margem peruana do rio Putumayo para plantar coca no mercado negro de terras, e agora está vendendo por 100 milhões.

Um representante da COCCAM, Coordenação Nacional de Cultivadores de Coca, Papoula e Maconha, que vivia em Puerto Leguízamo, foi deslocado após várias ameaças e um ataque. Como signatário do PNIS, não recebeu os incentivos prometidos após a erradicação de seus quatro hectares de coca. “Esta foi uma violação completa”, disse ele. Muitos dos outros signatários do PNIS em Puerto Leguízamo atravessaram o rio. “A questão do Peru é que em grande parte faz fronteira com o nosso país, principalmente na fronteira com [Puerto] Leguízamo, e aí a questão do exército e da ordem pública se presta mais para trabalhar com esses cultivos”, explica.

“A área é muito tranquila para eles”, disse um funcionário de Puerto Leguízamo. “A lei peruana não os persegue.” A região do Alto Putumayo, no Peru, é menos povoada e há menos controle por parte das autoridades. No Putumayo colombiano, 16.190 hectares de plantações de coca foram erradicados entre 2016 e dezembro de 2022, segundo dados fornecidos pela Brigada da Selva Nº 27.

Com o aumento das lavouras, parte dos Comandos de Fronteira também migrou para o outro lado. O grupo encorajou os cocaleiros colombianos a aumentar suas fazendas no Peru. Segundo o representante do COCCAM, o aumento da coca no Peru durante a expansão dos grupos armados colombianos pela fronteira não é uma coincidência. “Grupos ilegais se aproveitam de famílias que não têm meios de subsistência (…) Levam para plantar lá”, diz.

Membros das comunidades indígenas do Peru também foram atraídos pela economia da coca. Alguns professores peruanos dizem que os alunos saem da escola para trabalhar com a folha. “Depois voltam com telemóveis, embriagam-se e alguns já estão viciados, porque parece que também lhes dão droga (…). Você os vê como loucos procurando aquela coisa suja ”.

“Condenamos os ilegais, mas o que podemos fazer quando os irmãos já se comprometeram com os criminosos”, diz um líder indígena na Amazônia peruana. “Os mais novos querem entrar no negócio. Eles os puxam para raspachines, para trabalhar com madeira. Dizem que ganham um bom dinheiro, mas alguns vão embora e não voltam mais”, diz outra liderança local.

Os cocaleros, em sua maioria colombianos, usam o Comando de Fronteira como um banco que concede empréstimos e os chamam de “a empresa”. “Eu te dou cinco milhões, e quando você começar a produzir esses cinco milhões de pesos, você vai me pagar em pasta de coca. Muitas vezes é assim que o negócio funciona”, diz um raspachín de Puerto Leguízamo.

Na área de Pacora, campo de atuação dos Comandos de Fronteira no Peru, houve um grande crescimento no plantio. “Essa é a área onde há maior quantidade de cultivos ilícitos”, diz o raspachín de Puerto Leguízamo. “Em Pacora é fácil subornar as autoridades indígenas e as forças públicas peruanas”, acrescenta uma liderança indígena colombiana.

Dados oficiais do Peru mostram quanto da produção de coca no Putumayo agora vem de territórios comunais. Há algum tempo as estatísticas do narcotráfico no Peru são questionadas; e uma comissão especial do Congresso foi criada para encontrar os números verdadeiros, mas os dados disponíveis são bastante rígidos.

os especialistas falam

O “efeito balão”, o deslocamento de plantações, às vezes além-fronteiras como consequência da conjuntura política, não é novidade, segundo Pedro Arenas, pesquisador da Corporación Viso Mutop, organização que monitora políticas de drogas para a Amazônia. “Está registrado desde os anos 1990. As colheitas foram ou voltaram, dependendo das políticas de perseguição de cada país”, comenta sobre o caso colombiano-peruano.

Para reformar as políticas de drogas em nível regional, a abordagem ambiental é essencial, segundo o pesquisador. Arenas diz que uma das plataformas pode ser o Parlamento da Amazônia, instância que reúne Colômbia, Peru, Bolívia, Brasil e Venezuela. Quando se trata dos Estados Unidos, diz ele, eles militarizaram a agenda ambiental. “O que acreditamos é que os Estados Unidos devem apoiar novas leis sobre drogas nas Américas com base nos direitos humanos, no acesso à saúde e na promoção do desenvolvimento”, opina.

No Peru, Rubén Vargas, analista especialista em narcotráfico e ex-diretor executivo da DEVIDA, afirma que o crescimento do narcotráfico no Putumayo se deve principalmente a fatores exógenos. “O crescimento dos grupos armados organizados residuais, as antigas FARC e seu controle daquela zona fronteiriça, bem como a enorme demanda do mercado brasileiro, são os principais fatores que determinam o crescimento do narcotráfico no Putumayo. As distâncias e os desafios operacionais para erradicar nessa área dificultam a atuação do Estado”, aponta.

