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Opinião

Quando a aliança vira alvo: A covardia pós-eleição em Rio Branco

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Por André Kamai* e Daniel Zen**

Nessas duas semanas que se sucedem ao resultado das eleições municipais, temos lido e ouvido todo tipo de análise sobre a vitória de Bocalom e a derrota de Marcus Alexandre aqui em Rio Branco, capital do nosso Acre.

O discurso que emana das hostes emedebistas é o mais recorrente: o de que a responsabilidade pela derrota de seu candidato foi da aliança com o PT e demais partidos do chamado campo progressista de esquerda. Chegam a culpar o Governo Federal por nada ter feito para impedir a liberação de R$ 140 milhões do empréstimo que a Prefeitura contraiu junto ao Banco do Brasil, para custear as ações do programa Asfalta Rio Branco.

Analisemos os números: a votação obtida em Rio Branco por Marcus Alexandre, ainda no PT, na eleição para governo de 2018, foi de 64.165 (32,11%) votos. Agora em 2024, seis anos depois e já no MDB, a votação foi de 68.824 (34,77%) votos. Ou seja: a ida dele para o MDB, entendida como uma redenção, só foi capaz de lhe agregar míseros 4.659 votos ao ativo já construído em sua trajetória no PT.

Por sua vez, os candidatos a vereador da FÉ-BRASIL obtiveram, na somatória, 8.971 votos. Já os da federação PSOL/REDE obtiveram 2.776. Com toda a alegada rejeição, o fato é que, juntos, os partidos do chamado campo progressista de esquerda que estavam na aliança com o MDB obtiveram 11.747 votos. Isso equivale a 17% da votação majoritária. E nem estamos considerando a votação do PSB – que teve candidatura própria – e nem do PSD, que tinha a candidata a vice-prefeita na chapa.

Isso quer dizer que, se os partidos do campo de esquerda que estiveram na aliança com o MDB tivessem lançado candidatura própria a prefeito, certamente não teriam ganhado a eleição, mas, a diferença de votos do Bocalom para o Marcus teria sido ainda maior.

Ao invés de proceder com uma autocrítica sincera e perceber os próprios erros e fragilidades na condução da campanha, além de enxergar o óbvio e calibrar a mira para o adversário que, ao abusar da força do dinheiro e das máquinas públicas, impôs mais uma derrota ao seu candidato, setores do “Glorioso” preferem atacar um “aliado”. Colocar a culpa no PT, na esquerda ou em quem quer que seja é de uma covardia sem limites. É um comportamento medíocre, típico de partidos fracos e oportunistas.

A responsabilidade pela derrota é, pois, muito mais do MDB do que de qualquer aliado seu. Disseram que haveria recursos para a campanha majoritária quando, em verdade, não tinham um pau pra dar num gato. Não ajudaram os candidatos a vereador dos demais partidos com nada. Nem os tradicionais santinhos, havia. Os candidatos do MDB e suas equipes sequer participavam das atividades da campanha majoritária, que só aconteciam graças a presença dos antigos aliados de Marcus Alexandre que, mesmo renegados e diante do naufrágio iminente, não abandonaram o barco, seguindo firmes do início ao fim.

Ademais, em campanhas majoritárias, só tem espaço pro quente e pro frio. Morno, dá dor de barriga. Pro bem ou pro mal, tem que ter lado. Com um lado bem definido você pode até não ganhar. Mas, em cima do muro, você perde sempre.

*André Kamai é vereador eleito pelo Partido dos Trabalhadores em Rio Branco
**Daniel Zen é professor do Curso de Direito da UFAC e presidente do Diretório Regional do PT/AC

Educação

Sistema Nacional de Educação merece celebração, mas acende alerta; artigo de Binho Marques

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Temos motivos de sobra para celebrar. A aprovação do SNE (Sistema Nacional de Educação) é uma conquista histórica, que coroa quase 1 século de lutas – das vozes pioneiras de 1932 às centenas de gestoras, professores e militantes que, em diferentes tempos, acreditaram que o Brasil precisava de um sistema nacional capaz de garantir unidade na diversidade.

