Professores da educação básica e do ensino superior, das redes pública e privada, relatam que a censura e a perseguição política fazem parte do cotidiano escolar no Brasil, segundo pesquisa do Observatório Nacional da Violência Contra Educadoras e Educadores, da Universidade Federal Fluminense, realizada em parceria com o Ministério da Educação e divulgada em dezembro de 2025.
O estudo ouviu 3.012 profissionais de todas as regiões do país e identificou que nove em cada dez educadores já sofreram diretamente algum tipo de violência ou presenciaram situações de censura envolvendo colegas. O levantamento teve como foco práticas que limitam a liberdade de ensinar, como proibições de conteúdo, intimidações, perseguições políticas e questionamentos agressivos sobre métodos pedagógicos.
Os dados mostram que 61% dos professores da educação básica e 55% do ensino superior afirmaram ter sido vítimas diretas dessas situações. Entre os relatos mais frequentes estão tentativas de intimidação, questionamentos hostis sobre o trabalho docente e proibições explícitas de tratar determinados temas em sala de aula. Também aparecem registros de agressões verbais, remoções de função, transferências forçadas, demissões e, em menor proporção, agressões físicas.
De acordo com o coordenador da pesquisa, professor Fernando Penna, a censura não se restringe a casos isolados e está presente em diferentes níveis e etapas da educação. Segundo ele, o objetivo do estudo foi mapear violências voltadas a impedir que professores abordem conteúdos previstos nos currículos ou utilizem materiais oficiais, muitas vezes sob acusações de doutrinação. Penna afirmou que a pesquisa identificou professores impedidos de tratar temas como vacinação, teoria da evolução, gênero, sexualidade e violência sexual, inclusive em contextos em que essas discussões são consideradas essenciais para a formação dos estudantes.
O levantamento aponta que as principais motivações para os ataques à prática docente estão ligadas a questões políticas, citadas por 73% dos entrevistados, seguidas por temas relacionados a gênero e sexualidade, religião e negacionismo científico. A maioria dos educadores que relatou violência afirmou que os episódios ocorreram mais de uma vez, indicando recorrência ao longo da trajetória profissional.
Outro dado destacado pela pesquisa é a origem das agressões e da censura. Segundo os professores, os principais agentes dessas práticas são integrantes da própria comunidade escolar ou universitária, como direções, coordenações pedagógicas, familiares de estudantes e alunos. Para Penna, esse cenário demonstra que a violência deixou de ser apenas uma pressão externa e passou a integrar o cotidiano das instituições de ensino, refletindo disputas políticas mais amplas da sociedade.
A análise temporal do estudo indica que os casos de violência contra educadores aumentaram a partir de 2010, com picos registrados em 2016, 2018 e 2022, anos marcados por processos eleitorais nacionais. De acordo com o coordenador, esses dados reforçam a relação entre o ambiente de polarização política e o crescimento das tensões no espaço educacional.
As consequências relatadas pelos profissionais atingem tanto a vida pessoal quanto a atuação profissional. Parte dos entrevistados afirmou sentir insegurança constante, desconforto no ambiente de trabalho e necessidade de autocensura. O estudo registra ainda que cerca de um quinto dos professores afetados decidiu mudar de local de trabalho por iniciativa própria, enquanto outros acabaram deixando a profissão.
A pesquisa também identificou diferenças regionais, com maior número de relatos diretos de violência nas regiões Sudeste e Sul, embora situações de censura tenham sido mencionadas em todas as regiões do país. No total, 93% dos educadores disseram ter tido algum tipo de contato com episódios de censura, seja de forma direta, indireta ou por relatos de terceiros.
Como encaminhamento, o Observatório defende a criação de uma política nacional de enfrentamento à violência contra educadores, com medidas de proteção e canais de denúncia, especialmente em períodos eleitorais, quando os casos tendem a se intensificar. Segundo a pesquisa, o Ministério da Educação já discute ações nesse sentido, em articulação com o Ministério dos Direitos Humanos, e novos relatórios com análises complementares ainda serão divulgados.
Fonte: Agência Brasil