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Editorial – A política nunca saiu da Igreja: o legado de Dom Moacyr e o silêncio forjado sobre a história

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Uma recente coluna Tricas & Futricas, do site AC24h, ao afirmar que Dom Joaquim teria “tirado a política da Igreja” ao assumir a Diocese de Rio Branco, revela um esforço de descontinuidade histórica, um apagamento deliberado da atuação da Igreja Católica na defesa dos trabalhadores rurais, dos seringueiros e da floresta no Acre durante os anos de chumbo e de avanço do capital sobre os territórios da Amazônia. Nos permita discordar, no máximo da educação, querido articulista. Dizer que “a política saiu da Igreja” ignora fatos documentados, contraria o testemunho de protagonistas centrais dessa história. Em especial, silencia a voz e a trajetória de Dom Moacyr Grechi — cuja ação pastoral não apenas articulou fé e justiça, mas contribuiu para reconfigurar a própria noção de Igreja na Amazônia.

Ao assumir a Diocese de Rio Branco em 1973, Dom Moacyr encontrou um Acre profundamente marcado pela violência estrutural do latifúndio, pela ocupação forçada de terras e pela crescente invisibilização das populações tradicionais. Nos anos seguintes, em meio ao projeto militar de “integração nacional” e à expansão da pecuária sobre os seringais, a Igreja tornou-se uma das únicas instituições dispostas a fazer frente ao processo de expropriação em curso. Como documenta Sandra Teresa Cadiolli Basilio em A luta pela terra e a Igreja Católica nos Vales do Acre e Purus (1970–1980), a atuação da Igreja nos vales do Acre e Purus foi decisiva para a emergência de um novo tipo de resistência: sindical, comunitária e enraizada na teologia da libertação.

Ao lado das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Igreja passou a exercer papel ativo na denúncia das violações de direitos, na formação de lideranças e na construção de alternativas populares, como as reservas extrativistas. O próprio Dom Moacyr declarou, em entrevista concedida à pesquisadora em 1997: “Ou assumia a causa dos pobres ou negava a minha missão e mesmo minha própria fé”. A fala expressa o dilema pastoral vivido no Acre dos anos 1970: permanecer neutro era compactuar com a injustiça.

Ainda segundo seu relato, o contato com a realidade dos seringais transformou radicalmente sua compreensão de missão episcopal: “Eu era sensível à injustiça, mas não via bem a ligação entre Evangelho e a problemática social. No Acre eu fui praticamente forçado a enfrentar a realidade”. Essa transformação resultou em ações concretas. Em 1977, Dom Moacyr depôs na CPI do Sistema Fundiário, denunciando grilagens, violências contra trabalhadores e especulação de terras no Acre, contribuindo para a repercussão nacional da luta dos seringueiros.

A Igreja foi também protagonista da experiência do Projeto Seringueiro, iniciado em 1981 no Seringal Nazaré, em Xapuri. Documentado por José Dourado de Souza em sua tese de doutorado Entre lutas, porongas e letras, e por Manoel Estébio Cavalcante no artigo Paulo Freire nos seringais do Acre, o projeto combinava alfabetização de adultos, formação política e valorização da identidade seringueira, com base na pedagogia de Paulo Freire e na teologia da libertação. Não era uma escola convencional: era uma escola do chão da floresta, onde se aprendia a ler o mundo antes mesmo de ler a palavra. Era uma escola política, porque ensinava a resistir.

Foi nesse entrelaçamento entre religião, educação e território que se forjou um dos movimentos sociais mais importantes da história do Brasil contemporâneo. Os seringueiros, até então tratados como força de trabalho invisível, tornaram-se sujeitos políticos. E a Igreja, ao lado dos sindicatos, do Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA), da CPT e de educadores populares, foi fundamental nesse processo. Não porque “levou política” para o púlpito, mas porque reconheceu que a fé cristã exige compromisso com os pobres, com a vida e com a justiça.