Mas a festa não pode nos distrair. O SNE nasce como um sistema de sistemas – um organismo vivo, federativo, descentralizado, de múltiplas camadas. Por isso, será ainda mais complexo que o SUS (Sistema Único de Saúde), ao qual tem sido constantemente comparado. A analogia é justa, mas não literal.

O SUS é hierárquico e quase prescritivo. A educação, por essência, é mais plural e processual. O que o SNE compartilha com o SUS não é a forma, mas o propósito: a defesa do bem público, o compromisso com a universalidade, a coragem de transformar um direito em política concreta.

O SUS é o irmão mais velho, que enfrentou os caminhos mais duros. O SNE é o caçula da federação cooperativa – chega mais tarde, mas traz a mesma vocação de justiça e solidariedade.

No entanto, o maior desafio, definidor da viabilidade do sistema, ainda está à frente: definir o que é padrão de qualidade de sua constituição sem cair na armadilha da qualidade padrão. A diferença parece sutil, mas é profunda.

O padrão de qualidade é o piso de direitos que a Constituição garante a toda criança e jovem, onde quer que vivam. A qualidade padrão é o contrário disso: um molde único, que ignora culturas, territórios e contextos.

Um país tão diverso quanto o Brasil não pode ser educado sob uma régua só. A ideia de “padrão de qualidade” já foi capturada por simplificações perigosas. Quando o CAQ (Custo Aluno Qualidade) surgiu, era uma equação para entender que qualidade se podia alcançar com os recursos disponíveis. Depois, virou o oposto: quanto precisamos gastar para alcançar uma qualidade ideal.

A mudança ajudou a enfrentar o subfinanciamento, mas também congelou a ação e a inovação entre os gestores dos sistemas subnacionais – como se a qualidade só existisse quando o dinheiro estivesse todo garantido. O SNE precisa romper com esse determinismo. Financiamento e qualidade caminham juntos, mas não se reduzem um ao outro.

O desafio real é articular custo, equidade e diversidade – equilibrar justiça distributiva e liberdade pedagógica. Isso significa usar o SNE para organizar todas as formas de complementação supletiva da União e dos Estados em torno de um princípio comum: justiça educacional com equidade.

O Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) foi um avanço, mas as desigualdades permanecem imensas. Se o SNE não orientar os fluxos de financiamento e os critérios de redistribuição, será só um novo nome para velhos desequilíbrios.

Diferentemente do que muitos dizem, o SNE não é o “SUS da educação”. Ainda bem. Educar é muito mais do que prestar um serviço: é formar pessoas, reconstruir laços, produzir sentido coletivo e fortalecer a democracia, com pessoas altivas, autônomas, produtivas e mais felizes.

O SNE precisa aprender com o SUS em seus propósitos, mas não em sua forma. A educação não cabe em protocolos; precisa de princípios, não de checklists.

A aprovação do SNE é um passo monumental, mas é só o início. A etapa mais difícil virá em seguida: transformar uma lei em prática federativa, um texto em política viva, uma ideia em sistema real. E, sobretudo, garantir que o “padrão nacional de qualidade” se traduza em diversos modelos com a mesma dignidade – escolas diferentes, mas igualmente boas; territórios distintos, mas igualmente respeitados.

Se o SUS nos ensinou a cuidar da vida, o SNE nos desafia a ensinar a aprender nesse mundo dinâmico em profundas transformações. Cabe à educação também cuidar dos nossos sonhos. Que o Brasil volte a sonhar.

Saibamos aprender com o irmão mais velho, sem perder o brilho do caçula.


Sobre o autor:
Binho Marques, 62 anos, é ex-governador do Acre (2007-2010). Historiador e mestre em educação pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Atuou como professor, gestor público, secretário de Educação (municipal, estadual e no MEC/SASE), consultor do Unicef e parceiro de Chico Mendes em comunidades extrativistas. Hoje integra o Conselhão e atua na tmc1 – escola de gestão.

Artigo publicado originalmente no Poder 360

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Opinião

Unidade de direitos, diversidade de meios – Artigo de Binho Marques

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O Brasil está às vésperas de aprovar o Sistema Nacional de Educação (SNE). O debate é intenso e, muitas vezes, confuso. Uma comparação recorrente é com o SUS. Mas a analogia é enganosa. O SUS é único. O SNE será um sistema de sistemas, como me disse o ex-deputado Carlos Abicalil. Essa diferença é decisiva. Educação não pode ser tratada como saúde. A diversidade brasileira e a essência da educação exigem outro olhar.