Por sua vez, Álvaro Pastor, pesquisador do narcotráfico da Pontifícia Universidade Católica do Peru, aponta o óbvio: “Para que existam atividades ilegais, como o narcotráfico, é necessária uma conexão mínima com atores estatais”.

Em pleno Natal de 2022, um ano após o massacre de Bellavista, a justiça não foi feita e o perigo continua. No final de agosto, a comunidade foi ameaçada de deslocamento coletivo pela iminência de confrontos entre a Frente Carolina Ramírez e os Comandos de Fronteira. Então deixaram um bilhete na comunidade: “Informamos que, como comunidade, vocês devem desocupar o território por no máximo oito dias. Para o seu bem (sic)”.

A comunidade não se manifestou, mas sabe que está correndo riscos. “Esse é o medo que temos, que de repente esse grupo volte a invadir e a gente volte a viver o que a gente viveu”, diz um indígena. Enquanto isso, em El Estrecho, as respostas cotidianas das pessoas não mudam: “Aqui está tudo tranquilo”, dizem. Mas o silêncio, o medo e a necessidade falam por si.

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Nova espécie de inhambu é descrita na Serra do Divisor, no Acre

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Pesquisadores brasileiros descreveram oficialmente uma nova espécie de inhambu que vive apenas nas montanhas da Serra do Divisor, no Acre, reforçando a importância científica e a vulnerabilidade dessa região da Amazônia. A ave, batizada cientificamente de Tinamus resonans e conhecida como sururina-da-serra, foi registrada em uma estreita faixa de altitude, entre cerca de 300 e pouco mais de 400 metros, em áreas de floresta montana dentro do Parque Nacional da Serra do Divisor, na fronteira com o Peru. A confirmação da espécie foi publicada em dezembro de 2025 na revista Zootaxa e é resultado de expedições de campo realizadas entre 2021 e 2025.

A Serra do Divisor é um maciço isolado no extremo oeste da Amazônia brasileira, com picos que chegam a 800 metros e ambientes que vão de florestas submontanas a formações mais baixas e secas no topo, sobre solos arenosos, pobres em nutrientes e sujeitos a ventos constantes. Esse conjunto de condições cria habitats raros na região, com avifauna própria e espécies endêmicas, entre elas o papa-formiga Thamnophilus divisorius e, agora, a sururina-da-serra.

A história da descoberta começou em outubro de 2021, quando o ornitólogo Fernando Igor de Godoy gravou um canto diferente no alto da Serra do Divisor. A vocalização lembrava a de inhambus do gênero Tinamus, mas não coincidia com nenhuma espécie conhecida, mesmo após comparação com gravações disponíveis e consulta a especialistas. “Assim que saí, já ouvi esse inhambu cantando. Como já trabalhei muitos anos no Acre, conheço bem a avifauna da região. Eu tinha certeza que era alguma coisa nova”, afirma Godoy, que decidiu registrar o som e enviá-lo a vários pesquisadores.

Nos anos seguintes, o mesmo padrão de canto foi novamente detectado, mas sem sucesso na observação detalhada da ave, devido à vegetação densa, ao terreno íngreme e a um fenômeno acústico que difunde o som no sub-bosque e dificulta localizar a origem da voz. Em novembro de 2024, usando playback construído a partir das primeiras gravações, o pesquisador Luis A. Morais conseguiu atrair dois indivíduos, registrar fotos em boa qualidade e confirmar que se tratava de um inhambu com plumagem não descrita até então. Após obtenção das licenças ambientais, a equipe coletou exemplares e iniciou a análise morfológica, ecológica e acústica que embasou a descrição formal da espécie.

O artigo científico apresenta a sururina-da-serra como uma nova espécie de Tinamus associada às florestas montanas da Serra do Divisor. A ave possui máscara facial escura, peito ferrugíneo, dorso marrom-acinzentado uniforme, sem barras, e partes inferiores com áreas claras no ventre e flancos discretamente marcados. A vocalização é descrita como um canto longo, que pode ultrapassar 45 segundos, dividido em seções sucessivas com notas prolongadas, seguidas de frases tremuladas, em um dos repertórios mais extensos já registrados para a família dos tinamídeos.

No trabalho de campo, os pesquisadores usaram playback, gravação acústica, observação direta e georreferenciamento dos pontos de escuta para mapear a distribuição da espécie nas encostas da serra. A partir da distância média entre indivíduos detectados e do recorte de altitude em que a sururina-da-serra foi registrada, foi elaborado um modelo de habitat potencial. O estudo estima densidade de aproximadamente um indivíduo a cada 30 hectares e uma população total em torno de 2.100 aves restritas ao maciço da Serra do Divisor.

