A criação de grupos reflexivos para homens condenados por violência de gênero tem se mostrado uma estratégia eficaz na redução da reincidência de casos e pode servir de referência para políticas públicas em todo o país. O modelo, desenvolvido no sistema prisional e voltado à responsabilização dos agressores, mostrou que o acompanhamento coletivo e o debate sobre masculinidade podem modificar comportamentos e diminuir novas ocorrências de violência.
No programa, conhecido como Serviço de Educação e Responsabilização do Homem (SerH), cerca de mil internos já participaram das atividades desde o início da iniciativa. Dos que cumpriram pena e deixaram o sistema prisional, apenas 1,5% voltaram a ser denunciados por novas agressões, em contraste com índices anteriores que alcançavam 17%. O método consiste em oito encontros coletivos, com duração de 50 minutos cada, onde grupos de até 35 homens discutem temas ligados a gênero, poder e violência.
O diretor do Instituto Mapear, Luciano Ramos, responsável pela condução dos encontros, explica que o objetivo é romper o ciclo de violência. “Muitos acreditam que estão presos por causa das mulheres, e não pelos seus próprios atos. Os grupos ajudam esses homens a compreenderem a responsabilidade sobre suas ações e as consequências de seus comportamentos”, disse.
A iniciativa conta com a participação voluntária dos internos e não está vinculada a benefícios de pena. Após o término das sessões, os participantes são monitorados por um ano. Para a secretária de Estado da Mulher, Heloisa Aguiar, o modelo pode inspirar políticas em outros estados. “Investimos em fazer diferente porque precisamos de resultados diferentes”, afirmou.
Uma pesquisa aplicada antes e depois da participação nos grupos revelou mudanças expressivas na percepção dos participantes. O reconhecimento de que forçar relações sexuais configura violência passou de 83,4% para 91,6%. Já o entendimento de que esconder dinheiro ou documentos é uma forma de violência patrimonial aumentou de 34% para 76,5%. O percentual dos que identificam o controle da vestimenta da parceira como violência psicológica subiu de 57,1% para 80%.
O levantamento também traçou o perfil dos participantes: a maioria tem até 34 anos, com quase 40% abaixo dos 23 anos. Entre eles, 73% se autodeclaram negros, 63,4% são evangélicos e um terço não concluiu o ensino fundamental. O uso de substâncias é frequente, com 64% relatando dependência de álcool, 38% de cocaína e 28% de crack. Quanto aos tipos de crime, 45% foram condenados por violência física, 31% por violência psicológica ou verbal e 20% por descumprir medida protetiva.
O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, Marcos Nascimento, que estuda masculinidades e violência de gênero, destaca que a metodologia dos grupos está prevista na Lei Maria da Penha e deve ser expandida. “Se os homens são parte do problema, precisam ser parte da solução. A responsabilização e a ressignificação da masculinidade são fundamentais para reduzir a violência e proteger mulheres e meninas”, afirmou.
O resultado obtido pelo programa reforça a importância de políticas de prevenção baseadas na educação, na escuta e na reflexão. O modelo propõe que a transformação de condutas masculinas violentas seja parte estruturante das ações de enfrentamento à violência contra a mulher em todo o Brasil.
Fonte: EBC