O ponto central é a definição de qualidade. Fala-se muito no Custo Aluno Qualidade, o CAQ. Mas, afinal, o que é o CAQ? Ainda não existe definição oficial. Para alguns, basta listar insumos nacionais. Para outros, cada rede deve definir seus padrões. O risco é cair em extremos: ou uma lista rígida e nacional, ou um vale-tudo local. Nenhum dos dois serve. Precisamos de equilíbrio.

Esse debate não é novo. Em 1932, os Pioneiros da Educação defendiam uma escola única, mas não uniforme. A unidade estava nos princípios: escola pública, gratuita, laica e obrigatória. A diversidade aparecia nos modelos. Essa intuição sobrevive. Na Constituição de 1988, está escrito: a educação deve garantir padrão mínimo de qualidade em todo o país. Unidade de direitos. Diversidade de meios.

Nos anos 1990, pesquisadores do IPEA tratavam o CAQ como cálculo simples: com o recurso disponível, que qualidade é possível? Nos anos 2000, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação inverteu a lógica: qual o custo necessário para alcançar qualidade? Essa virada enfrentou o subfinanciamento, mas trouxe também o risco de checklist e judicialização. Diversidade e inovação, zero. O Parecer CNE/CEB nº 8/2010, mesmo revogado, cristalizou essa visão.

Hoje, o desafio é maior. Como lembrou Milton Santos, o território brasileiro é um mosaico. Não há como impor um único modelo de escola para realidades tão diferentes. O que se pode fazer é fixar princípios nacionais — equidade, infraestrutura adequada, currículo relevante e respeito às identidades e culturas. A partir daí, cada território define como aplicar. Cabe aos órgãos de controle avaliar se os meios são adequados aos princípios e recursos e se os resultados garantem o direito. Cabe ao MEC criar sistemas de avaliação coerentes. Responsabilidades e responsabilização.

O novo Fundeb abriu caminho. Incorporou à Constituição o conceito de VAAT (Valor Aluno Ano Total), que permite equilibrar as visões dominantes de CAQ. A transparência de quanto cada ente federativo tem para financiar a educação básica permitirá ao INEP e à Comissão Intergovernamental definir um padrão de qualidade sem impor uma qualidade padrão. Isso pode reduzir desigualdades e, ao mesmo tempo, preservar a autonomia pedagógica das redes. Como lembra Zara Figueiredo, equidade não é igualar tudo. É garantir que as diferenças não se transformem em injustiças.

Este é o nosso verdadeiro desafio: ter escolas de qualidade sem aprisioná-las a tabelas de insumos. A fórmula para enfrentar o dilema precisa ser simples e complexa: unidade de direitos, diversidade de meios. Nenhum estudante pode ficar abaixo do piso constitucional. Mas cada rede deve encontrar seus próprios caminhos.

A imagem de uma escola padrão e uniforme não pode retratar a educação brasileira do século XXI. Muito menos um arquipélago de desigualdades, com ilhas de excelência e oceanos de exclusão. A educação nacional deve ter um padrão de qualidade expresso em escolas diversas, alinhadas por princípios comuns. Só assim a educação será digna, equitativa e transformadora.

Binho Marques é ex-governador pelo PT do Acre e atualmente é membro honorífico do Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed) e membro do Conselho Deliberativo do Todos pela Educação.

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MEIO AMBIENTE

Amazônia. Floresta de gente, não de mitos

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A Amazônia ocupa um lugar singular no mundo. Reconhecida como o bioma mais biodiverso do planeta, com mais de 40 mil espécies de plantas, 2,5 milhões de espécies animais e cerca de 20% da água doce da terra, ela também é lar de mais de 30 milhões de pessoas. Nesse território vasto e complexo convivem povos indígenas, comunidades tradicionais, agricultores familiares e grandes centros urbanos, todos atravessados por dilemas cotidianos de acesso a direitos básicos como saúde, saneamento, educação e segurança.