As expedições também revelaram um comportamento incomum em comparação com outros inhambus amazônicos. A espécie se desloca pelo solo da floresta e permite aproximação humana sem demonstrar reação de fuga, em um ambiente onde quase não há grandes mamíferos predadores, como onças, queixadas e raposas. “Ele não reconhece o ser humano como ameaça. A gente chega a quatro, cinco metros e ele continua andando, como se nada estivesse acontecendo”, relata Luis Morais, ao comparar a situação com a história do dodô, ave terrestre extinta nas ilhas Maurício.

Segundo o artigo e o relato dos pesquisadores, a sururina-da-serra vive em um tipo de vegetação altimontana com solos arenosos irregulares, camada densa de matéria orgânica, raízes expostas e alta umidade, em um mosaico de campinaranas de topo de serra e florestas de porte mais baixo. Esse ambiente forma uma espécie de “ilha no céu”, sem equivalentes em outras áreas da Amazônia. Como a espécie ocupa apenas uma faixa altitudinal estreita e não desce para as florestas de baixio, o habitat disponível é fisicamente limitado pelas encostas e não tem espaço para se expandir.

Apesar de a área estar protegida pelo Parque Nacional da Serra do Divisor, os pesquisadores alertam que a combinação entre distribuição restrita, dependência de um microambiente específico e comportamento pouco defensivo aumenta a vulnerabilidade da sururina-da-serra. A principal preocupação é o efeito das mudanças climáticas sobre a vegetação de altitude. “Se a temperatura subir ou o regime de chuvas se alterar, esse ‘andar’ da montanha tende a se deslocar para cima em busca de condições mais frias. O problema é que não existe ‘mais acima’. O habitat da espécie já está no ponto mais alto possível. Ou seja, ela não tem para onde ir”, explica Morais.

O estudo também cita ameaças associadas a projetos de infraestrutura e mudanças no status de proteção da unidade de conservação. Propostas para rebaixar o parque a Área de Proteção Ambiental, permitir mineração em áreas montanhosas e construir rodovia ligando Cruzeiro do Sul a Pucallpa, além de uma ferrovia transcontinental cortando a Serra do Divisor, são apontadas como impactos potenciais sobre o habitat da sururina-da-serra e de outras espécies endêmicas da região. Incêndios florestais e a introdução de animais domésticos no alto da serra são mencionados como fatores adicionais de risco, capazes de alterar rapidamente o equilíbrio ecológico em uma área pequena e isolada.

Para os autores da descrição, a descoberta de Tinamus resonans reforça o papel da Serra do Divisor como centro de endemismo de montanha na Amazônia ocidental e amplia a responsabilidade do país na proteção desse patrimônio natural. O artigo destaca que a última descrição de uma espécie desse grupo de inhambus florestais havia ocorrido há cerca de 80 anos. “Eu acho que todo ornitólogo sonha em encontrar uma espécie nova. Quem já passou tempo no mato imagina como seria descobrir algo totalmente inusitado para a ciência. E é exatamente esse sonho que estou realizando”, afirma Fernando Igor de Godoy.

Os pesquisadores defendem que a nova espécie pode se tornar um símbolo da conservação do único parque nacional do Acre e fortalecer atividades de ecoturismo, como a observação de aves, já praticadas na Serra do Divisor. Ao mesmo tempo, apontam a necessidade de estudos adicionais sobre a ecologia, a reprodução e a dinâmica populacional da sururina-da-serra, para embasar estratégias de manejo capazes de garantir a persistência da espécie diante das pressões ambientais e de decisões sobre o uso do território na região de fronteira.

Confira o estudo completo >> https://mapress.com/zt/article/view/zootaxa.5725.2.6?fbclid=PAdGRleAOcCpJleHRuA2FlbQIxMQBzcnRjBmFwcF9pZA8xMjQwMjQ1NzQyODc0MTQAAafyw2ztilC7jKrvDoO8v84MeQpR8dv5omp-L6U37TOrLH5cqdVBA9mlEvYB9A_aem_byq-DucJx2qMsR38Gmu8uQ

Foto: Luis Morais

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MEIO AMBIENTE

Marina Silva afirma que Brasil manterá agenda sobre fim do desmatamento e combustíveis fósseis após a COP30

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A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, afirmou que o Brasil continuará liderando o debate internacional sobre o fim do desmatamento e a redução da dependência de combustíveis fósseis até o fim de 2026, período em que o país permanece na presidência do processo multilateral das negociações climáticas. A declaração foi feita após a COP30, em Belém, e reforça que, mesmo fora da decisão final da conferência, os países seguirão construindo seus próprios mapas de transição.