Por isso, a afirmação de que Dom Joaquim teria “tirado a política da Igreja” deve ser lida com atenção crítica. Se verdadeira, ela não sinaliza avanço, mas regressão. Indica a tentativa de descontinuar um projeto pastoral que, historicamente, se fez compromisso concreto com os oprimidos. Sugere o abandono da herança de Dom Moacyr, cuja trajetória não cabe na caricatura de uma Igreja “neutra”, despolitizada, indiferente ao sofrimento do povo da floresta.

A Igreja no Acre nunca foi apenas um templo. Foi trincheira, escola, assembleia e lugar de refúgio. Sua política nunca foi de partido, mas de vida. Esquecer isso é reescrever a história com as tintas do poder. É calar o testemunho de quem, como Dom Moacyr, ousou dizer: “Eu não fui nomeado bispo para me omitir diante da injustiça”.

A política, no sentido mais nobre do termo, como organização da vida coletiva, como defesa da dignidade humana, nunca saiu da Igreja. E não deveria sair. Porque onde está o povo, ali também deve estar a Igreja. Com os pobres, com os sem-terra, com os da floresta. Como sempre esteve, apesar do silêncio que agora tentam impor.

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Editorial – Dia da Amazônia: a floresta como território de vida e resistência

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No dia em que se celebra a Amazônia, o Épop apresenta uma seleção de imagens do fotógrafo Sérgio Vale, que ajudam a traduzir a dimensão simbólica, cultural e política deste território. A Amazônia é mais que floresta: é espaço de vida, lar de povos indígenas e comunidades tradicionais, fonte de equilíbrio climático e de saberes que atravessam gerações.

As fotos revelam contrastes entre a beleza da natureza e os desafios enfrentados por quem nela vive. Estão presentes a força das culturas originárias, a relação espiritual dos povos com a floresta, a diversidade da fauna e da flora, assim como os sinais de ameaça que pairam sobre esse ecossistema. É nesse encontro de imagens que se vê o retrato de uma região que segue sendo palco de disputas, mas também de resistência e afirmação de direitos.

A história da Amazônia é marcada pela luta de seus povos para garantir a sobrevivência diante de ciclos de exploração que vão da borracha ao agronegócio, passando pelas grandes obras de infraestrutura. Hoje, no entanto, sua preservação se coloca como um desafio global. Manter a floresta em pé significa assegurar o futuro não apenas da região, mas do planeta.

Filho de Rio Branco, no coração da Amazônia acreana, Sérgio Vale carrega em sua trajetória a herança de Terezinha Vale da Cunha e Fernando Augusto Ferreira da Cunha. Suas fotografias traduzem não apenas o olhar atento sobre a vida amazônida, mas também o compromisso de revelar as múltiplas vozes e paisagens do Acre. Cada imagem integra-se a uma narrativa maior, que une memória, identidade e reflexão sobre a realidade da floresta e de seu povo.

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Editorial – Quem teme Naluh, teme a verdade

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O afastamento pedido pelo governo é menos sobre uma conselheira e mais sobre a incapacidade de conviver com a transparência.

O governo do Acre se apequena. Com a tentativa de afastar a conselheira Naluh Gouveia da relatoria das contas estaduais é um ato que fala mais sobre o desgoverno do que sobre a própria conselheira. Revela-se, assim, uma postura autoritária, movida pelo medo do escrutínio rigoroso e pela dificuldade de conviver com a transparência que deveria ser obrigação de qualquer administração séria.

Ao tentar interferir em um processo técnico, o governo confunde poder com poder absoluto. O Tribunal de Contas existe justamente para garantir equilíbrio, fiscalização e responsabilidade na aplicação dos recursos públicos. Interferir na escolha da relatoria equivale a fragilizar uma das poucas instâncias de controle capazes de assegurar que a legalidade, a moralidade e a impessoalidade não sejam apenas palavras vazias na Constituição. É o desrespeito institucional transformado em prática cotidiana.