Sou mulher, mãe, amazônida, de família extrativista, filha de uma avó parteira de seringal. Mais tarde ocupei cargos públicos no governo federal e estadual, presidi fóruns da Amazônia Legal e chefiei delegações brasileiras em conferências internacionais. Trago comigo a memória ancestral da floresta e a responsabilidade de quem esteve em espaços de decisão global. Essa vivência me ensinou que a Amazônia não pode ser reduzida a um mito. Ela não é apenas o “pulmão do mundo”, nem um santuário intocado que serve apenas ao planeta. É território vivo, de gente que sonha, luta e enfrenta cotidianamente desafios que não podem ser ignorados.

Os números revelam essa contradição. Segundo a PNAD Contínua (IBGE), cerca de 40% da população da Amazônia Legal vive abaixo da linha da pobreza, enquanto menos de 20% tem acesso a saneamento básico em alguns estados. A insegurança alimentar atinge quase metade dos lares rurais e a cobertura de esgoto no Norte mal chega a 14%. Esses dados sociais se sobrepõem à pressão sobre a floresta: em 2023, mais de 85% da perda florestal do Brasil ocorreu na Amazônia. No ciclo mais recente, entre agosto de 2024 e julho de 2025, o desmatamento caiu para 4.495 km², o segundo menor da série histórica, mas os incêndios devastaram 156.000 km², uma área maior que a Grécia. Isso mostra que, embora haja avanços na contenção do corte raso, o uso do fogo segue sendo uma ameaça urgente.

É neste cenário que a verdadeira equação se impõe. Não se trata de escolher entre floresta ou pobreza. Trata-se de garantir conservação com prosperidade. O desmatamento, ao contrário do que muitos acreditaram, não trouxe riqueza. Trouxe degradação, violência e desigualdade. As áreas que mais desmatam são também as de piores índices de desenvolvimento humano, o que evidencia que derrubar a floresta não gera prosperidade duradoura. Mas é igualmente injusto pedir que populações que vivem sem água potável, sem renda, sem escola e sem saúde sejam guardiãs da floresta sem que se lhes assegure dignidade.

A resposta passa por governança multiescalar e pelo fortalecimento de capacidades locais. É preciso coordenação entre municípios, estados, União e instâncias internacionais, mas também é necessário enfrentar a realidade concreta: estradas precárias, logística cara, falta de conectividade, ausência de serviços básicos e pressão do crime organizado. Sem investimentos em infraestrutura, saúde preventiva, educação contextualizada e oportunidades econômicas, nenhum projeto se sustenta.

Aqui o setor privado tem papel estratégico. Não como ator predatório, mas como parceiro de transformação. A bioeconomia, os créditos de carbono e biodiversidade de alta integridade, as cadeias produtivas sustentáveis e os investimentos em inovação podem colocar o Brasil, o país mais biodiverso do mundo, na liderança da economia verde global. Mas isso exige regras claras, segurança jurídica e governança transparente. Empresas, governos e comunidades precisam ser coprodutores de soluções que valorizem os ativos ambientais e gerem benefícios diretos para quem vive na Amazônia.

A floresta só terá futuro se significar também dignidade para as pessoas. Acesso à água potável, saneamento, escolas de qualidade, energia renovável, conectividade e justiça social não são bônus: são requisitos para que a floresta se mantenha em pé. O romantismo que vê a Amazônia apenas como reserva ecológica ignora que ela também é feita de cidades, famílias, histórias e urgências.

Pensar a Amazônia no século XXI significa reconhecer sua complexidade. É floresta e é gente, é local e é global. E só haverá Amazônia para o mundo se houver Amazônia digna para quem nela vive.

*Julie Messias, Diretora Executiva da Aliança Brasil NBS

Julie Messias é especialista em governança climática e inovação para conservação na Amazônia. Foi Secretária de Meio Ambiente do Acre e liderou a Força-Tarefa dos Governadores pelo Clima e Florestas (GCF TF – Brasil). No MMA, conduziu a agenda de biodiversidade e REDD+, e no Acre implementou o Programa REM, primeiro projeto jurisdicional de REDD+ do Brasil. Hoje é Diretora-Executiva da NBS Brazil Alliance.

Foto/Capa: Sérgio vale

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