Marina Silva explicou que a presidência brasileira atuará para criar condições que permitam a cada nação definir sua rota. Segundo ela, o Brasil trabalha internamente desde 2003 para avançar no desmatamento zero por meio de políticas federais e conduz, de forma planejada, o processo de afastamento dos combustíveis fósseis. A ministra citou ainda que o país opera uma matriz energética composta por 45% de fontes renováveis, índice que considera representativo nas negociações.

Ao comentar o contexto das discussões internacionais, Marina Silva afirmou que as decisões enfrentam pressões políticas globais. “Sabemos da dificuldade no processo decisório em um contexto geopolítico tão difícil como este que estamos vivendo, em que os Estados Unidos saíram do Acordo de Paris e têm força gravitacional no sentido de tentar barrar os avanços”, disse. Ela destacou, porém, que houve resultados considerados importantes no campo da adaptação, como recomendações de ampliação de recursos para países em desenvolvimento e inclusão de povos tradicionais e mulheres nas tomadas de decisão.

A ministra também enfatizou a participação social na COP30. Em sua avaliação, a presença de movimentos, pesquisadores, empresas e visitantes marcou o encontro. “A participação social fez a diferença”, afirmou. Segundo ela, mais de 300 mil pessoas circularam pela Zona Verde, enquanto a Zona Azul registrou níveis de engajamento acima do padrão histórico. Marina afirmou ainda: “Tivemos uma COP30 com alta qualidade na participação da sociedade, da comunidade científica, do setor empresarial”.

Marina Silva defendeu que o Brasil se prepare para captar investimentos direcionados à transição climática e ao uso sustentável de recursos. Ela afirmou que o cenário econômico global exigirá novos padrões de desenvolvimento, com limites para pressões sobre florestas, água e biodiversidade. Em sua avaliação, os recursos acumulados historicamente precisam ser direcionados para energia renovável e tecnologias de produtividade agrícola. “Não é mais a lógica de transformar natureza em dinheiro. É usar o dinheiro que foi ganho em prejuízo da natureza e investir em energia limpa, do sol, do vento, da biomassa”, afirmou.

A ministra concluiu que a crise climática pode ser transformada em oportunidade para reorganizar práticas econômicas e institucionais. Para ela, governos, empresas e setor financeiro precisam ajustar estratégias para um período que define como um novo contexto global, marcado por mudanças ambientais constantes.

Fonte e foto: Agência Brasil

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Licenciamento ambiental passa a ser responsabilidade da Prefeitura de Rio Branco a partir de 1º de dezembro

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A Prefeitura de Rio Branco colocará em vigor, a partir de 1º de dezembro, novas regras para o licenciamento ambiental no município, após a publicação de um decreto que redefine o enquadramento das atividades sujeitas ao processo. A mudança transfere oficialmente para o município a responsabilidade que antes era do Governo do Estado, alterando procedimentos e prazos para análise de empreendimentos com potencial de impacto ambiental .

O novo modelo estabelece que o licenciamento inicia com a emissão da licença prévia e da certidão de viabilidade ambiental, instrumentos utilizados para avaliar se a atividade pode ser instalada no local pretendido. Segundo o chefe do Departamento de Licenciamento Ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Cledson Reis, o processo segue parâmetros administrativos que organizam cada etapa da análise. “Nós temos um decreto para análise desses processos em 30 dias ou até em 60 dias. Esses são os benefícios. O licenciamento é um processo administrativo. Então ele começa com uma licença prévia e também com uma certidão de viabilidade ambiental. Assim, nós avaliamos se o empreendimento ou atividade está no local de viabilidade ambiental. Caso não esteja, o processo é indeferido porque impede seu desenvolvimento correto”, afirmou .

Com a publicação do decreto municipal e da Portaria nº 13/2025, o município passa a regulamentar 839 atividades econômicas consideradas de impacto local. Desse total, quase 300 passam a ser dispensadas do licenciamento. A secretária municipal de Meio Ambiente, Flaviane Stedille, destacou que a transferência de responsabilidade consolida o papel da Prefeitura na prevenção de riscos ambientais e na análise prévia de cada empreendimento. “Foi uma vitória dessa gestão conseguir trazer o licenciamento ambiental para o município de Rio Branco. A portaria define quais são as atividades econômicas de impacto local. O licenciamento é uma medida preventiva, pois nos permite avaliar o local onde o empreendimento será instalado, identificar risco de alagação ou possíveis danos futuros conforme o projeto proposto. Tudo isso é avaliado nessa fase do licenciamento”, explicou .

A normativa moderniza o procedimento adotado pelo município, revogando a Portaria nº 7, de 24 de maio de 2024. Além de reorganizar critérios e etapas, o novo regramento estabelece parâmetros técnicos atualizados para construções e atividades que possam gerar impactos ambientais. A expectativa é que o processo traga maior segurança jurídica, reduza irregularidades e permita ações preventivas que evitem danos ambientais e prejuízos a empreendedores.

Fonte: Assessoria

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