Quando o nome de Naluh Gouveia aparece nessa disputa, não é pelo que ela fez contra alguém, mas pelo que representa em favor da sociedade. Sua trajetória pública é marcada por firmeza ética, clareza de princípios e notória competência técnica. Ao longo de sua vida, tanto como deputada quanto como conselheira, demonstrou compromisso com a isonomia, a equidade e a verdade, atributos que não são adjetivos de ocasião, mas virtudes reconhecidas pela sociedade acreana. É justamente esse perfil que incomoda: uma mulher independente, que não se curva a pressões, que não teme o confronto quando está em jogo o interesse coletivo.

É lamentável que, em pleno século XXI, ainda se veja o uso da máquina governamental para tentar intimidar vozes críticas. Não é Naluh quem sai menor desse episódio, mas sim o governo, que expõe seu receio diante da transparência e da fiscalização. A tentativa de afastamento soa como confissão: apenas teme ser fiscalizado quem tem motivos para esconder.

Respeitar a função de Naluh Gouveia não é favor, mas exigência republicana. É o reconhecimento de que o interesse público deve estar acima de conveniências políticas ou de ressentimentos pessoais.

O governo precisa entender que democracia não se sustenta com perseguições, mas com respeito às instituições e àqueles que têm a coragem e a competência de defendê-las. Mas o que mais preocupa não é o ataque do governo é o silêncio de quem deveria estar ao lado da verdade.

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Editorial – Em defesa de Raimundão e da verdade sobre a Resex Chico Mendes

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Em tempos de ataques orquestrados, ameaças covardes e desinformação difundida por interesses que atuam contra a floresta e seus povos, é preciso reafirmar com clareza: Raimundão Mendes de Barros é um símbolo vivo da luta extrativista e da resistência amazônica. Primo de Chico Mendes e morador da Reserva Extrativista que leva o nome do mártir da floresta, Raimundão carrega no corpo e na trajetória o compromisso com o legado de defesa da vida, da floresta em pé e do modo de vida extrativista.

Não é coincidência que, após uma operação legalmente fundamentada, liderada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), tenha surgido uma onda de notícias falsas e tentativas de intimidação direcionadas a ele. A Operação Suçuarana visa a retirada de gado criado ilegalmente dentro da reserva, em áreas embargadas por decisão judicial. O que se combate ali não são agricultores familiares nem moradores regulares da Resex. O que está sendo enfrentado é a grilagem, o desmatamento e a apropriação indevida de terras públicas federais.

Raimundão nunca se escondeu. Sempre esteve ao lado de sua comunidade, defendendo o plano de uso construído pelos próprios extrativistas e aprovado coletivamente. Cumprir e proteger esse plano é preservar o futuro da reserva. Por isso, as ameaças que vem sofrendo precisam ser denunciadas e combatidas com a mesma firmeza com que Chico Mendes um dia denunciou os fazendeiros que queriam transformar a floresta em pasto.

Não é aceitável que aqueles que se colocam em defesa da legalidade e da vida em comunidade sejam tratados como inimigos. Mais inaceitável ainda é ver lideranças ameaçadas por criminosos ambientais que usam a desinformação como arma para confundir e dividir as comunidades. É preciso dizer com todas as letras: a Resex Chico Mendes é uma conquista do povo, não uma terra sem lei.

A ação ocorre com respaldo em decisões judiciais definitivas, notificações administrativas anteriores e na legislação ambiental que rege as unidades de conservação federais. O que está em jogo não é apenas o cumprimento de normas, mas a integridade de um modelo de convivência com a floresta que é referência para o Brasil e o mundo.

É hora de reafirmar, com coragem: Raimundão não está só. Ao lado dele estão os verdadeiros extrativistas, os defensores do meio ambiente, os que honram a memória de Chico Mendes. Defender Raimundão é defender a floresta, a justiça e o futuro da Amazônia.

Esse é um posicionamento claro e firme do portal Épop. Não nos calaremos diante de ameaças, mentiras e distorções que tentam enfraquecer aqueles que dedicam a vida à defesa da floresta e das comunidades extrativistas. Estamos do lado da verdade, da justiça e de uma Amazônia protegida por quem vive nela, cuida dela e resiste há gerações. Raimundão não está sozinho. E a Resex Chico Mendes precisa ser fortalecida, não desmontada.

Foto: Arison Jardim

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